O Estado de São Paulo, n. 45298, 25/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

Parlamentarismo na marra

 

Vera Magalhães

As avaliações quanto ao placar pelo qual a Câmara vai arquivar a segunda denúncia contra Michel Temer oscilam como a cotação da Bolsa, a depender da variação do preço das commodities da vez, a saber, os deputados. O que é constante, no entanto, é que o presidente dependerá sempre e cada vez mais do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para levar a cabo alguma agenda, por mínima que seja, após ser salvo pela segunda vez.

Maia foi habilidoso ao aproveitar o período de negociação da votação para, diferentemente da denúncia anterior, se apresentar como espécie de antípoda de Temer. Toda a indignação com a ofensiva do PMDB sobre deputados almejados pelo DEM era fachada de um propósito maior: sabedor da absoluta falta de popularidade de Temer e da impossibilidade de ele recuperá-la até as eleições, Maia desenhou um arranjo em que quer fazer vigorar um parlamentarismo na marra.

 

O veto à discussão de novas medidas provisórias e a conversão de MPs importantes – como a da leniência dos bancos e a das medidas que visam a assegurar a meta fiscal – em projetos de lei que são votados em período recorde nada mais são do que formas de o deputado mostrar que pode atuar como primeiro-ministro de um presidente algo decorativo. Ao negociar diretamente com Maia temas como a reforma da Previdência, o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, parece transferir a ele parte das prerrogativas de seu chefe de ditar qual será a agenda do “day after”.

A ordem entre os ministros é evitar bolas divididas com o comandante da Câmara até se efetivar o esperado sepultamento da denúncia. Depois disso, auxiliares de Temer acham que ele deve fazer valer o peso do presidencialismo para cortar as asas de Maia. O problema é que, ainda que seja de fato grande o poder do Executivo num regime presidencialista, ele é um tanto menor no caso de um presidente que tem menos de um ano de mandato pela frente, foi alvo de duas denúncias, tem menos de 4% de apoio popular e chegou ao cargo após um impeachment que dividiu o País.

Graças a essa hipossuficiência política, dificilmente Temer poderá retaliar os que votarem contra o governo – como tem ameaçado sem assustar ninguém – ou prescindir de um bom relacionamento com Maia para chegar sem mais sobressaltos ao fim de 2018.

 

CÂMARA 1

Governo descarta debandada da bancada ruralista sem portaria

Depois de horas de apreensão diante da liminar concedida pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo os efeitos da portaria do Ministério do Trabalho sobre trabalho análogo à escravidão, o governo fechou um diagnóstico de que isso não deve provocar um estrago nos votos da bancada ruralista. A avaliação é de que o Executivo cumpriu o acordo com os deputados, que, no entanto, não defenderam a nova norma diante do bombardeio.

 

CÂMARA 2

Temer faz ofensiva final sobre PSDB alckmista

Confiantes de que terão a ajuda do prefeito de São Paulo, João Doria Jr., para melhorar o placar pró-governo no PSDB, articuladores do presidente Michel Temer investem sobre a ala ligada ao governador Geraldo Alckmin, com o argumento de que a denúncia apresentada pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot é inepta juridicamente. A expectativa, no entanto, é de que a bancada tucana vote novamente dividida hoje.

 

EXPECTATIVA

Mercado avalia que Temer conclui mandato, diz pesquisa

Pesquisa do instituto Ideia com 400 líderes empresariais mostra que 83% deles acreditam que Temer concluirá o mandato. O levantamento Opina Brasil aponta ainda otimismo em relação à reforma da Previdência: 63% dos CEOs, vice-presidentes e acionistas ouvidos acreditam que alguma mudança será aprovada. Apesar de a maioria ser pessimista sobre a recuperação rápida da economia, 55% dizem esperar mais investimentos no próprio setor.

 

LAVA JATO

Força-tarefa espera que Cármen não paute prisão em 2ª instância

Integrantes da força-tarefa da Lava Jato acreditam que a presidente do STF, Cármen Lúcia, não levará à pauta do plenário neste ano a rediscussão sobre o cumprimento de pena de prisão após a confirmação de condenação em segunda instância, a despeito da pressão de setores da própria Corte pela revisão da jurisprudência. A ideia é dizer que a jurisprudência atual é um “legado” do ministro Teori Zavascki, morto no início do ano.

