O Estado de São Paulo, n. 45294, 21/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

‘Crimes não são cometidos no céu’, diz Moro

Em decisão, juiz federal defende o instituto da colaboração premiada como forma de romper a ‘lei do silêncio’ nas organizações criminosas

Por: Julia Affonso / Ricardo Brandt

 

Ricardo Brandt

ENVIADO ESPECIAL / CURITIBA

Julia Affonso

Na sentença em que impôs 13 anos e 8 meses de reclusão a Jorge Luz, apontado como operador de propinas do PMDB, o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas ações em primeira instância da Lava Jato, mandou um recado direto àqueles que atacam a delação premiada e reiterou o que vem sustentando em quase todas as sentenças da operação. Ao falar sobre o assunto na decisão, o magistrado afirmou que “crimes não são cometidos no céu”.

“Em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos. Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas, isso sim reprovável”, assinalou Moro, sem citar nomes.

Acordos de colaboração premiada têm sido alvo de críticas de advogados, juristas e políticos desde que passaram a ser utilizados em larga escala, a partir da deflagração da Operação Lava Jato. A principal crítica é a um suposto “excesso”.

No texto, Moro citou Piercamilo Davigo, um dos membros da equipe de Milão que integrou a Operação Mãos Limpas, na Itália, que serviu de inspiração para a Lava Jato.

Para o juiz, “a corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais”. Moro ponderou que a palavra do delator deve ser referendada por outras provas. “É certo que a colaboração premiada não se faz sem regras e cautelas, sendo uma das principais a de que a palavra do criminoso colaborador deve ser sempre confirmada por provas independentes.”

“Ademais, caso descoberto que faltou com a verdade, perde os benefícios do acordo, respondendo integralmente pela sanção penal cabível, e pode incorrer em novo crime, a modalidade especial de denunciação caluniosa”, completou o juiz.

Caso. Além de Jorge Luz, Moro condenou o filho dele, Bruno Luz, a 6 anos e 8 meses. Outros cinco réus foram sentenciados na mesma ação por propinas de cerca de US$ 35 milhões sobre contratos da Petrobrás.

O juiz citou o caso específico para destacar que, nos acordos de colaboração, o Ministério Público Federal “exigiu o pagamento pelos criminosos colaboradores de valores milionários, na casa de dezenas de milhões de reais”, escreveu.

O magistrado também citou o executivo Julio Gerin Camargo, um dos delatores da Lava Ja- to, que foi obrigado a pagar indenização de R$ 40 milhões, e Eduardo Costa Vaz Musa, ex-gerente da Petrobrás que acertou a devolução de US$ 3,2 milhões mais multa de R$ 4,5 milhões.

Também foram mencionados pelo magistrado os casos do ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró e do lobista do PMDB, Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano. Ambos confessaram a práti- ca de crimes e receberam benefícios após firmarem acordos de colaboração. Moro ressaltou que, embora não tenham recebido as “sanções adequadas” aos delitos cometidos, os acordos pressupõem, como contrapartida, a concessão de benefícios, a exemplo da redução da pena.

“A nenhum dos colaboradores foi ofertado perdão judicial, sendo que vários tiveram que cumprir tempo de prisão em regime fechado, como é o caso de Nestor Cerveró e Fernando Antônio Falcão Soares. Certamente, por conta da colaboração, não recebem sanções adequadas a sua culpabilidade, mas o acordo de colaboração pressupõe necessariamente a concessão de benefícios”, disse.

 

- Acordos

“Em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos. Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas.”

“Colaboração não se faz sem regras e cautelas, sendo uma das principais a de que a palavra do colaborador deve ser sempre confirmada por provas independentes.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL

 

 

 

 

Glaucos trocou 12 ligações com Teixeira, diz MPF

Por: Luiz Vassallo

 

Luiz Vassallo

Enquanto esteve internado no hospital Sírio-Libanês, o engenheiro Glaucos da Costamarques trocou 12 telefonemas com o advogado Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A informação consta no relatório de quebra de sigilo telefônico de Glaucos, que é proprietário do apartamento vizinho à unidade onde mora o petista, em São Bernardo Campo (SP).

O dado foi apresentado pela força-tarefa da Lava Jato no âmbito de incidente de falsidade instaurado para investigar a validade dos recibos de aluguel do apartamento apresentados pela defesa de Lula para comprovar a relação de locador e locatário entre Glaucos e a mulher de Lula, Marisa Letícia. Para a força-tarefa, a Odebrecht custeou a aquisição do imóvel.

Em depoimento, Glaucos disse que recebeu Teixeira no hospital para que ele assinasse recibos retroativos a 2015. No entanto, o Sírio informou que não encontrou registros de visitas do advogado. Após novo pedido de Moro, o hospital reafirmou ontem que não há registros de entrada de Teixeira.

Para a Procuradoria, as ligações “vêm a corroborar a narrativa feita por Glaucos da Costamarques a respeito de ter sido contatado por Roberto Teixeira durante a internação”.

Já os advogados de Lula afirmaram, em nota, que o Ministério Público age de forma “desleal”, criando uma “nova versão” após o desmentido do hospital. “O MPF busca, ainda, confundir chamadas não efetivadas e ainda chamadas dirigidas a um ramal central com supostos telefonemas ao advogado Roberto Teixeira”, diz o texto.

 

 

 

 

 

Ex-gerente da Petrobrás é condenado a 12 anos

Por: J.A., R.B. e FAUSTO MACEDO

 

O ex-executivo da área Internacional da Petrobrás Luis Carlos Moreira foi preso ontem por ordem do juiz federal Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas ações em primeira instância da Operação Lava Jato, que o condenou a 12 anos de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro.

Na decisão, Moro disse ver “boa prova de materialidade e autoria” e também “riscos à ordem pública e à aplicação da lei penal” para justificar a prisão.

A detenção do ex-gerente havia sido requerida pelo Ministério Público Federal no Paraná, em alegações finais. Na decisão, Moro descreveu um cená- rio de “macrocorrupção”. Moreira também é investigado por suposto recebimento de propinas resultantes do processo de aquisição pela Petrobrás da Refinaria de Pasadena (EUA).

“O que se tem, portanto, são provas de macrocorrupção, praticada de forma serial pelo condenado, com graves consequências, não só enriquecimento ilícito de agentes da Petrobrás, mas também de agentes políticos, já que parte do numerário foi a eles destinado”, afirmou o magistrado.

A reportagem não localizou a defesa do ex-gerente da Petrobrás Luis Carlos Moreira. / J.A., R.B. e FAUSTO MACEDO