Valor econômico, v. 17, n. 4356, 06/10/2017. Especial, p. A3.

 

 

'Nosso desafio requer cooperação internacional'

06/10/2017

 

 

Obrigado. Bom dia, Brasil. Muito obrigado. Gostaria de agradecer a todos do Grupo Globo e do Santander por terem me convidado: José Roberto Marinho, João Roberto Marinho, Frederic Kachar, muito obrigado pela apresentação. Sergio Rial e Marcos Madureira, obrigado. Também gostaria de agradecer a todos os senhores por me receberem hoje. Para mim é um enorme prazer estar aqui.

Já faz um certo tempo que estive aqui, e desde a minha primeira visita sempre quis voltar, porque este país me mostrou um pouco da sua hospitalidade lendária, em 2011. Muito obrigado.

Tive a oportunidade de visitar a Cidade de Deus. Michelle e eu levamos nossas filhas para visitar o Cristo Redentor. E embora, não tenha tido a oportunidade de participar da Copa do Mundo, Joe Biden veio no meu lugar. Também não tive a oportunidade de ver a Olimpíada e ainda não vi o Carnaval, mas mesmo assim é um enorme prazer estar aqui hoje. O Brasil foi o primeiro país que visitei na América do Sul como presidente, e isso não foi coincidência. Como americanos, reconhecemos a ascensão extraordinária do Brasil e sempre torcemos pelo seu sucesso.

Acredito que as duas maiores democracias do hemisfério e duas das maiores economias do mundo, como nós, temos a oportunidade e a responsabilidade únicas de chegarmos a esse ritmo incessante de globalização e mudanças tecnológicas, enfrentar desafios como terrorismo e desigualdade econômica, mudando o futuro da região, mas também do mundo todo. Esses são tempos muito desafiadores, e teremos a oportunidade de conversar sobre isso. Mas, antes de responder a perguntas, gostaria de mencionar alguns dos principais desafios que todos estamos enfrentando. De certa maneira, vivemos o melhor e o pior dos momentos. O mundo está mais próspero do que nunca, mas isso veio com uma ruptura industrial e estagnação de salários em muitas economias avançadas, o que deixou muitos trabalhadores e muitas comunidades com medo das perspectivas para eles e para seus filhos, pensando que elas serão piores, e não melhores no futuro. O mundo está mais conectado do que nunca, mas, da mesma maneira que a internet tem a oportunidade de espalhar conhecimento e oportunidades, dá poder àqueles que espalham ódio e morte.

No Brasil, nos EUA, na Europa, em todos os lugares, vemos a internet contribuindo para dividir a nossa política. E nesta era de informação instantânea, onde tudo nos dá uma cadeia sem interrupção de más notícias, é natural que as pessoas procurem algum sentido de certeza e de controle nas suas vidas.

Vemos choques entre as culturas, as pessoas preocupadas com os valores tradicionais, suas ideias e suas raízes estão sendo esfaceladas. E é inevitável que nossas políticas e nossos arranjos sociais também tenham essa ruptura, da mesma forma que ocorrem essas rupturas tecnológicas.

E a pergunta que todos temos que fazer, seja no Brasil, EUA, Ásia, África, é a seguinte: pelo bem coletivo e de nossas famílias, será que temos a capacidade de reconstruir e renovar esses arranjos políticos e sociais para que as mudanças funcionem para todos e não só para alguns? Será que podemos nos certificar de que a internet, os serviços sob demanda, o carro sem motorista, as entregas por drone, será que podemos ter certeza de que isso vai ajudar a economia para todos e não só para os poucos que estão no topo?

Será que podemos provar que, em um mundo que está encolhendo, esse aumento de xenofobia, nacionalismo e políticas populistas de extrema direita ou extrema esquerda, aquela coisa de contrapor nós contra eles, será que isso vai nos levar para trás?

Essa não é a direção certa. Mais do que nunca precisamos abraçar os valores da tolerância, do Estado de direito, do pluralismo, para que possamos avançar. Será que podemos refazer as nossas políticas de maneira que realmente inspirem as pessoas a se encontrarem e acharem esse fim comum da humanidade, e substituir o medo pela esperança?

Uma das vantagens de não me candidatar mais a nada é que não tenho que oferecer um plano com dez pontos para resolver todos esses problemas, mas tenho algumas ideias que acredito que precisariam ser focalizadas. Primeiro: temos que nos certificar de que essa nova economia funcione para todas as nações e todos os povos.

