O Estado de São Paulo, n. 45303, 30/10/2017. Política, p.A9

 

 

 

 

Geddel era crítico ao 'zelo pela fortuna'

Colação de grau . Preso por corrupção, ex-ministro registrou em livro discurso de formatura na UnB em 1981

Por: Felipe Frazão

 

Felipe Frazão / BRASÍLIA

 

Nos idos de 1981, o então formando em Administração Geddel Vieira Lima proferiu um discurso que poderia enquadrar e constranger o atual ex-ministro e cacique do PMDB, apontado como líder de organização criminosa e encarcerado na Papuda após a Polícia Federal ter apreendido R$ 51 milhões atribuídos a ele.

O Estado leu o único livro escrito por Geddel, Visão Contemporânea da Sociedade. A obra registra a fala do peemedebista no dia de sua colação de grau na Universidade de Brasília (UnB). Orador da turma, Geddel criticou governantes zelosos com a própria fortuna ao discorrer sobre as “tormentas” da “exasperante” crise brasileira na época, última fase da ditadura militar e ano do atentado do Riocentro.

“Quase sempre é a organização política, social e econômica, implantada à revelia da vontade popular, com o desprezo dos mais comezinhos princípios democráticos, ensejadora do surgimento de ditadores que se arvoram em juízes dos destinos do povo, quando na verdade não passam de advogados de grupos e oligarquias, que integram e representam, e zelam pelas suas fortunas, esquecendo-se de cuidar do bem-estar da vida na terra”, disse na cerimônia que reuniu também os bacharéis em Ciências Contábeis.

Passados 36 anos, Geddel é acusado de receber propinas milionárias no cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, que ocupou no governo Dilma Rousseff. Está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, suspeito de obstruir a Justiça e ser o guardião do que a Polícia Federal batizou como um “tesouro perdido”, a maior apreensão da história. Os peritos encontraram fragmentos de digitais de Geddel na fortuna de R$ 51 milhões, ocultada em malas e caixas num apartamento usado pelo ex-ministro em Salvador.

O título Visão Contemporânea da Sociedade sugere mais profundidade analítica do que as 10 páginas da obra literária de Geddel guardam. Sem editora conhecida, o livreto é raro. Um dos exemplares jaz esquecido na Biblioteca Pedro Aleixo, da Câmara dos Deputados. Divide a prateleira com livros de autores que traçam análises sociológicas bem mais complexas, como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. O livro de Geddel nunca despertou muito interesse. Foi emprestado a um único leitor, em julho de 1998, pelo que se depreende do registro de devolução na última página.

No livro-discurso, Geddel fala sobre a redemocratização, quando o general João Baptista Figueiredo reestabeleceu o pluripartidarismo, globalização, escassez e sobre a destruição de recursos naturais, os riscos da expansão demográfica “que em uma década tornaria incontrolável a demanda por alimentos, serviços, transportes e espaços”.

“A anarquia e o desespero ameaçam o futuro da humanidade”, refletiu. “É chegado o momento da afirmação democrática... Urge restaurar a nossa democracia (...) efetivá-la e realizá-la, purificando-a e extirpando do seu seio a incompreensão, a violência, o arbítrio e a intolerância que não a vivificam nem a fecundam, porém a negam e sepultam”, escreveu.

Por mais de uma vez, Geddel, então com 22 anos, aborda com desconfiança os interesses das classes dominantes. Hoje, o ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e da Integração Nacional de Luiz Inácio Lula da Silva possui patrimônio de R$ 6 milhões declarados à Justiça Eleitoral, entre fazendas, cabeças de gado, imóveis de luxo, incorporadora, posto de gasolina, restaurante e um título do Iate Clube soteropolitano.

 

Derrocada. Notabilizado pela instabilidade emocional, Geddel é considerado um dos últimos riscos judiciais ao amigo Temer, pela possibilidade de formalizar uma delação premiada. A derrocada dele começou depois de perder o cargo, acusado por outro ministro de Temer de advogar por interesses pessoais no governo, tentando liberar a construção de um prédio de luxo em Salvador.

Aos colegas de UnB, Geddel afirma que os formandos tinham dever de “administrar conflitos” e a “responsabilidade de auxiliar na administração dos países”. Por fim, ainda elogia a escolha do paraninfo da turma, que se tornaria seu maior adversário político, o ex-governador da Bahia e ex-senador Antônio Carlos Magalhães. Nas palavras de Geddel, ACM era “aquele que inspirará pela vida afora”. “A sua vida é um exemplo de dedicação à atividade política, um perfil de sabedoria administrativa.”

