O Estado de São Paulo, n. 45298, 25/10/2017. Política, p.A12

 

 

 

Uma dupla de estilos opostos na Lava-Jato

Oradores / Enquanto Dallagnol fala em influenciar eleição, Moro diz não ser um ‘motivador de multidões’

Por: Gilberto Amendola

 

Gilberto Amendola

 

O juiz federal Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol são figuras centrais de uma mesma operação anticorrupção, costumam dividir ideias parecidas sobre ela e, normalmente, aparecem como sinônimos de uma causa única: a Lava Jato. Mas, ontem, no auditório do Grupo Estado, durante o evento que discutiu as diferenças e semelhanças entre a operação italiana Mãos Limpas e a Lava Jato, eles puderam mostrar que são donos de estilos bem diferentes. Enquanto o juiz afirma não ser um “motivador de multidões”, o procurador parece ficar confortável no papel de alguém que pode “motivar” e até influenciar os rumos políticos do País.

No palco, de frente para a plateia, reproduziram a clássica dinâmica das duplas: um é mais contido enquanto o outro é extrovertido; um mede palavras, outro se deixa levar pelo calor do momento. Fórmula parecida com a de qualquer parceria histórica – pensem em O Gordo e o Magro, John Lennon e Paul McCartney, Pelé e Coutinho, Sherlock Holmes e Watson...

O primeiro a subir no palco foi Dallagnol. Desta vez, sem nenhum PowerPoint, enumerou as conquistas da Lava Jato, como ter descoberto mais de R$ 6 bilhões em propinas na Petrobrás, ter recuperado mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos e aplicado penas que somam mais de mil anos de prisão. Dallagnol gosta dos números e de imagens impactantes e superlativas. “O esquema da Petrobrás era apenas a ponta de um iceberg” ou “Ministros do STF soltam e ressoltam presos”, afirmou no evento.

Em comparação, Moro parece controlar sua fala com precisão. Limitou-se, em um primeiro momento, a seguir à risca o tema do fórum, e focou nas comparações entre a Mãos Limpas e a Lava Jato. Ressaltou que a operação italiana foi um sucesso – apesar dos casos de corrupção que reapareceram ao longo do tempo. Quando se arriscou a falar de algo mais factual, Moro pontuou que se tratava de caso já julgado. O juiz fez questão de analisar (e defender) as prisões preventivas e as delações premiadas do ponto de vista estritamente técnico.

Como orador, Moro evita as metáforas. Claramente, preocupa-se com o que diz e com sua repercussão. Embora provocado, não citou o nome de nenhum político. Falou do ex-ministro Geddel Vieira Lima sem pronunciar o seu nome. A palavra “Lula” também não saiu de sua boca mesmo quando confrontado. Não teve nenhum problema em dizer: “Isso eu não posso responder”.

Em um dos poucos momentos em que pareceu descontraído, o juiz usou o humor para defender sua postura técnica: “Não estou falando de deterioração moral, não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de um fenômeno jurídico”.

 

‘Cachorrinhos’. Já Dallagnol abraça as metáforas sem pudor. Ao falar de uma suposta falta de esperança da população em relação aos resultados da Operação Lava Jato, contou a história de cachorrinhos que ficavam passivos ao tomar choques em um experimento científico.

Moro parece tentar fugir do protagonismo que tem na operação. “Sou um juiz, não um motivador de multidões”, disse ao ser questionado sobre o que fazer para incentivar a participação popular em protestos. Dallagnol parece mais à vontade no papel de fustigador e de protagonista. A impressão que deixa é a de que gostaria de ser ainda mais veemente – se a sua posição assim o permitisse.

Se, por um lado, Moro tenta se posicionar fora do embate político, Dallagnol não teme pisar nesse ringue. Ele não tardou em afirmar que “não há solução fora do sistema político”. O procurador também chegou a dizer que “a questão agora é escolher candidatos que apoiem o combate à corrupção” e mostrou preocupação com a sociedade que, segundo ele, parece não perceber “o grande salto que podemos dar em 2018”. Em um dos momentos mais enfáticos, afirmou: “O Parlamento continua legislando em causa própria”.

