O Estado de São Paulo, n. 45299, 26/10/2017. Política, p. A8.

 

No dia da votação, Temer é hospitalizado

Carla Araújo / Vera Rosa / Leonencio Nossa / Julia Lindner, Isadora Peron / Igor Gadelha

26/10/2017

 

 

Presidente se sentiu mal pela manhã no Planalto, foi submetido a um procedimento para desobstrução do canal da bexiga e teve alta à noite

 

 

O presidente Michel Temer foi submetido ontem a um procedimento para desobstrução do canal da bexiga após passar mal pela manhã no Palácio do Planalto. O mal-estar do presidente ocorreu no mesmo dia em que a Câmara avaliava se aceitava dar prosseguimento a uma denúncia contra ele por organização criminosa e obstrução da Justiça.

O placar favorável ao presidente foi alcançado por volta das 20h35, cerca de 20 minutos após Temer deixar o Hospital Militar de Área de Brasília, para onde foi levado. O presidente foi informado do resultado da votação da Câmara, que arquivou a denúncia por 251 votos contra 233, por telefone pelos ministros palacianos.

Temer passou mal por volta do meio-dia, com dificuldades de urinar. Após ser atendido pelo serviço médico do Planalto, foi constatada a necessidade de exames mais detalhados para diagnosticar o problema. Por volta das 12h50, ele deu entrada no hospital militar, organização de saúde do Exército na região do Distrito Federal.

Segundo pessoas próximas ao presidente, a obstrução urinária foi causada por um inchaço na próstata e médicos precisaram utilizar um dreno para esvaziar sua bexiga. Antes de ser levado ao hospital, Temer cumpria a maratona de compromissos com parlamentares e aliados políticos à qual se submeteu nos últimos dias para barrar a denúncia na Câmara.

Das 9h até por volta de meiodia, quando passou mal, o presidente já havia recebido ao menos cinco deputados em seu gabinete, além de ministros. Na noite anterior, ele permaneceu até por volta da meia noite em jantar na casa do deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), vice-presidente da Câmara.

O deputado Dr. Sinval Malheiros (PODE-SP), um dos cinco recebidos por Temer, foi ao hospital para visitar o presidente. Médico, Malheiros relatou que o presidente teve uma dificuldade “súbita” de urinar.

 

‘Carga de trabalho’. “Não é preocupante, é excesso de carga de trabalho e preocupação. Ele está dando o máximo para fazer o trabalho dele e isso prejudicou a saúde”, disse o líder do PMDB no Senado, Raimundo Lira (PB), outro político que visitou Temer no hospital.

Mesmo internado, o presidente continuou sendo informado sobre a votação na Câmara. Após o procedimento e ainda sob efeito da anestesia, Temer recebeu uma ligação do ministro da casa Civil, Eliseu Padilha, informando que a Câmara havia atingido quórum para votar se aceitava ou não dar andamento à denúncia. “Ele está bem, está tranquilo, se recuperando”, disse o ministro ao Estadão/Broadcast. “Falei com ele e avisei que o quórum havia sido atingido.”

Padilha, que teve problema urológico semelhante ao do presidente no início do ano, disse que a equipe médica que atende o presidente é a mesma que o atendeu.

A primeira-dama, Marcela Temer, soube pela imprensa que o marido havia passado mal. Depois que conseguiu conversar com auxiliares do presidente, se dirigiu ao hospital no meio da tarde.

Segundo assessores, o presidente não terá agenda hoje pela manhã, mas já marcou compromissos pela tarde ( mais informações nesta página). O presidente, que iria para o Acre na sexta-feira participar de uma reunião de segurança com governadores, já cancelou a sua participação.

 

Apreensão. A notícia de que Temer passou mal gerou apreensão na Câmara. Para acalmar os ânimos e tentar esclarecer as notícias desencontradas que circulavam pelo plenário, o líder do governo na Casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), declarou no microfone que o presidente havia passado por um “procedimento de rotina”.

“A orientação que temos é de tocar a sessão, porque ele ( Temer) se encontra absolutamente bem”, disse após conversar com o ministro Eliseu Padilha.

Antes de serem divulgadas as informações oficiais do Planalto sobre o estado de saúde do presidente, Ribeiro disse que não havia “razão para se preocupar”. O líder do PMDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), por sua vez, declarou que se tratava de um procedimento de rotina que já estava agendado previamente. Ao mesmo tempo, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) afirmou que estava preocupado com a falta de informações.

Após a confirmação de que Temer teve uma obstrução urológica, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), garantiu que a votação estava mantida. Na avaliação de alguns aliados do presidente, o episódio não teve qualquer influência nos votos dos deputados. /

 

Liberado. O presidente Michel Temer deixa o Hospital Militar de Área, em Brasília, acompanhado da primeira-dama

 

PARA LEMBRAR

Exame flagrou artéria entupida

No final de setembro, o presidente Michel Temer foi submetido a exames de rotina no hospital Sírio-Libanês, que constataram obstrução de 50% de uma das artérias do coração. No início do mês seguinte, começou a circular na imprensa a informação de que Temer passaria por um cateterismo para desobstrução da artéria e que este procedimento estaria agendado para logo após a votação da segunda denúncia na Câmara, que aconteceu ontem. A secretaria de Comunicação da Presidência da República divulgou nota negando que Temer tinha agendado o procedimento. De acordo com o Planalto, o presidente, que completou 77 anos no final de setembro, “goza de perfeita saúde” e “não tem nenhuma cirurgia marcada”.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Obstrução é comum entre homens com mais de 70, dizem médicos

Giovana Girardi

26/10/2017

 

 

 

Urologistas afirmam que a retenção urinária, como a de Temer, atinge 90% dos homens com mais de 70 anos

 

 

 

A “obstrução urológica” que afetou o presidente Michel Temer levando a um quadro de retenção urinária tem como causa mais comum, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, uma condição conhecida como hiperplasia da próstata benigna.