Acredito que o capitalismo e os mercados abertos sejam os maiores geradores de riqueza da história humana, e fizeram um trabalho inacreditável de melhorar o padrão de vida no mundo inteiro, de incentivar inovação, de aumentar produtividade.

Mas também é verdade que a globalização, a automação, todas essas coisas que nos deram tantos benefícios incríveis, enfraqueceram a posição dos trabalhadores, no sentido de conseguirem salários justos. Em muitos casos, houve também rupturas das velhas indústrias enraizadas e que não se recuperaram. Em um mundo onde apenas 1% controla tanta riqueza, assim como o resto, não veremos estabilidade política.

E não apenas isso. Se você olhar a história da economia, as economias não crescem tão rapidamente, com tanto sucesso, quando se tem muita concentração de riqueza lá em cima e sem a expansão da classe média. A sociedade não funciona tão bem quando as pessoas sentem que o jogo econômico tem regras fixas, que somente alguns se beneficiam, em vez de ser competição aberta para qualquer um que tenha uma boa ideia ou esteja disposto a trabalhar.

Algumas dessas tendências vemos nos EUA e nas economias mais avançadas do mundo. Essa é uma receita para cinismo e polarização e para a destruição da confiança e de instituições. Isso leva a reações que você não pode controlar, como o protecionismo. Tentamos isolar nós mesmos da concorrência. Então, no futuro, cada país tem que ter pactos sociais novos, que deem a todos os jovens a educação que eles precisam, que deem aos trabalhadores a capacidade de se organizar para terem salários melhores.

Isso assegura um sistema tributário que é justo e não permite que aqueles que se beneficiam dessa nova economia evitem suas obrigações. Pelo contrário: têm que reinvestir em seu país e dar chance a outras pessoas e empresas. Temos que investir nas pessoas, nas suas habilidades e capacidades, na sua educação, para que possam transformar essas capacidades e ideias em novos negócios. No que vai ser uma economia cada vez mais baseada em serviços, temos que modernizar nossas redes de segurança porque isso não apenas gera estabilidade política, mas também dá poder às pessoas para tomar riscos.

Elas sabem que se as coisas não funcionarem tão bem, elas terão um chão, uma base para se segurarem, para assumirem riscos. Da mesma maneira que trabalhamos para reduzir a desigualdade em nossos países, temos que trabalhar para diminuir a diferença entre as nações ricas e pobres, ajudando as economias emergentes a se tornarem mercados para comercializar produtos americanos ou brasileiros, evitar que os Estados frágeis colapsem, assegurando que a população jovem veja um futuro melhor.

Isso não é apenas caridade, isso não é apenas o certo a se fazer, mas o mais inteligente a se fazer. E isso me traz ao segundo ponto: a maior parte do nosso desafio requer cooperação internacional. Por exemplo, a questão da mudança climática. Nós estamos vendo uma devastadora temporada de furacões. Não podemos atribuir um único furacão às mudanças climáticas, mas a tendência aponta furacões cada vez mais fortes, temporadas de incêndios florestais mais longas, mais secas, mais inundações. Não são acidentes, é o nosso futuro se as temperaturas ao redor do mundo continuarem a subir. Isso é científico.

"Temos que nos certificar de que essa nova economia funcione para todas as nações e todos os povos"

A boa notícia é que nos EUA, durante a minha administração, nós provamos que o progresso econômico e a proteção ambiental não estão em conflito, mas, de fato elas se complementam. Então, enquanto eu era presidente, por exemplo, aumentamos em três vezes a energia eólica e em dez vezes a energia solar e essas indústrias agora criaram muito mais empregos do que a antiga indústria de carvão.

Mas cada país não vai conseguir resolver esses problemas apenas por si só. Os EUA não podem resolver o problema sem o Brasil. O Brasil não pode resolver o problema sem a China, a China não pode resolver o problema sem a Índia ou outra nação em desenvolvimento.

Então, teremos que trabalhar em conjunto para reduzir as emissões de carbono dentro do tempo necessário para que alguns dos principais avanços científicos e dentro da área de energia possam resolver esses problemas de uma vez por todas.

E o que me dá esperanças é que a América Latina está aumentando drasticamente o uso de energias renováveis. O Brasil, de várias maneiras, está liderando o caminho no trabalho de biocombustível, que tem sido um exemplo para o mundo inteiro. Isso é algo que vocês deveriam se orgulhar e continuar a construir esse caminho.

