Valor econômico, v. 17, n. 4357, 09/10/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Apesar da crise fiscal, "regra de ouro" é cumprida pelos Estados

Ribamar Oliveira

09/10/2017

 

 

A "regra de ouro" das finanças públicas, que o governo federal encontra grande dificuldade em cumprir, não está sendo um problema para os Estados. Em 2016, nenhum deles descumpriu a proibição constitucional de não realizar operações de créditos para custear despesas correntes. Mesmo assim, a regra não foi suficiente para evitar que vários deles ficassem em situação de insolvência, como é o caso do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Um levantamento feito pelo economista Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas e assessor do Senado, mostra que os Estados que apresentaram maior folga no cumprimento da "regra de ouro" foram Alagoas, Mato Grosso do Sul e Goiás. Nesses casos, as operações de créditos realizadas foram inferiores a 2% das despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida).

Os Estados do Piauí, Santa Catarina e Espírito Santos foram os que apresentaram menor folga, sendo que as operações de crédito corresponderam a mais de 35% das despesas de capital. No caso do Piauí, a relação chegou a 58%. Mesmo assim, o risco de não cumprir a "regra de ouro" não existiu. O levantamento foi feito no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público (Siconfi), sistema do Tesouro Nacional que consolida as estatísticas fiscais dos Estados.

Ribeiro identificou, no entanto, indícios de que alguns Estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal, podem ter utilizado "contabilidade criativa" para não descumprir a regra. O levantamento mostrou que as receitas próprias desses Estados e as receitas de transferências constitucionais não foram suficientes para cobrir as despesas correntes.

O economista lembra que, para cumprir a "regra de ouro", a União lança mão do resultado positivo do Banco Central e da devolução de empréstimos de bancos públicos ao Tesouro, como é o caso do pagamento antecipado de dívidas do BNDES. "Os Estados com problemas fiscais mais graves podem estar lançando mão de expedientes para driblar a regra de ouro", observou Ribeiro. A suspeita é que alguns deles tenham usado receitas dos regimes próprios de previdência de seus servidores para custear outros gastos correntes.

O fato de os Estados estarem proibidos de lançar títulos públicos para captar recursos no mercado, explicou o assessor do Senado, os coloca em situação diferente daquela vivida pela União. "Os Estados cobrem a maior parte das suas necessidades de financiamento com recursos próprios e com transferências constitucionais do Fundo de Participação dos Estados (FPE)", informou. "Os dados mostram que, em geral, eles investem mais do que gastam com juros, situação que não ocorre na União."

Além disso, a legislação em vigor limita o serviço da dívida dos Estados com base na receita corrente líquida. Embora eles possam contratar operações de crédito, elas precisam ser autorizadas pelo Ministério da Fazenda, que avalia uma série de critérios, entre eles o cumprimento da "regra de ouro". Segundo Ribeiro, "esses fatores fazem com que as despesas de capital sejam superiores às operações de crédito".

O objetivo dos constituintes de 1988, quando incluíram a "regra de ouro" no texto da Constituição, foi impedir o endividamento irresponsável dos Estados. A regra, no entanto, não foi suficiente para evitar o aumento descontrolado das dívidas. Depois de vários socorros financeiros da União, a Lei 9.496/ 1997 proibiu que eles emitissem novos títulos públicos para se financiarem.

Por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que entrou em vigor em maio de 2000, os Estados foram obrigados a demonstrar que cumpriram a "regra de ouro", quando publicam o relatório de execução orçamentária do último bimestre do ano.