Valor econômico, v. 17, n. 4355, 05/10/2017. Especial, p. A14.

 

 

Temer segura ajuste até fim da denúncia

Raphael Di Cunto e Andrea Jubé

05/10/2017

 

 

Não é só a reforma da Previdência que ficará prejudicada pelas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer. Para não aumentar o clima de tensão e de pressão sobre os deputados da base aliada, o presidente só deve assinar o pacote de medidas anunciado há quase dois meses para cumprir a meta fiscal de 2018 após a votação da segunda denúncia no plenário da Câmara dos Deputados, no fim de outubro.

A decisão deve pressionar as contas no próximo ano, com déficit previsto de R$ 159 bilhões, e dificultar a aprovação. Das quatro medidas de aumento de receita, que gerariam R$ 14,5 bilhões, e das cinco de redução de despesas, da ordem de R$ 8 bilhões, apenas uma, que não depende do Congresso, já está encaminhada: o congelamento da alíquota do Reintegra, benefício para os exportadores, aprovada por decreto.

A elevação de impostos, como a reoneração da folha de pagamentos das empresas e o aumento da alíquota previdenciária dos servidores, exige 90 dias da aprovação até começar a ser cobrada. A elevação da alíquota previdenciária, que renderá R$ 1,9 bilhão, pode ocorrer por medida provisória (MP), que tem efeito imediato após a publicação. Mas se o governo insistir em adiar até novembro a edição, a arrecadação só terá início em fevereiro.

Do ponto de vista político, se as MPs tivessem sido encaminhadas em agosto, logo após o anúncio, seriam votadas ainda este ano porque o prazo de validade das MPs é de quatro meses. Se a publicação ocorrer em novembro - a previsão é votar a denúncia na última semana de outubro -, o prazo só vence em março ou abril, quando os parlamentares já estão mergulhados nas pré-campanhas em seus Estados e os governos enfrentam mais empecilhos para aprovar propostas impopulares.

O fim da desoneração da folha, com o qual a equipe econômica esperava arrecadar R$ 12,5 bilhões no próximo ano, enfrenta os dois problemas. O governo já reconhece que a arrecadação será menor porque o atual projeto, que está em tramitação na Câmara, não andou e nem sequer recebeu regime de urgência, o que obrigaria a votação em até 45 dias.

A alternativa será editar nova MP sobre o assunto nos últimos dias de dezembro. A receita estimada em 2018 é de R$ 8 bilhões por causa da demora. Mas ainda será preciso vencer a resistência de empresários e parlamentares, que desfiguraram a MP anterior e acabaram por derrubá-la.

O pacote de propostas, que inclui adiamento do reajuste dos servidores federais para 2019, aumento da alíquota previdenciária dos funcionários públicos que recebem mais de R$ 5,5 mil de 11% para 14%, mudança na tributação de fundos de investimentos, ações para redução dos gastos com auxílio-moradia e cancelamento do reajuste de comissionados, está pronto. Falta apenas a assinatura de Temer.

Os projetos já estão na gaveta há mais de um mês. Quando Temer viajou para a China em agosto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que assumiu interinamente, encontrou as medidas sobre a mesa para serem assinadas, mas se recusou a assumir o desgaste pelas propostas impopulares.

Segundo interlocutores do governo no Congresso e no Planalto, Temer foi aconselhado a segurar as medidas que afetam milhares de servidores públicos por receio de que acarretem uma onda de protestos e influenciem a Câmara na análise da denúncia. A estratégia é não provocar polêmicas com os deputados nem jogar mais pressão sobre os parlamentares até a votação.

Por meio da assessoria, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que as propostas ainda estão sendo analisadas na área jurídica, que definirá o formato que terão ao serem enviadas para o Congresso (projetos de lei ou MPs).

Um auxiliar de Michel Temer admite que o "timing" político recomenda o adiamento do envio do pacote ao Congresso. Este assessor pondera que aprofundar o desgaste neste momento seria inócuo porque não haveria prejuízo para o ajuste fiscal no encaminhamento das matérias em novembro ou dezembro. Aponta como exemplo a medida que trata da reestruturação das carreiras do funcionalismo público, que prevê uma economia de R$ 18 bilhões em cinco anos. "Por que o governo anteciparia o anúncio do adiamento de concursos, ampliando a impopularidade, se não há concursos previstos para este ano?", questiona.

Por enquanto, o único projeto que precisa do aval do Congresso a avançar fez isso sem depender do governo: a regulamentação do pagamento de verbas para servidores públicos acima do teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,7 mil. Maia criou uma comissão especial para decidir sobre o assunto, aprovado pelo Senado em 2016, e que tem realizado audiências públicas. O polêmico texto, que a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu aprovar, será alterado e terá que ser discutido novamente pelo Senado antes de efetivamente cortar parte dos benefícios.

Mas mesmo essa proposta, com pode levar a economia de R$ 725 milhões por ano, aguardará o calendário da denúncia. O presidente da comissão, deputado Benito Gama (PTB-BA), diz que o colegiado deve esperar até o fim de novembro para votar um parecer. "Não queremos misturar as coisas e parecer que é retaliação ao Judiciário e Ministério Público [onde estão os maiores salários", afirmou.