Terceiro ponto. Precisamos reconhecer que, no cenário mundial, a maior ameaça não é a velha disputa de superpotências do passado, mas são, várias vezes, Estados falidos, ou nações hostis, ou redes terroristas, ou desentendimentos entre populações jovens que não têm oportunidades.

E o que isso significa é que não podemos apenas solucionar problemas com tanques e aviões. Eu tenho orgulho do fato de que os EUA têm o Exército mais poderoso do mundo e isso é necessário, em alguns casos, para manter a paz. A Coreia do Norte, por exemplo, representa um perigo real, e é por isso que, além de manter a nossa vantagem militar e tecnológica, temos que manter também alianças sólidas ao redor do mundo.

Mas, para fazermos isso, nós temos que entender que a nossa segurança não depende apenas de equipamentos militares, ela depende de uma diplomacia forte, de cultivar as nossas alianças, de encorajar a cooperação entre as nações.

O poder das nossas economias, o poder dos nossos ideais são igualmente importantes para garantir a paz. Não apenas um poderio militar extraordinário.

Então, temos que nos certificar de que entendemos que é assim que podemos criar um cenário de esperança, em vez dos círculos de medo e desespero que vemos em crescimento em tantas regiões do mundo.

E, em quarto lugar, precisamos de um senso renovado de abertura a pessoas de diferentes culturas e que têm uma aparência diferente da nossa. E uma das coisas que os EUA e o Brasil têm em comum é uma história multirracial. Às vezes essa foi uma história dolorosa, e a minha esperança é que, aqui no Brasil, assim como é o que espero para os EUA, que vejamos isso como um fonte de força, e não uma fonte de vulnerabilidade.

Que a possibilidade de que pessoas de origens diferentes e com experiências diferentes todas contribuam para impulsionar a nação à frente. Esse é o futuro.

Isso inclui, aliás, estar aberto a imigrantes. Nos EUA, os imigrantes abrem 30% de todos os novos negócios. Agora, como a imigração acontece faz diferença. Ela tem que acontecer de maneira ordenada. Haverá algumas tensões quando os imigrantes se mudam para um país. Os imigrantes podem às vezes competir por empregos nos setores de serviços e construção, nos EUA, por exemplo. Então nós temos que ser cautelosos com fluxos incontroláveis de imigração que levam a uma repercussão política negativa e colocam em risco a nossa capacidade de receber imigrantes como um todo.

"Precisamos abraçar os valores da tolerância, do Estado de direito, do pluralismo, para que possamos avançar"

Mas nós temos que reconhecer que nessa nova era, quando todos estão conectados, nós deveríamos dar boas-vindas ao fluxo contínuo de novas ideias e dinamismo econômico que um processo imigratório ordenado traz e deveríamos continuar abertos a lidar com refugiados de países que foram devastados por guerras. Em parte porque muitas de nossas famílias, aqui no Brasil, assim como nos EUA, vieram a estes países porque estavam fugindo de lugares que os oprimiam. Não podemos nos esquecer disto.

E o meu último ponto é que teremos que reconhecer como a tecnologia muda a maneira como as pessoas consomem informações, e reconhecer que o que achávamos que era apenas para o bem também pode, às vezes, levar a tendências danosas e que causam divisões nos nossos países.

Estamos mais conectados do que nunca, mas isso faz com que, em alguns casos, seja mais fácil recuarmos a nossas próprias tribos, nossas próprias bolhas, onde só escutamos pessoas que pensam da mesma maneira como nós. E nunca desafiamos as nossas próprias presunções, porque tudo o que lemos, tudo o que vemos é simplesmente o que um algoritmo nos disse que deveríamos ver.

E nós ficamos tão confiantes nas nossas crenças que tendemos a filtrar informações que não combinam com as nossas opiniões, em vez de basear as nossas opiniões nos fatos, evidências e nas razões que estão lá. E isso significa que teremos de encontrar novas maneiras para cultivar o jornalismo independente, e há uma forte tradição de jornalismo independente aqui no Brasil, como há nos EUA.

Temos que fazer resistências a novas formas de propaganda ideológica que estão sendo turbinadas pelo ambiente digital. E nós temos que nos esforçar para ouvir pessoas de quem discordamos, para que possamos conciliar nossas diferenças e encontrar um terreno em comum e o meio-termo de que a democracia precisa.

