Título: Demonstração de força
Autor: Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2012, Mundo, p. 17

No aniversário da rebelião, Bashar Al-Assad mobiliza seus partidários na capital e bombardeia focos rebeldes

O derramamento de sangue na Síria completou um ano ontem e não tem data para acabar. O ditador Bashar Al-Assad mostrou que não cederá aos apelos da comunidade internacional e intensificou a repressão contra os opositores no sul e no norte do país. A cidade de Deraa, onde começaram as manifestações, foi violentamente bombardeada. Em Idlib, policiais invadiram casas com a desculpa de encontrar “terroristas armados”. Na capital, Damasco, milhares de simpatizantes do presidente foram às ruas reafirmar seu apoio. Na tentativa de acabar com o conflito, mais de 200 organizações de ajuda humanitária e direitos humanos fizeram um apelo à Rússia e à China — potências que bloqueiam qualquer represália contra Assad no Conselho de Segurança da ONU — para que mudem de posição. Nos últimos 12 meses, segundo as Nações Unidas, mais de 8,5 mil pessoas morreram em confrontos. Somente ontem, foram mais 46 vítimas.

As organizações também pediram a aprovação de uma resolução contra o uso de violência, a tortura e as prisões arbitrárias. No início do mês passado, líderes árabes apresentaram ao Conselho de Segurança um projeto, apoiado pelo Ocidente, segundo o qual o ditador cederia o poder ao vice e retiraria as tropas das cidades, para dar início à transição política. A Rússia e a China vetaram a iniciativa.

Apenas ontem, cerca de mil refugiados sírios cruzaram a fronteira para a Turquia. As autoridades turcas declararam que, caso a crise continue, a expectativa é de que esse número chegue à casa das centenas de milhares. De acordo com a ONU, 30 mil sírios se deslocaram para países vizinhos e 230 mil estão desalojados dentro do país. Ontem, Catar, Omã, Emirados Árabes e Kuait decidiram fechar suas embaixadas em Damasco, seguindo decisão semelhante tomada por Barein e Arábia Saudita. Na última quarta-feira, diplomatas da Itália e da Arábia Saudita também deixaram o país. Entre os governantes que foram contestados desde o início da Primavera Árabe, Assad é o único que permanece poder.

Em Damasco, milhares de pessoas foram às ruas em apoio ao presidente, numa mobilização batizada pelo governo como “marcha global pela Síria”. “O povo (sírio) está profundamente dividido e, se dermos armas à oposição, provocaremos uma guerra civil”, advertiu o ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé. Para especialistas, entretanto o derramamento de sangue no país já pode ser caracterizado como guerra civil.

Aposta no desgaste “O conceito é complicado, mas a oposição armada já assumiu uma posição significativa e não está mais dispersa, e sim concentrada em um grupo, o que caracteriza um conflito interno”, explica o professor de literatura e cultura árabe Stephen Sheehi, da Universidade da Carolina do Sul (EUA). O historiador Daniel Pipes, especialista em Oriente Médio, acredita que a oposição está longe de derrubar o regime. “Eu sou pessimista em relação à democracia na Síria. Ao contrário, vejo outra tirania seguindo a atual.” Especialistas acreditam que Assad aposta em uma “guerra de desgaste”, na qual renovará o diálogo quando a comunidade internacional perceber que ele não poderá ser derrubado.

Pressionado, o presidente sírio anunciou na terça-feira a convocação de eleições legislativas, mas não acalmou os ânimos de autoridades internacionais. “Não acredito que isso seja um sinal de trégua. O problema, de fato, não é se o pleito se realizará ou não. A questão é que eles (o regime) não têm a mínima credibilidade”, afirmou Stephen Sheehi, da Universidade de Carolina do Sul. “A votação é uma forma de compensação à comunidade internacional, a fim de mostrar que o governo visa a ‘reforma’ política.” As potências ocidentais e a Liga Árabe esperavam que as eleições fossem realizadas no final de 2011, com a promessa de que “transparência”. Desde que Al Assad assumiu o poder, em 2000, já foram organizadas duas eleições. A última, em abril de 2007, a Frente Nacional Progressista (FNP), partido do presidente, venceu a maioria das 250 cadeiras do Parlamento. Neste pleito foram denunciadas, pela oposição e pela comunidade internacional, diversas irregularidades.