 

 

 

 

Maia impõe sua agenda no pós-denúncia

Presidente da Câmara prepara pauta de projetos articulada por ele para o dia seguinte ao da votação da segunda acusação contra Temer
Por: Igor Gadelha / Vera Rosa

 

Igor Gadelha

Vera Rosa / BRASÍLIA

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prepara uma agenda própria da Casa para apresentar no dia seguinte ao da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, marcada para hoje. A pauta deve ter matérias econômicas articuladas pessoalmente por ele e projetos de maior apelo popular, principalmente nas áreas da segurança pública e saúde.

A intenção do parlamentar, segundo aliados, é buscar mais protagonismo no cenário nacional no momento em que Temer sai enfraquecido após gastar seu capital político para barrar as denúncias das quais é alvo.

Ontem, na véspera da votação, Temer recebeu vários deputados para garantir apoio. Um deles foi Maia, de quem quis saber como estava o clima na Câmara. À noite, o presidente foi a jantar no apartamento do vicepresidente da Câmara, Fabio Ramalho (PMDB-MG).

Ao sair da conversa reservada com Temer, Maia disse que, da sua parte, não há problema com o governo, mas ressaltou: “Em política não tem amiguinho. Muito menos para sempre”. A declaração ocorre após episódios de tensão com o Planalto. “Que ato concreto eu fiz contra o governo? Quando a denúncia chegou aqui, queriam dividir e eu fui o primeiro a dizer que não tinha divisão”, afirmou o deputado, ao ser questionado se o mal-estar havia acabado.

Para deputados próximos, é Maia quem tem condições, no momento, de conduzir a agenda de que o País necessita. “O Rodrigo tem uma boa relação com todos os partidos, da base e da oposição. Enfim, tem condições de construir essa agenda”, disse o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM).

 

‘CEO’. Na base aliada, a avaliação é de que uma pauta impopular imposta pelo governo não tem chances de avançar na Casa. “Precisamos de uma agenda comum com o Planalto para saber o que é possível aprovar, mas trazendo o eixo de protagonismo para cá, com aquiescência do Temer”, afirmou Rogério Rosso (PSD-DF). Para ele, Maia deve atuar como uma espécie de “CEO” do País e Temer, como “presidente do conselho de administração”.

Com a agenda própria, Maia agrada aos parlamentares da base, que resistem a votar os projetos que o governo pretende enviar após a denúncia, como o adiamento do reajuste dos servidores públicos e o aumento da alíquota da contribuição previdenciária. “Todo mundo quer saber do dia seguinte. Mas não pode ficar votando só pauta de desgaste”, disse o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL).

Na agenda de Maia está o discurso em defesa da reforma da Previdência. No entanto, diante da forte resistência tanto da oposição quanto da base aliada a votar matérias impopulares a menos de um ano das eleições, ele articula votação das mudanças nas regras previdenciárias por meio de projetos de lei. Esses projetos exigem quórum menor para aprovação do que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma e que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Segundo aliados, Maia pediu estudo da assessoria técnica da Casa para saber que pontos da reforma podem ser votados por meio de projeto de lei. De acordo com técnicos legislativos, entre os pontos que podem ser alterados por PL ou medida provisória estão o aumento do tempo mínimo de contribuição para aposentadoria por idade e aumento da contribuição de servidores inativos. Considerado o principal pilar da reforma, a mudança na idade mínima só pode ser aprovada por PEC.

Ainda na área econômica, o presidente da Câmara negocia com o Banco Central um projeto de resolução bancária que permitirá, em último caso, injetar dinheiro do Tesouro Nacional para socorrer bancos em dificuldades. O deputado também deve encampar a aprovação da reforma tributária.

Maia também pretende destravar a proposta de reoneração da folha de pagamento. Uma comissão especial foi instalada ontem. Ele escolheu como relator um de seus principais aliados na oposição: o deputado Orlando Silva (PC do B-SP).