Isso é difícil de fazer, e a política nos EUA não está conciliando muitas diferenças agora. Há motivos estruturais que são específicos do nosso país para isso: a influência corrosiva do dinheiro na nossa política é um problema real; um bipartidarismo profundamente enraizado, que é encorajado pela maneira como os mapas são desenhados para o propósito de votação.

Os EUA têm taxas de participação eleitoral especialmente baixas para uma democracia tão avançada. Em parte porque há leis que dificultam o processo de votação, em vez de facilitá-lo, e isso é um resquício dos tempos em que pessoas que se pareciam comigo não deveriam votar.

Então, nos EUA, se essas falhas na nossa democracia não forem resolvidas, e se os nossos cidadãos começarem a acreditar que eles não têm controle sobre as nossas decisões, que são feitas na distante [cidade de] Washington, então não seria surpreendente que, ao longo do tempo, vejamos movimentos populistas, ou nacionalistas, ou, potencialmente, até mesmo movimentos autoritários avançando e ameaçando algumas de nossas tradições de longo prazo.

O Brasil tem os seus próprios problemas únicos, mas estes riscos existem aqui também. Então uma das coisas que eu sempre aponto para os meus ouvintes é que a democracia, acredito, é a melhor forma de governo que já foi criada pelo homem, mas ela é difícil. Ela exige trabalho. Ela exige o investimento de cada um de nós como cidadãos no processo. Ela exige que estejamos informados. Ela exige que participemos. E, de fato, o progresso é frágil, ele não se move em uma linha reta.

Não podemos garantir que os EUA sempre melhorarão se não fizermos com que ele melhore. Da mesma maneira que o Brasil não pode ter a certeza de que a sua democracia chegou para ficar se vocês não se esforçarem para continuar fazendo com que ela funcione.

A boa notícia é que eu não acredito que o futuro favoreça os fortes. Eu não acredito que o futuro favoreça autocratas. Eu acredito profundamente na ordem internacional liberal que é baseada não apenas no poder militar, ou afiliações tribais, mas que é baseada em princípios como a letra da lei e os direitos humanos e a liberdade individual, que esse é o futuro.

É isso que nos trouxe até aqui. É isso que nos proporcionou tantas oportunidades ao redor do mundo. É isso que preveniu uma nova guerra mundial. É isso que elevou bilhões de pessoas para fora da pobreza extrema ao redor do globo. Então aqueles entre nós que acreditam na democracia têm que falar com força, porque os fatos e a história estão ao nosso lado.

Isso não significa que as nossas democracias não tenham falhas, mas nós temos que reconhecer essas falhas e trabalhar para consertá-las. Mas isso significa que a cura para o que aflige a democracia é uma participação maior dos cidadãos, em vez de uma retirada do espaço público.

E é por isso que, pelo resto da minha carreira, estarei focado em fazer com que as pessoas se envolvam com como elas são governadas. Cidadania ativa. Eu passarei a maior parte do meu tempo não apenas trabalhando com questões específicas, mas fazendo tudo o que posso para ajudar a treinar e preparar a próxima geração de jovens para assumir a liderança.

Porque quando você conhece jovens ao redor do mundo, seja nos EUA, no Brasil ou em qualquer outro lugar que visitei, eles vão inspirá-lo. Eles são inteligentes, inovadores, informados, estão dispostos a assumir riscos para mudar o mundo e queremos encorajá-los a fazer isso. Porque é daí que vem o progresso.

Então a Fundação Obama será sediada em Chicago, mas teremos projetos, programas e redes digitais ao redor do globo, e a nossa programação internacional estará focada em criar um espaço para que todos esses jovens líderes de todo o mundo se unam e comecem a resolver problemas, tanto localmente quanto nacionalmente e internacionalmente.

E estou ansioso para trabalhar com organizações aqui no Brasil nesse projeto geracional, porque eu estou convencido de que o futuro está ao nosso lado, desde que dermos a eles, a esses jovens, a chance de liderar. Não há um desafio neste planeta que eles não consigam resolver. Que as nossas duas nações, unidas, não consigam resolver.

E eu tenho fé de que, se defendermos o que há de melhor em nossos valores e ideais, então carregaremos um legado digno de muito orgulho no futuro. Então, muito obrigado, e eu acho que agora eu responderei a algumas perguntas do Frederic Kachar.