É uma situação em que a glândula pode crescer tanto no entorno do canal da uretra (por onde passa a urina a partir da bexiga), comprimindo-o de modo a não mais permitir a passagem do fluído. Ele, então, vai se acumulando na bexiga, e o pa- ciente pode sentir muita dor. A saída é passar uma sonda para esvaziar a bexiga.

O urologista Joaquim Claro, médico coordenador do Centro de Referência da Saúde do Homem, explica que a expressão “obstrução urológica”, além de muito vaga, “a rigor, cientificamente, não existe”. Um termo mais próximo que esse que existe, segundo ele, é a “obstrução prostática”.

“Em medicina nada é 100%, mas na maioria dos casos é benigna e, em geral significa ausência de câncer. É quase sempre em casos de hiperplasia benigna que próstata cresce tanto a ponto de obstruir a uretra e o paciente não conseguir urinar”, explica o médico.

Claro explica que a partir dos 45 anos de idade é normal nos homens começar a ocorrer um crescimento da próstata. A par- tir dos 70, é uma situação que já atinge quase todos os homens. Há casos assintomáticos, mas podem aparecer alguns sintomas. Estatísticas compiladas pelo médico Dráuzio Varella em seu site apontam que o crescimento da próstata atinge 25% dos homens na faixa dos 40 aos 49 anos, subindo para 80% naqueles a partir de 70.

“Urinar com jato mais fraco, ir muitas vezes ao banheiro e acordar várias vezes à noite pra urinar são sintomas de hiperplasia da próstata benigna. Isso pode ser tratado com medicamentos, mas, se não for tratado, pode evoluir para um quadro de fechar o canal e ter retenção urinária”, diz Flavio Trigo, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia em São Paulo.

 

 

Tratamento. Nesse caso, ele explica que o procedimento de passar uma sonda para alívio da bexiga é a primeira ação. Depois é preciso investigar o que pode ter levado a esse quadro. Há tratamentos possíveis com medicamento, mas se não há melhora, em último caso é recomendável fazer uma cirurgia para criar um túnel para o paciente voltar a urinar. “Em geral é um quadro de boa evolução. Após tratar clinicamente ou mesmo com a desobstrução cirúrgica, o paciente volta a urinar e ganha qualidade de vida”, diz Trigo.

Os médicos foram questionados pela reportagem sobre se a tal obstrução não poderia ser um sintoma de câncer de próstata, mas ambos disseram achar que é pouco provável.

“Um câncer pode levar a isso? Pode, mas é menos comum. E é pouco comum também diagnosticar um caso de câncer de próstata por causa de retenção urinária. Para chegar a isso seria um caso muito avançado, e com os métodos modernos de detecção, como o exame de PSA, diagnostica-se muito antes, bem no comecinho”, afirmou Trigo.

Já Joaquim Claro defende que dificilmente um câncer de próstata faz a glândula crescer tanto a ponto de obstruir a passagem da urina em um fechamento completo. “Em mais de 90% dos casos isso ocorre por crescimento benigno, em que o paciente está em muito bom estado geral de saúde e acaba dando tempo para a próstata crescer.”

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Desde Afonso Pena, saúde do presidente é alvo de atenção

Edmundo Leite

26/10/2017

 

 

Da República Velha à Nova República, passando pela ditadura militar, foram vários os presidentes hospitalizados com pro- blema de saúde corriqueiros ou graves. Em todos os casos, não importa a gravidade da doença, o problema médico do ocupante do principal cargo do País vira motivo de especulações, por vezes agravando situações políticas já complicadas.

Como na maioria das vezes o cargo foi ocupado por homens mais velhos, qualquer exame de rotina provoca tensão nos círculos de poder e no eleitorado. Foi assim nos primeiros anos do século 20, quando Afonso Pena adoeceu gravemente e morreu aos 61 anos de pneumonia no meio do processo sucessório, em 1909.

Café Filho, que assumiria a Presidência após o suicídio de Getúlio Vargas, foi internado com distúrbio cardiovascular em novembro de 1955. O texto “desmentidas notícias alarmantes difundidas a respeito da enfermidade”, publicado no Estado, é uma amostra.

Na ditadura militar, o caso mais notório foi de Costa e Silva, que sofreu um derrame cerebral, ficou internado por meses e morreu em 1969. João Figueire- do é outro general-presidente que foi internado com problemas no coração. Ele foi operado nos Estados Unidos, em 1983, recuperou a saúde e cumpriu o mandato até o fim. Seu sucessor, Tancredo Neves, não teve a mesma sorte. Um dia antes de tomar posse, Tancredo foi internado com diagnóstico de diverticulite e morreria 36 dias depois.

 

1ª página. Notícia sobre João Figueiredo em 1983