O Estado de São Paulo, n. 45298, 25/10/2017. Política, p.A10

 

 

 

 

 

 

Deltan fala em 100 medidas anticorrupção

Coordenador da força-tarefa afirma que entidades da sociedade civil vão elaborar propostas que visam à ‘renovação política’ nas eleições

Por: Julia Affonso / Fausto Macedo / Luiz Vassallo

 

Julia Affonso

Fausto Macedo

Luiz Vassallo

 

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, afirmou ontem que entidades da sociedade civil devem lançar, em breve, um pacote com mais de cem medidas anticorrupção. Essas propostas serão usadas por estas entidades nas eleições de 2018 como “compromisso” a ser assumido por candidatos ficha-limpa. Dallagnol, contudo, não explicou quais organizações estarão envolvidas nesse processo. O procurador disse apenas que será diferente do pacote “10 Medidas Contra a Corrupção”, projeto criado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2015.

“A estratégia agora não é mais coletar assinaturas, mas escolher senadores e deputados que tenham passado limpo, espírito democrático, e apoiem o combate à corrupção”, afirmou Dallagnol no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, evento promovido pelo Estado e pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP).

Para Dallagnol, a ideia é usar o novo pacote “como uma alavanca para transformação, para renovação política”. “A mudança está nas mãos da sociedade. Se a maioria do Congresso não aprova o pacote anticorrupção, basta que a sociedade coloque lá quem vai aprovar. Entidades da sociedade civil estão desenvolvendo um grande pacote para combater a corrupção no setor público e no privado”, disse o procurador.

“Vejo que as pessoas se preocupam mais com a eleição para Presidência no ano que vem. Eu tenho preocupação maior com cargo de deputado federal e senador. Porque é deles que dependem as leis e a aprovação das reformas. A ideia da sociedade seria colocar no Congresso quem seja favorável às grandes reformas necessárias. E a sociedade civil está se organizando para isso. Precisamos manter nossa esperança”, afirmou.

Em setembro de 2015, o Ministério Público Federal lançou a campanha 10 Medidas Contra a Corrupção. A iniciativa partiu dos procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato – Deltan Dallagnol estava entre eles. A campanha chegou a coletar mais de 2 milhões de assinaturas e o pacote de medidas foi entregue ao Congresso. Constavam entre as medidas propostas como criminalizar enriquecimento ilícito de agentes públicos e o aumento de pena para crimes de colarinho-branco. Atribuía ainda à corrupção peso equivalente a crimes hediondos. O pacote, no entanto, não avançou. Para Dallagnol, as medidas que atacavam o “coração da impunidade” foram destruídas pelo Congresso Nacional.

“Esse pacote aproveita grande parte das 10 Medidas Contra a Corrupção e vai além, promovendo regras que melhoram o compliance, melhoram a transparência, melhoram licitações, sistema eleitoral”, afirmou.

Dallagnol reforçou em sua apresentação, ontem, que o combate à corrupção depende de toda a sociedade. “Meu maior medo é que muitos de nós não percebamos que em 2018 existe uma cerca baixa sendo colocada diante de nós. Nós podemos dar um grande salto contra a corrupção no País, mas isso depende essencialmente de nós”, disse ele ao encerrar sua fala de abertura do fórum.

 

Reformas. Já o juiz federal Sérgio Moro, também presente no fórum, afirmou ontem que “não se resolvem problemas de corrupção somente com processos judiciais”. Para o magistrado, são necessárias “reformas mais abrangentes”. Segundo o juiz da Lava Jato, os processos são importantes assim como a “redução da impunidade é fundamental”.

O magistrado, que aparece em todas as pesquisas eleitorais como um dos possíveis nomes de uma eventual disputa à Presidência, mais uma vez negou aspirações políticas.

“O que faremos é continuar nosso trabalho (em 2018). Claro que, como cidadão, há tensão sobre as eleições se aproximando, mas eu vou seguir fazendo meu trabalho. É claro que se espera que as pessoas façam boas escolhas. Há bons políticos. E é importante que se sobressaiam”, disse Moro.

 

Plateia. Público no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato no auditório do ‘Estado’; para Dallagnol, combate à corrupção depende da sociedade

 

Pacote

“Se a maioria do Congresso não aprova o pacote anticorrupção, basta que a sociedade coloque lá quem vai aprovar. Entidades estão desenvolvendo um grande pacote para combater a corrupção.”

Deltan Dallagnol

COORDENADOR DA FORÇA-TAREFA

 

MÃOS LIMPAS & LAVA JATO

Sinto que as pessoas ainda não veem, como gostariam, o resultado prático. Talvez elas esperassem que políticos de mais renome estivessem presos, embora os resultados práticos sejam bons até aqui.”

Danilo Cersosimo

DIRETOR NA IPSOS PUBLIC AFFAIRS

 

O papel da sociedade deve ser de não esmorecer e, sim, de manter a vigilância. É diante do desânimo da sociedade que a classe interessada na manutenção da corrupção pode criar forças e ressurgir.”

Rogério Chequer

COORDENADOR DO VEM PRA RUA

 

Tenho notado o perigo de reação da classe política à Operação Lava Jato. Mas acredito que a sociedade vai responder à altura e impedir qualquer retrocesso nessas investigações.”

Carlos Alberto Riccelli

ATOR

 

Quando as pessoas que fazem as leis começam a ser investigadas, é natural que exista reação do sistema. A sociedade é que precisa se posicionar para não deixar a corrupção se transformar em algo trivial.”

Thaméa Danelon

PROCURADORA

 

Tenho muita expectativa em relação ao que vai acontecer no próximo ano. Acho que a Operação Lava Jato vai ter um papel importante no desdobramento e no resultado dessas eleições.”