 

‘Anseio’. Na pauta com apelo popular, Maia deve focar em projetos na área da segurança pública, entre eles, um que aumenta pena para crimes cometidos contra policiais. Na área da saúde, pretende pautar no plenário projeto para reformar a lei de planos de saúde. O projeto beneficia idosos, ao prever o fim do reajuste de mensalidade após 60 anos. “Espero que, a partir da próxima semana, a gente possa ter um pilar de agendas que representem o anseio da sociedade”, afirmou Maia.

Maia deve apresentar essa agenda até amanhã. No dia seguinte, embarca para Israel e Palestina, onde deve ter encontro nos parlamentos desses países. Na volta, é esperado no encerramento do Seminário Internacional de Direito do Trabalho, marcado para 3 de novembro, em Lisboa, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). / COLABORARAM CARLA ARAÚJO e FELIPE FRAZÃO

 

Plenário. Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, durante a sessão na Casa em que denúncia foi lida

 

Ponto final

“Em política não tem amiguinho. Muito menos para sempre.”

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

 

 

 

 

Marco Aurélio nega fatiar denúncia e PT faz novo pedido

Por: Breno Pires / Rafael Moraes Moura / Daiene Cardoso

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou ontem o pedido formulado pelo deputado federal Rubens Pereira Júnior (PC do B-MA) para suspender a votação unificada da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). Para Marco Aurélio, o “procedimento estabelecido revela matéria interna”.

Ontem à noite, o PT protocolou novo mandado de segurança pedindo a votação em separado. O relator deste novo pedido também é o ministro Marco Aurélio. Em outra frente, deputados oposicionistas pretendem não registrar presença na sessão na tentativa de evitar que a base consiga o quórum mínimo de 342 presentes para iniciar a análise da denúncia./ BRENO PIRES, RAFAEL MORAES MOURA e DAIENE CARDOSO

 

 

 

 

 

Incertezas continuam mesmo após votação na Câmara

Por: Marco Antônio Teixeira

 

ANÁLISE: Marco Antônio Teixeira

 

A votação da segunda denúncia contra Michel Temer na Câmara dos Deputados vem promovendo uma intensa movimentação nas hostes governistas e oposicionistas. Está em jogo, para além do possível afastamento do presidente da República, o futuro de reformas consideradas importantes para a política econômica do Planalto. O resultado dessa votação deverá influenciar diretamente na possibilidade de o governo manter a sua intenção de encaminhar, ainda este ano, a retomada da discussão da reforma da previdência, cuja aprovação é considerada crucial para a manutenção do apoio político de setores do mercado.

Não por acaso, custo pago para garantir o apoio de aliados nessa segunda votação já pode ser sentido sob a forma de concessões que afetam a receita orçamentária do governo e com a adoção de medidas que beneficiam setores econômicos com representantes no parlamento ou com grande capacidade de influenciar a decisão de deputados. Por exemplo, a publicação da portaria que altera os critérios de classificação do trabalho escravo – suspensa por decisão liminar da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber – assim como a edição de um decreto permitindo que multas ambientais não quitadas possam ser convertidas em prestação de serviços ambientais, foram medidas que visaram garantir o apoio da numerosa bancada ruralista a Michel Temer. A agilização do atendimento de emendas parlamentares que se encontravam pendentes desde a votação da primeira denúncia, bem como a edição de uma medida provisória que ampliou benefícios do Refis, algo que enfrentava resistência na equipe econômica, também tiveram o mesmo objetivo.

O jogo em torno da segunda denúncia tem como primeiro round o mandato do presidente da República. Entretanto, o custo da governabilidade para Temer tende a aumentar cada vez que ele precise enfrentar uma nova crise política. É preciso ficar atento ao momento seguinte dessa votação. É ele quem vai indicar qual é o tamanho da base do governamental e se ela será suficiente para a votação de propostas de reformas que requerem quóruns altos para aprovação. Todavia, se o comportamento nas relações entre o Executivo e o Legislativo permanecer orientado no tradicional “é dando que se recebe” restará saber se ainda haverá recursos capazes de sustentar tal relação.

 

*É PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA FGV-SP ONDE DESENVOLVE PESQUISAS NA ÁREA DE TRANSPARÊNCIA E DEMOCRACIA