O Estado de São Paulo, n. 45296, 23/10/2017. Política, p. A8.

 

Pimentel atuou no BNDES por grupo, diz PF

Fabio Serapião / Rafael Moraes Moura / Idiana Tomazelli

23/10/2017

 

Relatório ao STJ sobre Operação Acrônimo acusa governador e ex-presidente do banco

 

 

Em relatório encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) na investigação da Operação Acrônimo, a Polícia Federal concluiu que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), atuou, com o auxílio do expresidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho, para favorecer o Grupo Casino ao não liberar empréstimo para viabilizar a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour.

Na época dos fatos investigados, Pimentel era o titular do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e presidia o Conselho de Administração do banco público. A defesa do governador rechaçou o relatório da Polícia Federal (mais informações nesta página).

Segundo a PF, Pimentel e Coutinho se articularam para impedir a concretização de um empréstimo do BNDES para o empresário Abílio Diniz, que na época buscava apoio do banco público para a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour.

Em fevereiro de 2011, o empresário apresentou o projeto de fusão a Coutinho, que teria autorizado a realização de estudos técnicos sobre a operação. À época, Abílio e os franceses do Grupo Casino disputavam o controle do Pão de Açúcar.

A PF aponta ainda no relatório que o Casino, contrário à compra, teria efetuado pagamentos para uma empresa que cedeu 40% dos valores à mulher de Pimentel, Carolina de Oliveira. Para os investigadores, o repasse seria uma contrapartida à inclusão de uma cláusula em desfavor de Abílio. A cláusula tratava da obrigatoriedade do Pão de Açúcar não possuir qualquer disputa judicial com os franceses para poder ter acesso ao dinheiro do BNDES.

De acordo com a PF, em troca da inclusão da cláusula e da manutenção da situação de interesses do grupo, foram pagos R$ 8 milhões pelo Casino à empresa MR Consultoria. A PF diz que a empresa, de propriedade do jornalista e consultor Mário Rosa, intermediou o repasse de parte do valor para a atual primeira-dama de Minas Gerais, o que Rosa nega.

“A presença da cláusula condicionante à inexistência de litígio entre o Grupo Pão de Açúcar e o Grupo Casino, na prática, significou a manifestação prévia do BNDES sobre a necessidade de consenso entre o Grupo Casino e a família Diniz para a obtenção do apoio financeiro pleiteado, cancelando de forma antecipada o enquadramento da operação de fusão, impedindo, assim, a continuidade da análise do projeto”, afirma o relatório da PF enviado ao STJ.

 

Indiciamento. Com isso, a PF indiciou Coutinho e a primeiradama de Minas na Operação Acrônimo. Pimentel não foi in- diciado porque é governador e tem prerrogativa de foro privilegiado perante o STJ. A primeira-dama, Coutinho e Mário Rosa foram indiciados pelo crime de corrupção passiva. Já os executivos Ulisses Kameyama e Eduardo Leônidas, que teriam intermediado os pagamentos, foram indiciados pelo crime de corrupção ativa.

Eduardo Leônidas era executivo do Casino à época dos fatos investigados e, atualmente, ocupa o cargo de diretor de Desenvolvimento e Estratégia no Grupo Pão de Açúcar.

“Todos os indícios obtidos apontam que Fernando Pimentel, utilizando-se do seu cargo, foi auxiliado por Luciano Coutinho com o escopo de atender à solicitação feita pelo ministro do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), para viabilizar a inserção de cláusula condicionante de ausência de litígio no pedido de apoio financeiro apresentado pelo empresário Abílio Diniz junto ao BNDES”, diz o relatório da PF, assinado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro. Denisse é a coordenadora da Operação Acrônimo.

 

Pagamentos. A PF relata no documento a cronologia da contratação da empresa e os pagamentos efetuados pelo Casino com os posteriores repasses feitos para a OLI Comunicação, empresa da primeira-dama de Minas Gerais. Em 1.º de julho de 2011, a MR Consultoria e o Casino assinaram contrato de R$ 2 milhões válido entre julho daquele ano e junho de 2012. A primeira parcela, conforme o relatório, foi recebida quatro meses depois, em 17 de novembro de 2011. Em 24 de abril de 2012, Carolina abriu uma conta para sua empresa, a OLI, e, na mesma data, recebeu um cheque de R$ 85 mil da empresa de Mário Rosa. Segundo a PF, entre 2013 e 2014, ainda foram identificadas outras 15 transferências da MR Consultoria para a OLI. No total, a empresa da mulher de Pimentel recebeu R$ 2,8 milhões.