Maria Luiza de Souza

PROFESSORA

 

Um evento como esse combina muito com uma tradição do Estadão. Este momento que o País vive, e na antevéspera das eleições do próximo ano, faz esse encontro ser ainda mais relevante.”

Washington Olivetto

PUBLICITÁRIO

 

O que eu gostaria de ver era esses dois magistrados (Moro e Dallagnol) envolvidos em uma carreira política. No Brasil, as pessoas precisam se envolver com política. Não podemos deixar para os outros.”

Norman Gall

DIRETOR DO INST. FERNAND BRAUDEL

 

A Operação Lava Jato foi um marco na história política, jurídica e social do Brasil. E nesse momento me parece fundamental esse debate promovido pelo Estadão com especialistas no assunto.”

Renato Ochman

ADVOGADO

 

Acredito que o mais importante é o povo não deixar a operação terminar em pizza. Vamos para rua, vamos pressionar para que a Lava Jato consiga atingir todos os seus objetivos.”

Claudia Cintra

EMPRESÁRIA E APOIADORA DO MOVIMENTO VEM PRA RUA

 

Em 2018, tem um processo eleitoral super importante – talvez o maior dos últimos anos. E está absolutamente aberto. A gente não conhece os candidatos hoje, então aumenta essa lateralidade.”

Pedro Jereissati

VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO DA JEREISSATI PARTICIPAÇÕES

 

Há um limite entre até onde se vai para se buscar um culpado. Eu acho que talvez essas observações sejam importantes para a gente chegar efetivamente em uma Justiça mais equilibrada.”

Roberto Podval

ADVOGADO

 

A Lava Jato não inventou nada, está apenas desvendando o que permanecia secreto, silencioso. E ela está mostrando que nosso sistema é comprometido, e a corrupção, sistêmica.”

Bruna Lombardi

ATRIZ

 

BALANÇOS

Números das operações brasileira e italiana

Lava Jato em Curitiba

881

mandados de busca e apreensão

 

212

mandados de prisão preventiva e temporária

 

158

acordos de colaboração premiada

 

10

acordos de leniência

 

67

acusações criminais contra 282 pessoas

 

176

condenações

 

R$ 6,4 bi

valor da propina investigada

 

Lava Jato no Supremo**

Edson Fachin

185

buscas e apreensões

 

185

inquéritos

 

603

investigados

 

35

denúncias

 

95

acusados

 

6

ações penais

 

120

acordos de colaboração premiada homologados

 

R$ 79 mi

repatriados

 

 

 

 

 

Não há nada que faça a Lava Jato inspirar os políticos na Itália

Por: Marcelo Godoy

 

ANÁLISE: Marcelo Godoy

 

Piercamillo Davigo é um homem sorridente e bem-humorado. Magistrado da Corte de Cassação italiana – a corte suprema de seu país –, tem na ponta da língua uma reposta para quem lhe pergunta se a Operação Lava Jato pode servir de exemplo aos legisladores da Itália, a fim de que a colaboração premiada seja permitida também lá nos casos de corrupção. “Absolutamente não. A política italiana tem muitos corruptos. Vamos deixar de rodeios. Todos sabem que quem faz as listas eleitorais

( com os candidatos às eleições) controla os partidos. O problema é que há filiações compradas.” A lei na Itália só admite a delação premiada para casos de máfia e terrorismo.

Acostumado a falar sobre os anos em que ele e seus colegas da procuradoria de Milão causaram um terremoto na política italiana com a Operação Mãos Limpas, Davigo lembra as dificuldades para que, mesmo no caso da máfia, a delação premiada fosse adota- da. Isso só aconteceu após centenas de assassinatos, como o do general Carlos Alberto Dalla Chiesa (nomeado para combater a organização na Sicília, ele foi metralhado em 1982, em Palermo). “Foi preciso um atentado como o de Capaci.” Capaci é uma cidade na província de Palermo que se tornou famosa porque foi ali que a máfia dina- mitou uma estrada para matar o juiz Giovanni Falcone, sua mulher e três seguranças, em 1992. Só depois a Itália aprovou a mudança. “Ninguém sabe na Itália o que se passa no Brasil com a Lava Jato. Mas todos conhecem o exemplo dos Estados Unidos no uso do colaborador de Justiça”, afirmou.

Davigo, ao contrário do colega de magis- tratura Gherardo Colombo, que o acompanhou no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, acredita que a Justiça ainda tem seu papel no combate à corrupção. E isso mesmo com o balanço de que foram poucos os acusados de corrupção na Mãos Limpas que, condenados, cumpriram suas penas na cadeia. “Nenhum país do mundo conseguiu acabar com o crime em nenhuma época.”

No Brasil, o caminho para que a delação premiada fosse admitida nos casos de corrupção foi lento e silencioso. A Lei de Crimes Hediondos, de 1990, foi a primeira a prever benefícios para quem delatava: redução de um a dois terços da pena. A corrupção não estava então entre os delitos, nem a formação de quadrilha – não existia ainda o crime de organização criminosa. Só em 2013 os parlamentares aprovaram as alterações que abriram as portas para a Lava Jato. Por que isso não aconteceu na Itália? Há, talvez, uma razão: o mundo político italiano sabia dos efeitos da delação, pois vira como ela devastara até a lei do silêncio da máfia. “Não há nada que faça o parlamento italiano aprovála ( para os casos de corrupção)”, diz Davigo. Pouco provável, portanto, que Sérgio Moro ou Deltan Dallagnol sejam convidados a expor a experiência da Lava Jato na Itália.