Valor econômico, v. 17, n. 4361, 13/10/2017. Opinião, p. A9.

 

 

Da relação entre investimento e incerteza

Aloisio Campelo Jr e Pedro Costa Ferreira

13/10/2017

 

 

A economia brasileira vem dando sinais de que está saindo da recessão. O consumo voltou, o mercado de trabalho parou de piorar e o cenário benigno da inflação favorece a continuidade da atual fase de distensão monetária. Mas o investimento, variável que costuma avançar rapidamente nesses momentos, continua sem dar sinais de vida até aqui. A situação é preocupante. Sem investimento, a recuperação estará fadada a ser um voo de galinha.

O grau de ociosidade dos fatores de produção é ainda alto e a confiança dos agentes econômicos, mesmo em recuperação, é ainda baixa. Mas esses ingredientes são comuns a outras saídas de recessão. Talvez o principal fator a explicar o desempenho pífio dos investimentos neste momento do ciclo seja o inédito nível de incerteza.

O Indicador de Incerteza da FGV - composto por três itens que medem a incidência de termos relacionados à incerteza na mídia, à volatilidade da bolsa e à dispersão de projeções econômicas - fechou setembro em 119 pontos, quase dois desvios padrão acima da média histórica de 100 pontos. Há 28 meses o indicador situa-se no quintil mais alto da série iniciada em 2000, com mais de 200 meses observados.

O cenário de incerteza para o ano que vem torna difícil imaginar retomada expressiva dos investimentos

Nenhuma das últimas recessões brasileiras terminou sem que a incerteza recuasse imediatamente a níveis historicamente moderados. É razoável supor que a incerteza esteja jogando contra a recuperação da economia, o que nos inspira a investigar quais fatores a estariam mantendo tão elevada e o que esperar daqui por diante.

O corpo majoritário da literatura econômica teórica e empírica corrobora a ideia de que a incerteza afete negativamente as decisões de investimento das empresas. De acordo com Bernanke (1983), diante de uma situação de grande incerteza, as empresas tendem a adotar uma postura de se "esperar para ver", em grande parte relacionada ao custo elevado de reversão dos gastos.

Resultados obtidos com estatísticas brasileiras confirmam essa linha de raciocínio. Na Sondagem de Investimentos da FGV, as empresas que reportam estarem incertas quanto à execução do seu plano de investimentos registram uma probabilidade 14% maior de revisarem, ex post, seus investimentos para baixo. Em outro resultado, o Indicador de Incerteza revela-se uma variável significativa para explicar o investimento privado, responsável por cerca de 80% do total de investimentos no Brasil, e obtido como resíduo entre a formação bruta de capital fixo total e o investimento do setor público. Além disso, um exercício de "impulso resposta", a partir do mesmo modelo mostra que um choque de um desvio padrão no Indicador de Incerteza (12 pontos) provoca uma queda de 1,3% no investimento privado dois trimestres à frente. Sem dúvida um impacto relevante.

Nos dois últimos meses, após o susto com a revelação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Temer, os componentes do Indicador de Incerteza que medem a dispersão de previsões e a volatilidade da bolsa regrediram à média, sugerindo que os mercados estão confiantes na continuidade da fase de aceleração da economia nos próximos meses. É a força da recuperação cíclica superando o poder desestabilizador do ambiente político, com suas imprevisíveis crises e escândalos de corrupção.

O componente que vem sustentando os elevados níveis de incerteza é aquele que mede a incidência de matérias jornalísticas, em que a incerteza surge como um fator desestabilizador do ambiente econômico. O descolamento entre os três componentes de incerteza parece indicar uma possível contaminação da economia pelo ambiente político.

O desenho sugere que a preocupação dos agentes está mais relacionada no momento ao que vai acontecer ao país após as eleições do ano que vem que propriamente com o final do governo Temer. Não se pode descartar, no entanto, novas surpresas no front político até lá, considerando-se as dificuldades que o governo vem enfrentando para aprovar reformas e pelas concessões que vem fazendo às pressões do Legislativo. O quadro é alarmante por sugerir uma grande chance de que os níveis de incerteza continuem elevados até o último trimestre de 2018 ou pelo menos até que fiquem claras as intenções dos presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas.

Com a economia persistindo no caminho da recuperação, é provável que os investimentos comecem a exibir taxas positivas nos próximos trimestres. Mas o cenário de incerteza para o ano que vem torna difícil imaginar uma retomada expressiva dos investimentos. E sem isso, a recuperação econômica continuará muito frágil.

Aloisio Campelo Júnior é economista e Superintendente de Estatísticas Públicas da FGV/Ibre

Pedro Guilherme Costa Ferreira é economista e chefe do Núcleo de Métodos Estatísticos e Computacionais (FGV|Ibre)