Para a PF, “não há nenhum elemento concreto que evidencie a efetiva participação de Carolina na prestação de serviço objeto do referido contrato e que justifique o recebimento de quase metade do valor pago pelo Grupo Casino” à MR. A empresa diz que seus honorários foram rigorosamente registrados e tributados.

No entendimento dos policiais federais, a investigação demonstra que Carolina seria o “elo entre os interesses do Grupo Casino e Fernando Pimentel, então ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, e com influência junto à presidência do banco público”.

 

Origem. As investigações da Operação Acrônimo começaram em outubro de 2014, quando a PF apreendeu, no Aeroporto de Brasília, R$ 113 mil em dinheiro numa aeronave que trazia prestadores de serviços que atuaram na campanha eleitoral do governador de Minas.

A primeira fase da operação, deflagrada em maio de 2015, cumpriu mandados de busca e apreensão em Brasília, Goiás, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Pimentel já é alvo de duas denúncias oferecidas pela PGR.

 

Apuração

“Todos os indícios apontam que Fernando Pimentel, utilizando-se do seu cargo, foi auxiliado por Luciano Coutinho com o escopo de atender à solicitação feita pelo ministro, para viabilizar a inserção de cláusula condicionante de ausência de litígio no pedido de apoio financeiro apresentado pelo empresário Abílio Diniz junto ao BNDES.”

Polícia Federal

EM RELATÓRIO DO STJ

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Governador nega irregularidades e defesa critica as investigações

23/10/2017
 
 
 
Advogado de Pimentel diz que operação ‘se tornou anacrônica’; Luciano Coutinho afirma que agiu com ‘lisura’

 

 

O advogado Eugenio Pacelli, que representa Fernando Pimentel, disse em nota que o governador de Minas Gerais “repele veementemente” a conclusão do relatório da Polícia Federal no âmbito da Operação Acrônimo. “Nem tudo que reluz é ouro. A Acrônimo se tornou anacrônica, do ponto de vis- ta das provas”, afirmou Pacelli sobre o suposto favorecimento pelo petista ao Grupo Casino.

Para a defesa de Carolina de Oliveira, mulher de Pimentel, o relatório “é mais uma tentativa de manter de pé uma investigação frágil e eivada de irregularidades, que se arrasta há mais de dois anos e que jamais encontrou qualquer ligação ilícita entre os envolvidos”.

“Refutamos veemente as conclusões da autoridade policial neste inquérito e reafirmamos nossa confiança na Justiça, que saberá examinar com a necessária isenção e, ao final, rejeitar as acusações, todas elas desprovidas de qualquer fundamento”, disse ao Estado o advogado Thiago Bouza.

Mario Rosa disse que nunca foi encontrado nada comprometedor contra ele. Afirmou que nunca esteve no BNDES, que estava fora do País no dia da decisão e “estava sendo sondado pelos dois lados em conflito”. “Tudo com mensagens eletrônicas que posso comprovar. Só assinei o contrato bem depois da decisão.” Rosa disse que seus honorários foram registrados e tributados. Ulisses Kameyama não foi localizado.

 

‘Legalidade’. O ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho afirmou que todas as decisões tomadas por ele envolvendo a tentativa de fusão entre Carrefour e Pão de Açúcar “estiveram dentro da mais absoluta legalidade e lisura”. Coutinho disse ainda que “nunca recebeu qualquer tipo de vantagem decorrente do referido processo nem tem conhecimento de que alguma outra pessoa o tenha feito”.

De acordo com o ex-presidente do banco, a cláusula contratual que exigia inexistência de litígio entre o Pão de Açúcar e o Grupo Casino “não foi inserida pelo então presidente do banco e sim determinada pelo comitê de enquadramento e crédito do BNDES”. “Trata-se de cláusula usual e prudente.” Coutinho alegou que a contratação da MR Consultoria foi feita posteriormente à definição da cláusula.

Procurados pela reportagem, BNDES, Carrefour e Abílio Diniz não quiseram se manifestar.

O Grupo Pão de Açúcar direcionou o pedido de informações ao Grupo Casino. O Casino, por sua vez, disse que colaborou com as investigações e se declarou “surpreso com suas conclusões equivocadas” do relatório da PF. A assessoria do grupo informou ainda que Eduardo Leônidas não teve conhecimento do parecer da PF.

 

Brasília. Buscas durante fase da Acrônimo em junho de 2015