A diferença de estilos pode ser explicada pelo papel que os dois desempenham: um é juiz e o outro é procurador. Mas, para além disso, Dallagnol demonstra não negar a política. Moro se esquiva.

 

Lava Jato. Dallagnol e Moro, figuras centrais da operação

 

'Minissaia"

Não estou falando de deterioração moral. Não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de um fenômeno jurídico.”

Sérgio Moro

JUIZ DA 13ª VARA FEDERAL

 

'Soltam e ressoltam'

Ministros do STF ( Supremo Tribunal Federal) soltam e ‘ressoltam’ presos.”

 

“O Parlamento continua legislando em causa própria.”

Deltan Dallagnol

PROCURADOR DA REPÚBLICA

 

 

 

 

 

Comparação entre as duas operações permeou debate

Para convidados, Brasil precisa aprender com os erros da Mãos Limpas e população não pode ficar indiferente
Por: Gilberto Amendola

 

Ao fim do encontro entre participantes de duas das maiores investigações anticorrupção do mundo, no auditório do Grupo Estado, a plateia mostrou que não pretende permanecer indiferente aos desdobramentos da Operação Lava Jato e sua provável influência na próxima eleição presidencial.

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 1.ª instância, e o procurador da República Deltan Dallagnol dividiram o palco com os magistrados italianos Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, promotores à época da Operação Mãos Limpas. As similaridades entre as investigações e os alertas para que a operação brasileira não repita os erros da italiana pontuaram o debate.

Na plateia, jornalistas de diversos órgãos de imprensa e personalidades do mundo empresarial, acadêmico, jurídico e ar- tístico levaram o debate para além do evento.

“Finalmente a gente vê no Brasil um momento em que se expurgam as coisas. A Lava Jato não inventou nada, está apenas desvendando o que permanecia secreto, silencioso”, disse a atriz Bruna Lombardi. “Um evento como esse, nesse momento do País, e na antevéspera das eleições, faz esse encontro ainda mais relevante”, comentou o publicitário Washington Olivetto.

 

Carreiras políticas. Na primeira parte do fórum, as personalidades convidadas fizeram rápidas ponderações individuais. As falas dos magistrados italianos soaram como um alerta de como um sistema corrupto pode sobreviver às investigações. “Os políticos que fizeram confissão foram afastados da vida política. Já os que ficaram cala- dos tiveram carreiras políticas surpreendentes. Isso é um aviso que eu dou aos colegas brasileiros”, ponderou Davigo a respeito de como a corrupção ressurgiu na Itália, mesmo após o trabalho da Mãos Limpas.

“O evento é importante para aprender o que aconteceu na Itália e o que não pode ser repetido no Brasil. Está claro que o papel da sociedade deve ser de não esmorecer e, sim, de manter a vigilância. É diante do desânimo da sociedade que a classe interessada na manutenção da corrupção pode criar forças e ressurgir”, disse o coordenador do movimento Vem Pra Rua, Rogério Chequer.

 

Tempo. O curioso na participação dos italianos foi o rigor com o tempo de suas falas. Ao esgotar o prazo (15 minutos), os magistrados interrompiam imediatamente suas divagações. Moro e Dallagnol evitaram personalizar casos durante o debate. Os nomes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ex-ministro Geddel Vieira Lima e do presidente Michel Temer estiveram subentendidos em vários momentos. Era possível notar a vontade da plateia para que se nomeassem os envolvidos. “A gente precisa marcar bem os políticos que estão tentando barrar a Lava Jato. Eles são os nossos alvos”, disse a empresária Cláudia Cintra.

Para o empresário Pedro Jereissati, o que o debate deixou claro é que “o futuro está nas nossas mãos”. “Acho que a Lava Jato continua como uma forma independente”, avaliou./G.A.