Anos mais tarde, ACM acusaria Geddel de se eleger com dinheiro de caixa 2 e divulgaria a fita Geddel Vai às Compras, em que acusa o peemedebista e familiares de enriquecimento ilícito por comprarem fazendas e apartamentos “sem ter recursos”. O ex-ministro, por sua vez, disse ter sido vítima de grampo ilegal, entre centenas de alvos, por ordem do ex-governador, morto em 2007. Mais tarde, depois de romper alianças com o PT, Geddel se reaproximaria do Carlismo por meio do atual prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).

 

Congresso. Geddel em 2016, ainda como ministro, durante reunião com deputados

 

TRECHO

“Quase sempre é a organização política, social e econômica (...) ensejadora do surgimento de ditadores que se arvoram em juízes dos destinos do povo, quando (...) não passam de advogados de grupos e oligarquias, que integram e representam, e zelam pelas suas fortunas, esquecendo-se de cuidar do bem-estar da vida na terra.”

 

 

 

 

 

Partidos na Câmara ignoram condenação de deputado preso

Sentenciado há cinco meses pelo STF, Celso Jacob, do PMDB, tem autorização para trabalhar durante o dia
Por: Igor Gadelha

 

Igor Gadelha/ BRASÍLIA

 

A Mesa Diretora da Câmara e partidos com representação na Casa ignoram há cinco meses a condenação, já transitada em julgado, do deputado Celso Jacob (PMDB-RJ) pelo Supremo Tribunal Federal. Ele foi sentenciado pelos crimes de falsificação de documento e dispensa de licitação.

Embora a Constituição preveja que o peemedebista deve perder o mandato por ter sido condenado, a direção da Casa e os partidos, inclusive os da oposição, não apresentaram até agora no Conselho de Ética pedido de cassação do parlamentar.

O artigo 55 da Constituição estabelece que perde o mandato o deputado ou senador que “sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. A perda, porém, não é automática após a condenação. Para que o processo de cassação seja aberto, a Mesa Diretora da Casa Legislativa ou algum partido com representante no Congresso deve apresentar o pedido. A palavra final é do plenário, por maioria absoluta da Casa – 257 deputados, no caso.

O Supremo rejeitou todos os recursos de Jacob e concluiu o julgamento no dia 23 de maio. Ele foi condenado a 7 anos e 2 meses de prisão por falsificar documentos e dispensar licitação para construção de uma creche em 2002, quando era prefeito da cidade de Três Rios (RJ). O deputado cumpre pena em regime semiaberto no complexo penitenciário da Papuda e tem autorização para trabalhar durante o dia.

Jacob foi preso em 6 de junho. A Vara de Execuções Penais do DF, porém, o autorizou a comparecer à Câmara em dias úteis, devendo retornar ao presídio para dormir.

Líder do PSOL na Câmara, o deputado Glauber Braga (RJ) disse que, para evitar arquivamentos, a sigla tem feito avaliações “caso a caso” antes de ingressar com processos no Conselho de Ética. “Existe um processo de blindagem. Se não tiver um acompanhamento público, dificilmente se consegue um resultado que é a cassação.” Braga, porém, se recusou a comentar o caso de Jacob. “Tem uns dez casos que gostaria de entrar, mas não vou fazer análise pontual de caso x ou y.”

 

‘Inocente’. Ao Estadão/Broadcast, Celso Jacob disse que não houve pedido contra ele porque seus colegas sabem que ele é inocente. “Todo mundo sabe como foi meu caso. Por isso ninguém entra”, declarou. “Fiz uma creche, enquanto tem 1.804 creches inacabadas no Brasil. Sabia que ninguém foi preso por isso? Essa minha luta por terminar uma creche é que me trouxe esse problema.”

O deputado sustenta que não cabe representação contra ele no conselho, pois a Justiça o autorizou a trabalhar e porque os crimes pelo qual foi condenado não foram cometidos no atual mandato.

O presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-RJ), afirmou que a situação de Celso Jacob demonstra que a Constituição precisa ser “aperfeiçoada” para tornar automática a perda de mandato em caso de condenação.

 

Defesa. Jacob: sentença não foi por crimes no atual mandato

 

Defesa

“Fiz uma creche, enquanto tem 1.804 creches inacabadas no Brasil. Sabia que ninguém foi preso por isso?”

Celso Jacob

DEPUTADO DO PMDB-RJ