O Estado de São Paulo, n. 45298, 25/10/2017. Economia, p.B3

 

 

 

 

 

STF suspende portaria do trabalho escravo

Decisão liminar da ministra Rosa Weber ainda terá de passar pelo plenário do Supremo; Padilha admite que Temer pode revogar medida

Por: Breno Pires / Carla Araújo / Isadora Peron / Rafael Moraes Moura

 

BRASÍLIA

 

A ministra do STF Rosa Weber suspendeu liminarmente ontem a portaria que mudou as regras para fiscalização do trabalho escravo. Ela afirmou que a norma pode comprometer o resultado de anos de “políticas públicas de combate à odiosa prática”. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse também ontem que Michel Temer pode revogar a portaria. A determinação teve repercussão negativa desde que foi publicada, no dia 16.

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, em decisão liminar, a portaria do Ministério do Trabalho que modificou as regras de combate ao trabalho escravo. Editada no último dia 16, a portaria, que, segundo os críticos, dificultou a punição dos infratores, causou polêmica e mobilizou, inclusive, entidades internacionais. A procuradora-geral da República, Rachel Dodge, chegou a dizer ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que considerava a portaria um “retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade à pessoa humana”.

Diante das reações negativas, o presidente Michel Temer admitiu rever as novas normas, que receberam elogios de ruralistas, como o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Ontem, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que o presidente pode mesmo revogar a portaria: “O presidente tinha pedido e o ministro do Trabalho estava negociando com Raquel Dodge um texto novo. A negociação prossegue”.

A decisão da ministra Rosa Weber ainda terá de passar por referendo do plenário do Supremo. Rosa é relatora da ação de autoria da Rede Sustentabilidade, que pede que a portaria seja declarada inconstitucional.

Segundo a ministra, a portaria “atenua fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo”. Ela justificou a liminar afirmando que há “elevado risco de comprometimento dos resultados alcançados durante anos de desenvolvimento de políticas públicas de combate à odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de escravo”.

A portaria, de acordo com a ministra, “vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de cará- ter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos”.

 

Lista suja. A ministra Rosa Weber criticou também as mudanças trazidas no ato em relação à “lista suja do trabalho escravo”. A portaria determinava autorização prévia do ministro do Trabalho para inclusão do empregador na “lista suja” e a divulgação da relação. Para ela, essas são medidas administrativas que limitam e enfraquecem as ações de fiscalização, “ao contrário de promoverem a diligência necessária para a adequada e efetiva fiscalização”.

“Ainda constituem medidas que condicionam a eficácia de uma decisão administrativa a uma vontade individual de ministro de Estado, que tem notório viés político. Lógica que inverte a postura técnica pela postura política em matéria de conteúdo técnico-jurídico”, disse.

Também ontem, o juiz titular da 11.ª Vara da Justiça do Trabalho do Distrito Federal, Rubens Curado Silveira, determinou que o ministro do Trabalho e a União estão obrigados a publicar a “lista suja” do trabalho escravo. O descumprimento da medida sujeitará o ministério à aplicação de multa diária no valor de R$ 10 mil. A lista foi criada há cerca de 13 anos e não era publicada desde julho de 2014.

Segundo o magistrado, “o Ministério do Trabalho tem o dever e a responsabilidade pela publicação do Cadastro, mas não a sua propriedade”. /  BRENO PIRES, CARLA ARAÚJO, ISADORA PERON E RAFAEL MORAES MOURA

 

Nomes. Rosa Weber criticou a não divulgação da ‘lista suja’

 

Negociação

“O presidente Michel Temer tinha pedido e o ministro do Trabalho estava negociando com Raquel Dodge um texto novo. A negociação prossegue.”

Eliseu Padilha

MINISTRO DA CASA CIVIL

 

 

 

 

Dodge critica ação no conselho do MP

Após recomendar a revogação da portaria que modifica as regras de combate ao trabalho escravo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a criticá-la em sessão do Conselho Nacional do Ministério Público ontem. “A portaria fere sobretudo a dignidade humana, e não apenas a liberdade”, disse, em sessão, após dois conselheiros destacarem a atuação do Ministério Público em reação à edição da portaria. Dodge alega que ela contraria o Código Penal, decisões do STF e decisões de instâncias internacionais como a OIT e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

 

 

 

 

Senado aprova texto-base do cadastro positivo

Por: Renan Truffi / Julia Lindner / Idiana Tomazelli

 

BRASÍLIA

 

Em uma votação rápida e quase sem discussão o plenário do Senado aprovou, na noite de ontem, o texto-base do projeto de lei que muda as regras de inclusão de dados nos cadastros positivos de crédito para ampliar a adesão dos consumidores.

A medida faz parte do cardápio de projetos de interesse do Banco Central. Ontem, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, tomou café da manhã na casa do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Depois do encontro, o senador declarou que iria acelerar o projeto dos acordos de leniência no sistema financeiro do banco, mas não citou o cadastro positivo.

O projeto, alvo de críticas por, supostamente, compartilhar dados dos consumidores, ficou muito tempo tramitando na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, minimiza esses argumentos. Segundo ele, nenhuma instituição financeira terá livre acesso às informações, apenas à nota de crédito que será concedida de acordo com seu histórico de pagamentos.

À tarde, Meirelles usou a rede social Twitter para defender o cadastro. “Na medida em que o novo cadastro for implantado, as taxas de juros cobradas das empresas e consumidores irão cair”, disse. O que ocorre atualmente é o registro de débitos e dívidas, sem levar em conta o que as pessoas pagam em dia, destacou o ministro.

Ainda será necessário mais uma sessão para aprovar dois destaques do projeto, que foi votado numa pausa em que os senadores analisavam o pedido de urgência para a votação da regulamentação dos serviços de transporte privado (Uber), aprovado em seguida. Depois dos destaques, o projeto do cadastro volta à Câmara.

Com a medida, pessoas ou empresas que se mantiveram em dia com suas obrigações passarão a ter acesso a condições mais favoráveis de financiamento. “A criação de um cadastro positivo vai gerar crédito mais barato, acessível e de melhor qualidade para os brasileiros”, defende Meirelles. / RENAN TRUFFI, JULIA LINDNER E IDIANA TOMAZELLI

 

Defesa

“Na medida em que o novo cadastro positivo for implantado, as taxas de juros cobradas das empresas e consumidores irão cair.”

Henrique Meirelles

MINISTRO DA FAZENDA