O Estado de São Paulo, n. 45294, 21/10/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

Multas eleitorais poderão ser pagas em até 700 anos.

Partidos pretendem renegociar débitos antigos com base na nova regra de parcelamento aprovada pelo Congresso na reforma política

Por: Thiago Faria Daiene Cardoso

 

Thiago Faria

Daiene Cardoso / BRASÍLIA

Sem perspectiva de conseguir quitar dívidas de multas eleitorais acumuladas por anos, dirigentes partidários afirmam que pretendem recorrer às novas regras de parcelamento aprovadas no projeto de reforma política para renegociar os pagamentos. A nova lei prevê que a parcela mensal não ultrapasse 2% dos repasses do Fundo Partidário. Há casos em que o parcelamento pode se alongar por até 698 anos, o que, na prática, representa quase uma “anistia” dessas dívidas.

Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, feito a pedido do Estado, o total dos débitos eleitorais inscritos na dívida ativa da União chega a R$ 81,4 milhões. O campeão é o diretório paulista do PSB, que acumula R$ 3,7 milhões em multas.

Caso a nova regra de parcelamento seja aplicada com base no que o partido recebeu do Fundo Partidário em 2016 – média de R$ 380,2 mil por mês –, as multas poderiam ser quitadas em mais de 40 anos, em 486 parcelas mensais de R$ 7,6 mil.

O presidente do PSB-SP, o vice-governador do Estado, Márcio França, admitiu que vai aproveitar a nova lei para quitar o débito. “Mas só faremos isso depois de julgamento de uma ação de nulidade que aguardamos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, afirmou. O argumento do partido é a prescrição da cobrança, uma vez que o valor inclui multas que vão desde a campanha municipal de 2004, quando o partido lançou a deputada fe- deral Luiza Erundina, hoje no PSOL, como candidata.

Também constam no “top 5” dos maiores devedores os diretórios sergipanos do DEM (R$ 3,1 milhões) e do PPS (R$ 2,9 milhões) e os diretórios paulistas do PTB (R$ 2,4 milhões) e do PSDB (R$ 1,8 milhão).

O presidente do Diretório Estadual do PPS de Sergipe, Clóvis Silveira, disse que tentará resolver a questão com base na nova lei, uma vez que hoje a dívida é impagável. “O PPS não tem condições de pagar.” Segundo ele, o diretório vem sobrevivendo de contribuições dos filiados locais. O dirigente admitiu que nunca se preocu- pou em pagar o débito simplesmente porque o partido não tem como quitar a dívida. “Uma dívida que não tem como se pagar, não tem como se preocupar com ela”, disse. “É claro que (o parcelamento) é bom. Se não houver o parcelamento, nunca se paga essa dívida.”

Segundo dados do TSE, o PPS-SE recebeu R$ 210 mil do Fundo Partidário no ano passado – média de R$ 17,5 mil por mês. Com o parcelamento, poderia alongar a dívida por 698 anos, pagando R$ 350 ao mês.

Silveira disse que assumiu a presidência da sigla no Estado em 2015 e desconhece com exatidão a origem da dívida de R$ 2,9 milhões porque migrou para o partido recentemente. Segundo o dirigente, o valor é proveniente do início de 2000 de uma campanha no município de Nossa Senhora do Socorro e vem se arrastando ao longo dos anos porque o partido não tem condições de pagar o débito.

Já o presidente do PDT, o exministro Carlos Lupi, que preside o diretório paulista, disse que o partido já havia negociado o pagamento dos débitos com a Justiça Eleitoral e, por isso, ao menos por enquanto, não deve renegociar. “Já estamos pagando. Todas já foram parceladas”, afirmou Lupi.

O diretório paulista do parti- do deve, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda, R$ 1,7 milhão. A lei atual permite o parcelamento de multas eleitorais em até 60 meses (5 anos).

Judicialização. Com dívida também acima de R$ 1 milhão, o vice-presidente do diretório estadual do PMDB no Pará, Parsifal Pontes, afirmou que acredita que o programa de parcelamento das multas eleitorais aprovado na reforma política ainda poderá ser judicializado, porque não está claro se a lei vai retroagir e valer para dívidas antigas. “Se for só daqui para a frente, não resolve o problema dos partidos. Se isso retroagir, aí sim é uma boa ajuda.” Segundo especialistas consultados pelo Estado, porém, o TSE deve regulamentar a nova regra por meio de portaria ou resolução.

