Correio braziliense, n. 19929, 15/12/2017. Cidades, p. 21

 

Impasse na Câmara ameaça investimentos

Ana Viriato 

15/12/2017

 

 

GOVERNO » Distritais não autorizaram o GDF a usar R$ 1,2 bilhão em obras. Dinheiro veio da economia com a união dos fundos de contribuição após reforma da Previdência

A polêmica rejeição à emenda que previa o remanejamento a outros setores do R$ 1,2 bilhão que o Executivo economizou com a união dos fundos de contribuição após a reforma da Previdência distrital continua a causar mal-estar na Câmara Legislativa. Em uma sessão marcada por trocas de xingamentos e bate-boca, os distritais adiaram, ontem, pela segunda vez, a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2018, proposta que fixa a receita e as despesas do governo. Os parlamentares marcaram outra sessão para terça-feira, com o intuito de avaliar o projeto. Há, porém, a possibilidade de a apreciação da matéria ficar para fevereiro de 2018.

De um lado, a base aliada ao Palácio do Buriti afirma que não votará uma proposta fragmentada e que a derrubada da emenda prejudicará as previsões orçamentárias. Do outro, a oposição alega que é adequado dar o sinal verde, por ora, apenas à destinação dos R$ 42,4 bilhões originais. Eles acreditam que o uso do R$ 1,2 bilhão restante deva ser avaliado no próximo ano, para que o governo não use o dinheiro com a concretização de projetos com visibilidades eleitorais.

Em nota oficial, o GDF alegou que o veto à emenda aconteceu em razão de “desejos eleitorais inconfessáveis”. “Mesmo com ações desse tipo, o GDF continua aberto ao diálogo, se é que realmente estejam interessados em defender os interesses públicos e não os interesses eleitorais/partidários”, destacou o texto. Também por meio de nota, a Presidência da Câmara Legislativa apontou que “não se furtará de discutir e debater de forma transparente a aplicação de recursos do erário para o benefício da população do Distrito Federal. Quem não quer a discussão é que deve expor seus motivos”.

No meio do fogo cruzado, quem sofre os danos da briga de egos é a população. Enquanto o orçamento não passar pelo crivo do plenário, o GDF terá acesso a apenas um duodécimo da receita do ano anterior. Nesse caso, o Palácio do Buriti pode usar o montante só para despesas obrigatórias, como pagamento da folha de pessoal e custeio da máquina. Investimentos e licitações, por exemplo, ficam vetados.

No meio tempo,  os distritais não têm recesso de fim de ano ou férias em janeiro. Isso porque, de acordo com a Lei Orgânica do Distrito Federal, a atividade legislativa não pode ser interrompida sem a aprovação da LOA. No Congresso Nacional, adiamentos nesses moldes já aconteceram, mas os parlamentares adotaram o chamado recesso branco enquanto mantinham um expediente de fachada. Na Câmara Legislativa, a situação é inédita.

Contestações

Para votar a proposição são necessários 13 deputados em plenário. A estratégia do Buriti é esvaziar o quórum enquanto não acertar o próximo movimento — isso aconteceu por duas vezes nos últimos dois dias. “O que a Presidência (da Câmara Legislativa) quer impor é o orçamento faltando um pedaço”, acusou o líder do governo na Casa, Agaciel Maia (PR). “Colocam uma cortina de fumaça, dizendo que a proposta é casuística. Mas, em todos os anos, o governo faz ajustes aos poucos. Os deputados poderiam realocar os recursos dentro da unidade, mas, não, derrubar a emenda. O que fizeram foi interferir num ato exclusivo do poder Executivo”, completou.

Oposicionistas argumentam que a alteração proposta ao orçamento aconteceu “na surdina”, sem diálogo. “Ele (o governador Rodrigo Rollemberg) não fez o detalhamento dos gastos para aqueles que analisam o orçamento. A votação do R$ 1,2 bilhão em fevereiro não prejudicaria em nada o GDF”, destacou o presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), do alto da tribuna do plenário da Câmara, ontem à tarde.

O pedetista emendou, com críticas ao chefe do Executivo local: “O Legislativo sempre foi chamado de puxadinho do Buriti. Hoje, não é. Por isso, o governador se ressente e se rebela, quer fazer suas vontades… Não vai fazer. Quando o senhor (Rollemberg) tiver a competência de eleger o presidente da Câmara, venha fazer isso aqui. Nessa Casa, vamos discutir e debater, coisa que não é do seu costume, porque você traz nas origens o coronelismo”.

Bate-boca

Toda a polêmica se deve à iniciativa do Executivo de remanejar para infraestrutura, nomeações de servidores e itens triviais, como casamentos comunitários, o R$ 1,2 bilhão que deixaram de ser usados para cobrir o deficit da Previdência após a união dos fundos. Em uma votação apertada e desempatada pelo voto de Minerva de Joe Valle, os parlamentares derrubaram a medida.

Um dos votos contrários ao governo é conhecido: Robério Negreiros (PSDB). Em dezembro de 2016, o tucano também havia mudado o posicionamento combinado com o Buriti e apoiado uma chapa diferente dos interesses palacianos. “Ele começou e terminou o ano traindo. Ao menos é coerente”, cutucou Agaciel Maia, momentos depois da sessão de terça-feira.

Negreiros respondeu à alfinetada, ontem, na tribuna. Em discurso, chamou o líder do governo de “sonso”, “safado” e “parlapatão” (quem conta mentiras). Agaciel, que havia saído do plenário para conceder entrevista, voltou para rebater as ofensas. “Não vou abaixar o nível para discutir com você (Robério). Não preciso adjetivá-lo. Todos sabem quem você é”, rebateu. O vice-presidente da Câmara Legislativa, Wellington Luiz (PMDB), deu fim à discussão. “Se tiverem roupa suja, lavem em casa e, não, no plenário”.

Prioridades

Confira as previsões orçamentárias para os setores considerados prioritários pelo GDF

Segurança          R$ 13,6 bilhões;

Educação            R$ 7,9 bilhões;

Saúde   R$ 6,5 bilhões;

Administração  R$ 2, bilhões;

Urbanização      R$ 2,3 bilhões;

Transporte         R$ 1,6 bilhão;

Cultura R$ 147,8 milhões;

Habitação           R$ 90,2 milhões;

Saneamento     R$ 42 milhões;

Memória

Equilíbrio no caixa

O Governo do Distrito Federal emplacou na Câmara Legislativa, em setembro, uma proposta que uniu os dois fundos de contribuição, geridos pelo Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev). Um deles reunia profissionais egressos antes de 2007 e registrava deficit. O outro era integrado por funcionários públicos que entraram no governo após 2007 e registrava mais de R$ 3 bilhões de superavit. A ideia, portanto, era equalizar a situação dos caixas previdenciários. O projeto gerou controvérsias e a votação que levou à sua aprovação durou cerca de 11 horas.