O Estado de São Paulo, n. 45297, 24/10/2017. Internacional, p. A10.

 

Com mais força no Congresso, Macri traça plano para acelerar reformas

Luciana Dyniewicz

24/10/2017

 

 

Argentina. Presidente ganha respaldo para concretizar mudanças na legislação tributária e colocar em prática um projeto de responsabilidade fiscal que condiciona o aumento do gasto público à inflação e do funcionalismo ao crescimento demográfico

 

 

Menos de 12 horas após deixar os festejos de sua vitória nas eleições legislativas, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, afirmou, na manhã de ontem, que o país entra em um período “permanente de reformas”. No domingo, foram renovados um terço do Senado e metade da Câmara, em uma eleição que consolidou a força do empresário de centro-direita nacionalmente.

O presidente ganhou em 13 das 24 províncias – três a mais que havia conseguido nas primárias, em agosto – e ainda elegeu em primeiro lugar seu candidato ao Senado na Província de Buenos Aires, onde a ex-presidente Cristina Kirchner também saiu eleita, mas amargando a segunda posição. “A Argentina não pode ter medo de reformas. Esse é um caminho longo que nos levará a uma sociedade mais justa, a um país que se baseará na cultura do trabalho e de mérito de cada argentino”, disse Macri em entrevista coletiva na Casa Rosada.

Macri passa a ter 107 cadeiras na Câmara, antes eram 86, e ganha mais 9 no Senado, chegando a 24. Apesar de não ainda ter a maioria absoluta em nenhuma das casas, o resultado lhe garante respaldo popular. O presidente vinha adotando políticas econômicas graduais, não tendo anunciado projetos radicais para reduzir a inflação ou o déficit fiscal, por exemplo. Um dos motivos que o levaram a ir devagar era justamente a falta de apoio político e social. Em 2015, ele venceu a corrida à Casa Rosada por menos de três pontos porcentuais de diferença ante o candidato de Cristina, Daniel Scioli.

Entre as reformas que devem ser prioridade para Macri estão a tributária e um projeto de responsabilidade fiscal, que prevê condicionar o aumento dos gastos públicos à inflação e os empregos públicos ao crescimento demográfico. Por enquanto, o governo nega a possibilidade de levar adiante uma reforma trabalhista semelhante à brasileira, como já chegou a cogitar.

Ontem, questionado sobre a possibilidade de a política gradualista ter chegado ao fim, Macri foi ambíguo: “Esperamos continuar na maior velocidade possível e com todo o equilíbrio possível”. Seu chefe de gabinete, Marcos Peña, um dos homens do governo responsável pelo gradualismo, acrescentou que a ideia é acentuar as reformas, mas protegendo setores sociais vulneráveis.

Para Dante Sica, economista da consultoria Abeceb, as condições sociais para se levar as re- formas adiantes foram dadas no domingo, mas a falta da maioria absoluta no Congresso ainda será um limitador. “É certo que a sociedade lhe deu um mandato forte, mas o governo não vai abandonar o gradualismo, pois terá de negociar com a oposição.” O economista-chefe do BTG na Argentina, Andres Borenstein, não vê grandes alterações na política gradual. “Não acho que vai ter uma terapia de choque, talvez haja uma mudança na velocidade da política fiscal”. A meta do déficit fiscal é de 3,2% do PIB para 2017 e 2,2% para 2019. O mercado projeta que, ao menos neste ano, o objetivo será alcançado.

O analista político Marcos Novaro destaca que o peronismo que perdeu mais força no domingo era o que costumava se alinhar com Macri. Ele vê, portanto, que ainda será difícil fechar acordos no Congresso. O também analista político Sergio Berenztein lembra que as reformas planejadas têm alto custo político, o que demandará de Macri prudência, caso não queria perder o apoio que conquistou no domingo e o colocou mais próximo de uma reeleição em 2019.

 

Kirchnerismo. Eleita deputada pela Província de Buenos Aires, a kirchnerista Fernanda Vallejos afirmou ao Estado que o discurso de Macri ratifica o que ela havia sido “denunciado” na campanha. “O governo prepara um pacote de medidas neoliberais e regressivas, mas vai depender de sua capacidade de articulação para aprová-lo. Nós estamos dispostos a formar uma oposição que o freie.”

Em seu discurso na madrugada de ontem, Cristina se colocou como a principal força de oposição do país. “Aqui não acaba nada. Hoje é o começo de tudo”, acrescentou, em resposta aos que dizem que sua eleição em segundo lugar na principal província do país, com 40% dos eleitores, encerra o ciclo kirchnerista.

Investigada na Justiça por suspeita de corrupção, como senadora, a ex-presidente passa a contar com prerrogativa de foro, o que torna uma prisão mais difícil – mas não impossível. Caso algum juiz emita um mandado de prisão contra ela, o Congresso poderá votar a possibilidade de tirar a imunidade parlamentar dela.

 

PARA ENTENDER

O futuro legal de Cristina

A Justiça pode processar Cristina Kirchner e pedir ao Senado que a imunidade parlamentar seja retirada. Para isso, são necessários dois terços dos votos, não do total de senadores (72), mas dos presentes. Para que haja quórum, são necessários 37 senadores presentes. A coalizão governista no Senado soma agora 24 senadores, insuficientes para quórum próprio. Cristina controlará 10 senadores, com ela incluída. A petição seria definida pelo bloco peronista, que se afastou do kirchnerismo e tem 23 senadores. Isso faz com que ela esteja nas mãos do peronismo.  // MÁRCIO RESENDE, ESPECIAL PARA O ESTADO