Correio braziliense, n. 19928, 14/12/2017. Política, p. 2

 

Sem votos, governo fala várias línguas

Alessandra Azevedo, Deborah Fortuna e Natália Lambert 

14/12/2017

 

 

PREVIDÊNCIA » Enquanto Romero Jucá afirma que o texto com as mudanças nas regras de aposentadoria está adiado para fevereiro, Planalto diz não ter definido a data da votação e líderes da base negam acordo para atraso na tramitação. Na prática, falta apoio dos parlamentares

Mesmo após semanas intensas de negociação, a votação da reforma da Previdência, terá que ficar para fevereiro de 2018, admitiu o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). A decisão teria sido tomada em conjunto entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Embora o acordo tenha sido negado por ambos os parlamentares, que afirmam que ainda discutirão o assunto hoje com o presidente Michel Temer, interlocutores do Executivo confirmaram que a decisão de adiar a votação já estava tomada desde cedo, pois já está constatado há dias o fracasso na busca por votos. O que faltava era uma estratégia para postergar sem ficar feio para o governo.

O movimento arriscado, de pautar a matéria em ano eleitoral, não é uma opção, mas a constatação de uma realidade: não há apoio para passar o texto. Pelos cálculos de membros do Executivo, mesmo com a intensa articulação, a reforma conta hoje com apenas 260 votos, menos do que teve para arquivar as denúncias contra Temer. Segundo um deputado governista da cúpula do Palácio do Planalto, não passa de 240. Jucá afirmou que a votação estava “muito difícil” e, se a Câmara colocasse para votar, a matéria certamente não passaria. “Era melhor resolver isso logo. Perderíamos, e o governo iria minguar. Tinha que segurar”, defendeu o senador.

Mesmo consciente das dificuldades, o governo considerou a declaração um “atropelo”. A estratégia governista não era anunciar a derrota, como fez Jucá, mas adiantar a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA), que seria na semana que vem, para ontem à noite, como foi feito. Dessa forma, os parlamentares sairiam de imediato para o recesso parlamentar, como de costume, e não haveria ninguém na Câmara na semana que vem. A justificativa para deixar a Previdência para fevereiro seria, então, o esvaziamento do Congresso — uma saída arquitetada pelo governo para não precisar admitir o fracasso. Para alguns parlamentares, a declaração de Jucá foi uma forma de “dividir a culpa” do adiamento com o Executivo, que queria colocar a responsabilidade toda no colo deles.

Independentemente do motivo, o anúncio foi uma movimentação fora do roteiro e pegou de surpresa até membros da equipe econômica, além de parlamentares e vice-líderes da base. “Jucá falou o que não devia”, disse um dos principais articuladores da reforma. Além de não demonstrar fraqueza, a preocupação do governo era com a reação do mercado à notícia. Interlocutores do Planalto e analistas financeiros já aguardam um rebaixamento do país, visto como inevitável depois da declaração do senador. “O prejuízo econômico será enorme. Agora, temos que acalmar o mercado”, disse uma fonte do Executivo. Com esse objetivo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, correu para fazer declarações assim que Jucá anunciou o adiamento. “Segue o trabalho intenso pela reforma da Previdência”, garantiu o ministro, em São Paulo.

O líder do governo no Congresso, André Moura (PSC-SE), disse que, por enquanto, a orientação do Planalto e da Casa Civil é “continuar trabalhando para votar na próxima semana”. Segundo ele, “qualquer orientação além disso não chegou aqui”. Como, para fazer a leitura do parecer do relator, Arthur Maia (PPS-BA), no plenário, só são necessários 51 presentes, ela está mantida para hoje, mesmo sem nenhuma expectativa de votação na semana que vem. “Rodrigo (Maia) disse que a reforma teria sua discussão iniciada amanhã (hoje) e assim será feito. A questão dos senadores, eles falarão em seu tempo, quando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estiver no âmbito do Senado. Enquanto estiver aqui, quem faz a pauta é o Rodrigo”, afirmou o relator.

Apoio

Apesar de ter concordado que a decisão de pautar matérias é da Câmara, Arthur Maia reconheceu que é preciso “minimizar os riscos”. Portanto, se, no fim da semana que vem, ainda houver a chance de ela não ser aprovada, ele considera “mais plausível, de fato, que a gente adie a votação para ano que vem”. O único ponto positivo para o governo, na avaliação de especialistas, é que o presidente terá mais margem para abrir os cofres e agradar aos deputados em busca de votos, já que haverá um novo Orçamento.

Antes da declaração de Jucá, na manhã de ontem, a executiva nacional do PSDB decidiu fechar questão pela aprovação da reforma, o que foi usado como argumento do governo para dizer que, apesar do adiamento, cresce o apoio à reforma. A bancada do DEM também se reuniu para discutir a possibilidade de fechamento de questão, mas o assunto não avançou. Alguns integrantes influentes do partido se posicionaram fortemente contra, chegando a dizer que, “se fechar questão, mudam o voto para contrário”. Eles consideram o mecanismo uma forma de proteger os que “não têm coragem de votar e precisam se esconder atrás do partido”. Depois da declaração do Jucá, o DEM mudou a data da convenção, que seria amanhã, para depois do recesso, por entender que não havia mais necessidade de discutir o assunto agora.