Valor econômico, v. 17, n. 4357, 09/10/2017. Brasil, p. A5.

 

 

Dodge agrada pelo rigor, mas 'estilo Cármen Lúcia' aflige procuradores

Murillo Camarotto

09/10/2017

 

 

As primeiras palavras e ações da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, vieram ao encontro das expectativas de seus colegas de Ministério Público Federal. Procuradores ouvidos pelo Valor entendem que ela já deu sinais de que terá uma atuação mais discreta do que a do antecessor, Rodrigo Janot, mas que a severidade com que tratará questões relativas à corrupção poderá ser ainda mais aguda.

Há, no entanto, preocupações relacionadas ao perfil "mais recolhido" de Raquel. Os procuradores temem que, devido a essa característica, ela deixe de se posicionar de maneira mais enfática em defesa dos interesses do MPF. Alguns procuradores compararam o temperamento dela ao da presidente do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe o apelido de "Cármen Lúcia da PGR".

Após ter omitido a Lava-Jato em seu primeiro pronunciamento e reformular quase toda a equipe que cuida da investigação, Raquel animou parte da classe política, que passou a acreditar que ela pretendia desacelerar a operação e desfazer decisões do antecessor. O próprio ministro Gilmar Mendes, do STF, chegou a dizer que Raquel "certamente" revisaria atos de Janot.

Quando o Supremo analisou um pedido de devolução da denúncia contra o presidente Michel Temer, ela - em sua primeira sessão no tribunal - defendeu o prosseguimento da acusação.

Dias depois, viveu sua primeira crise, quando um integrante de sua equipe foi flagrado repassando informações internas para a ex-advogada da JBS, Fernanda Tórtima. A exoneração foi instantânea, em um sinal da mão firme que ela terá contra condutas consideradas erradas.

"Os investigados do Planalto e do Congresso apostaram em uma briga pessoal dela com o Janot, mas fora desentendimentos pessoais, eles têm muito mais em comum do que diferenças", alertou um procurador. Ele acredita que a maior experiência dela na área penal pode resultar em uma atuação ainda mais rigorosa do que a do seu antecessor na PGR.

A corrupção foi abordada nos discursos que seguiram à posse, inclusive quando a pauta era outra. Em uma reunião com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, área que ela também pretende priorizar, Raquel disse que o combate à corrupção ajuda a garantir os direitos humanos.

"Sempre lembrarei que a corrupção é uma ameaça perigosa à garantia dos direitos humanos no nosso país. Quando combatemos a corrupção estamos defendendo os direitos humanos, porque a corrupção tira dinheiro público de áreas básicas como saúde e educação", ressaltou.

Em outro posicionamento considerado rigoroso, Raquel encaminhou um parecer contrário à Defensoria Pública da União, que defendia que presos considerados perigosos deveriam voltar aos seus Estados de origem após dois anos. De acordo com ela, a renovação dos prazos para manutenção desses presos "atende ao clamor da sociedade por segurança pública".

Se o rigor nas decisões é uma certeza da gestão Raquel, o comportamento reservado é motivo de receio entre os procuradores. Eles esperavam, por exemplo, uma manifestação mais contundente em defesa da ação direta de inconstitucionalidade na qual o MPF contesta a competência da Polícia Federal para fazer acordos de delação premiada.

Existe entre os procuradores uma expectativa de que a nova gestão saia em defesa dos interesses do órgão, inclusive em situações como as constantes críticas feitas por Gilmar Mendes ao trabalho da PGR. Diante do recato demonstrado inicialmente por Raquel, surgiram as primeiras comparações com a ministra Cármen Lúcia, considerada excessivamente moderada.

A presidente do Supremo é alvo de constantes críticas de integrantes do Ministério Público Federal, especialmente pelas omissões que os procuradores veem em questões importantes do tribunal. "Não são raras as vezes em que ministros, especialmente o Gilmar Mendes, dão declarações polêmicas em nome do STF, algo que não pode acontecer", disse um procurador, que pediu para não ter seu nome divulgado.

Gilmar já foi eleito inimigo número 1 do MPF e a expectativa dos procuradores é de que a nova chefe compre essa briga. Ainda não está claro, porém, como Dodge irá lidar com a questão.