Valor econômico, v. 17, n. 4358, 10/10/2017. Brasil, p. A2.

 

 

A eleição de 2018

Antonio Delfim Netto

10/10/2017

 

 

Da mesma forma que num número crescente de países, avança no Brasil a transformação do que era "dever" do Estado, em "direito" do cidadão, como está inscrito na Constituição de 1988. Isso deu início a um aumento da "judicialização da política", combinada com uma "politização da justiça".

No Brasil, talvez, a coisa tenha sido um pouco mais desajeitada. Uma "casta" de burocratas não eleitos, selecionados por concurso público, promovidos às vezes pelo mérito mas sempre com "proteção" política, luta para consolidar seu poder gigantesco não sujeito a qualquer controle social. Isso levou ao paroxismo a "judicialização da política", que dificulta a administração da nossa grave situação fiscal e ameaça a própria composição do Congresso.

O maior prejuízo que tal movimento propicia, com o apoio de uma "mídia" que substitui o "juiz de instrução", é condenar afoitamente sem o devido processo legal e não assumir as consequências da destruição antecipada da imagem dos potencialmente envolvidos. A esse propósito é preciso insistir que o excelente trabalho da Operação Lava-Jato, por exemplo, só pôde ser bem sucedido graças às leis aprovadas no Congresso, ou seja, pela ação política.

É preciso uma maioria que garanta a eleição de um governo eficaz

Em outras palavras: foi a política que permitiu a responsabilização de maus políticos, associados a maus empresários, a que estamos assistindo. Ela será um ponto de inflexão nas relações futuras entre o Estado e o setor privado. Quando, para efeito "mediático", a "casta" deslegitima a ação política do Congresso, trabalha contra o regime democrático e revela o resíduo autoritário que, aparentemente, é um gene "recessivo" no seu DNA...

Os últimos levantamentos de "opinião pública" sugerem uma descrença social perigosa com relação às vantagens de um regime democrático. As enormes dificuldades de crescimento, a imensa desigualdade, a grande ineficiência do Estado em prover as necessidades básicas de segurança, saúde, educação e mobilidade urbana, a despeito de uma carga tributária bruta muito alta para o nível de renda médio do Brasil, gera a tentação de se procurar um "salvador": um voluntarista despreparado que propõe que, com "vontade política" suficiente, não existe restrição física que limite a possibilidade de uma rápida conquista da "felicidade geral"...

Para construir um razoável consenso em torno da solução democrática, é preciso convencer uma maioria, porque, por definição, ela abriga pensamentos e atitudes diferenciadas. Com respeito às instituições convencionais, usa-se o critério quantitativo para a solução dos problemas: quem tem mais voto ganha.

A despeito de toda a confusão armada pelo excesso de judicialização da política, o governo Temer provavelmente vai terminar o seu mandato com um crescimento da ordem de 1% em 2017, talvez, 2,5% a 3% em 2018, com uma taxa de inflação e uma taxa de juros real "civilizadas". Vai continuar a dar ênfase às "reformas" macro e microeconômicas que aumentarão a produtividade da economia. A continuidade dessa política dependerá dos resultados da eleição de 2018.

Tal resultado é só marginalmente um problema de Temer, mas é o mais importante problema a ser resolvido - nas urnas - pela sociedade brasileira! Pelo andar da carruagem, sua solução pode ser perfeitamente aleatória, pois teremos pelo menos uma dúzia de candidatos. O risco é de nivelarem-se e poderemos ter que escolher, no segundo turno, entre dois medíocres "voluntaristas" determinados pelo acaso. Isso nos imporá mais décadas perdidas e nos afastará ainda mais do crescimento econômico mundial, como ocorreu nos últimos 20 anos.

Um bom governo ao longo de 2018 talvez ajude a sociedade a incorporar seis verdades intransponíveis: 1) que só o aumento da produtividade do trabalho pode promover o aumento de bens e serviços que ela deseja; 2) que o nível de produtividade da mão de obra depende, essencialmente, da quantidade de bens de produção (que incorporam novas tecnologias) posta à disposição de cada trabalhador treinado para manejá-la; 3) que o aumento da quantidade de bens de produção por trabalhador depende da reposição líquida - isto é, do investimento - (portanto, da parte do PIB que não foi dissipada como consumo); 4) que a parte do PIB destinada do consumo é uma decisão política da sociedade, mas tem profundas consequências sobre a sua taxa de crescimento; 5) que quanto maior o consumo presente, menor o investimento e menor a taxa de crescimento futura da produtividade da mão de obra; e, finalmente, 6) que a velocidade do crescimento dos bens e serviços à disposição da sociedade depende de uma escolha harmônica entre o consumo presente desejado e o consumo almejado no futuro, que é determinado pelo investimento presente.

Não há truque ideológico que possa ignorá-las. Não há "vontade política" que possa superá-las. Não há "salvador da pátria" que possa desrespeitá-las e ser bem-sucedido. Já devíamos ter aprendido que, em economia, medidas generosas que ignoram as restrições físicas são o caminho inexorável do desastre. É preciso que nos engajemos, portanto, em construir uma massa crítica de cidadãos livres para formar uma maioria relativa que garanta a eleição de um governo eficaz em 2018.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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