Título: Alguém precisa pagar a conta
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2012, Ciência, p. 22

Artigo publicado na Nature expõe as principais dificuldades no financiamento de um mundo mais sustentável, tema que pautará a reunião Rio mais 20, agendada para daqui a três meses

Daqui a três meses, um encontro histórico acontecerá no Rio de Janeiro. Pela terceira vez na história, líderes, pesquisadores e sociedade civil se reunirão para discutir os desafios de um mundo que clama por mais sustentabilidade. Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, apelidada de Rio+20, uma referência à primeira conferência do gênero, a Eco92, deverão ser traçadas novas estratégias para a proteção ambiental, aliada à diminuição da desigualdade social. Dentre a série de questões sobre o assunto, uma se sobressai: quem pagará a conta? O dilema é tema de um artigo na edição dessa semana da revista científica Nature.

O pesquisador Edward Barbier, da Universidade de Wyoming, nos Estados Unidos, defende que os fundos multilaterais existentes hoje não são suficientes para angariar os US$ 100 bilhões que as Nações Unidas estipulou, por meio do Fundo Verde para o Clima (GFC, na sigla em inglês), como o necessário para ajudar os países mais pobres a mitigar as mudanças climáticas. "Todos os compromissos internacionais de financiamento do clima, que também incluem outras iniciativas, têm disponível, atualmente, menos do que US$ 2,5 bilhões", disse o especialista ao Correio.

A criação de impostos sobre alguns produtos, como bebidas alcoólicas, tabaco e armas, poderia ser uma solução mais eficaz para a falta de financiamento das ações ambientais, acredita Barbier. Um tributo sobre as armas arrecadaria anualmente US$ 5 bilhões. Já a taxação das exportações de tabaco poderia angariar mais do que o dobro: pelo menos, US$ 10,8 bilhões. "A minha principal razão de escrever esse artigo foi a esperança de que a discussão de mecanismos financeiros inovadores se torne mais um item importante da pauta da Rio+20", justifica Barbier. "Muitas vezes, as negociações internacionais sobre o ambiente global e as questões de desenvolvimento têm se centrado em prioridades de ação, deixando a difícil tarefa de financiamento para ser resolvido mais tarde. Sem uma atenção urgente para esse problema, o desenvolvimento sustentável global continuará a ser uma meta distante", alerta.

O pesquisador reconhece, ainda, o papel brasileiro nessa discussão. "Grandes economias emergentes, como Brasil, África do Sul e Índia, têm uma participação importante na abordagem do problema das fontes de financiamento ambiental. Afinal, apesar do contínuo desenvolvimento, essas economias ainda são muito vulneráveis", declara o norte-americano. "Além disso, como membros das 20 economias mais ricas do mundo (o grupo G20), essas economias emergentes têm agora uma voz internacional. Elas estão em uma posição forte para empurrar a agenda global e encontrar novos mecanismos de financiamento para o desenvolvimento sustentável", completa.

Obstáculos Além de encontrar as formas de captação dos recursos, um grande obstáculo nas negociações internacionais é decidir quem deve pagar a conta. "O Brasil acredita que os países que poluíram mais têm uma responsabilidade maior", afirma Mauro Pires, secretário substituto de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). "No cerne da discussão da Rio+20, está a necessidade de se traduzir em ações concretas quais são as responsabilidades de cada um, e essa responsabilidade é diferenciada de acordo com o histórico de cada nação", completa.

O ministério, contudo, admite a possibilidade da criação de uma taxa ambiental, no Brasil, em alguns setores produtivos. "O mercado não pode focar de fora dos compromissos de se encontrar um equilíbrio entre o consumo e a preservação", afirma Mauro Pires. "Pode ser a taxação ou uma série de outras alternativas que estão em discussão, tanto no financiamento quanto na busca de maneiras de se produzir com menos desperdício e utilizando menos energia", completa.

Em entrevista ao Correio, Yannick Glemarec, diretor para financiamento ambiental do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em Nova York (EUA), rebateu as críticas de que os mecanismos atuais, como o Fundo Verde para o Clima, sejam ineficazes. Ele lembra que o fundo foi criado em 2010 e que, portanto ainda está se estruturando. "Foi apenas na COP-16, em Cancún, que o GFC foi organizado. Contudo, ele se desenvolveu de maneira muito rápida. Esperamos que em 2013 ele já esteja em pleno funcionamento", afirma o especialista, que fixa em pelo menos US$ 10 bilhões o valor que está atualmente disponível.

Segundo ele, a criação de impostos globais em algumas áreas pode ser vantajosa, desde que estas tenham uma ligação com a questão ambiental. "Os países podem criar taxações para aqueles setores mais poluentes, mas seria muito difícil aplicar, em nível global, taxas em produtos. Isso seria mais produtivo se cada país definisse qual setor taxar", afirma Glemarec. "A questão do financiamento é difícil, será preciso uma série de fontes de recursos, que incluem impostos. Setores como o financeiro e o de câmbio têm mais espaço para a implantação de uma taxa mundial", completa o diretor do Pnud.

Para ele, o entendimento de que o desenvolvimento sustentável passa pelas questões econômicas é um dos pontos centrais da Rio+20. "Nos 20 anos que se passaram desde a Eco 92, a principal lição que aprendemos é que não adianta crescer sem dividir a riqueza, e que não é possível pensar em desenvolvimento sustentável sem desenvolvimento social", opina Yannick Glemarec. "Não dá para ter um trabalhador alienado em relação ao que ele produz. Quando a população não tem condições suficientes para se desenvolver, todos perdem", completa.

"Grandes economias emergentes, como o Brasil, têm uma participação importante na questão do financiamento ambiental "

Edward Barbier, pesquisador da Universidade de Wyoming