Pontes afirmou que 90% do R$ 1,1 milhão em multas do PMDB paraense são relacionadas à propaganda irregular, como outdoor fora do padrão, por exemplo, e 10% das multas por ressalva em prestação de contas. O valor é o acúmulo de infrações de todos os 127 diretórios municipais e comissões provisórias do Pará que o diretório estadual assumiu a dívida.

“A cada campanha vão se acumulando (as multas). A gente vai parcelando, mas elas têm juros”, afirmou. Pela nova regra, Pontes poderá ter até 23 anos para quitar a dívida no valor atual. De acordo com Pontes, a atual dívida vem se avolumando ao longo dos últimos cinco anos e se deve, principalmente, porque os candidatos desobedecem à orientação partidária e cometem infrações. “Não tem jeito de fazer campanha e não ter multa. E nós não temos como fiscalizar os municípios”, disse.

Na avaliação de Pontes, o problema é que os partidos não conseguem quitar a multa total de uma vez e, mesmo parcelando a dívida, a maioria não consegue honrar as parcelas negociadas. “A conta não está fechando”, afirmou o dirigente.

 

 

 

 

 

Nanicos se preparam para ‘ajuste fiscal’

Siglas que não alcançarem número mínimo de votos terão acesso restrito ao Fundo Partidário
Por: VÍTOR MARQUES e BRUNO VIEIRA

 

 

 

A reforma política aprovada pelo Congresso obrigará os partidos nanicos a passar por um ‘ajuste fiscal’. Pelas novas regras, os repasses serão ínfimos para um punhado de legendas. “Essa cláusula quase obriga o partido a atuar fora das instituições”, protesta o presidente do PSTU, Zé Maria.

 

 

A cláusula a qual ele critica é a de desempenho. A partir das eleições de 2018, haverá uma barreira (um mínimo de votos necessários) para que um partido receba o recursos públicos do Fundo Partidário, apor- te financeiro que as legendas registradas no TSE recebem anualmente.

O fundo já existia antes da reforma política, que criou um novo fundo, o chamado fundo eleitoral para financiar campanhas.

Pelo texto aprovado na reforma, para ter acesso ao fundo os partidos terão de obter 1,5% dos votos válidos em, no mínimo, um terço das unidades da federação. Em 2030, este porcentual subirá para 3%. Ou seja: os partidos que não conseguirem 1,5% dos votos válidos em 2018 ficam sem acesso ao Fundo Partidário, bem como ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral.

“Vamos nos manter com a contribuição dos trabalhadores e com a militância do partido”, disse Zé Maria. O PSTU recebeu R$ 2,4 milhões ao longo do ano de 2016, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O valor era proporcional ao número de votos obtidos pelo partido na eleição de 2014: 188.473 ou 0,19% do total dos votos válidos.

“Nós existimos há 23 anos na ‘clandestinidade’, mesmo sem o fundo o partido não vai acabar. Nós vamos continuar atuando politicamente”, afirmou Edmilson Costa, secretário-geral do PCB, outro partido que deve ser atingido pela mudança eleitoral.

Aluguel de sedes. Segundo ele, o PCB, que tem 22 sedes espalhadas pelo Brasil, ainda não tem um projeto concreto de como gerar mais receitas caso a legenda perca, de fato, recursos do fundo. De acordo como secretário-geral do partido, o dinheiro do fundo é usado para custear viagens, aluguel de sedes pelo País e salários de funcionários.

“O que recebemos não é grande coisa”, disse. Em 2016, o PCB recebeu cerca de R$ 1,5 milhão. Só o PCO, outro “nanico”, recebeu R$ 1,1 milhão no mesmo ano. Nenhum deles atingiria 1,5% dos votos válidos em 2018 caso repitam o desempenho de 2014 nas urnas.

O corte de recursos deve ser maior aos chamados partidos médios, como o Avante (ex-PT do B). Graças aos votos (808 mil) nesta legislatura, o partido recebeu R$ 7 milhões. Esse número de votos, porém, não seria suficiente para superar a cláusula de desempenho em 2018.

Em nota, o Avante afirma sua meta para 2018 é obter votos necessários para ultrapassar a nova ‘nota de corte’. “O projeto contempla forte bancada de forma a superar a cláusula de barreira recém criada, mantendo assim todos os direitos, inclusive acesso ao Fundo Partidário.” / VÍTOR MARQUES e BRUNO VIEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADO