Valor econômico, v. 17, n. 4362, 17/10/2017. Brasil, p. A2.

 

 

Corrupção e crescimento

Antonio Delfim Netto

17/10/2017

 

 

Mesmo diante dos perturbadores movimentos de "judicialização da política" e da "politização da justiça" que se abatem sobre o país, é impossível negar que, desde a posse do presidente Temer, a economia revela sinais promissores: 1) a tremenda recessão de 2015/2016 (uma queda do PIB per capita de 9%) deve dar lugar em 2017 a um crescimento positivo da ordem de 0,8%, com a perspectiva de qualquer coisa em torno de 2,5% em 2018; 2) a inflação de quase 11% em 2015 cedeu para 6,3% em 2016 e deve ser próxima de 3% em 2017, permanecendo abaixo da meta de 4,5% em 2018; e 3) o gigantesco desemprego de 13 milhões de trabalhadores de 2016, herança da recessão, começa a inverter o seu sinal.

A aplicação da reforma trabalhista aprovada tem condições de minorar esse inacreditável desperdício do mais importante recurso da sociedade. Teremos, talvez, de enfrentar um problema mais complicado que envolve a "politização da justiça", quando "juízes" revelam sua submissão à ideologia e não à lei. As ações de inconstitucionalidade já apresentadas ao STF e a indisposição visível de alguns ministros do STF, que pretendem colocar sua vontade acima da lei.

Apesar do pequeno milagre conseguido pela capacidade de articulação política de Temer, a aprovação do limite constitucional dos gastos públicos (emenda constitucional 95/2016), a situação fiscal ainda é muito preocupante. O déficit primário continua às voltas de 2,4% do PIB e a perspectiva de melhora é pequena. Tudo indica que, sem a cooperação do BNDES, a relação dívida bruta/PIB atingirá 80% em 2018 e continuará a crescer, seja lá quem for o eleito em 2018.

A Lava-Jato é um momento de inflexão na história do país

Não há saída, a não ser a aprovação de uma reforma da Previdência. O ano de 2017 está fechado para efeito fiscal. Podemos, portanto, afirmar que hoje 92% das despesas primárias são "obrigatórias"! Em outras palavras: sobre elas não há o menor controle. Têm correção automática. Pois bem, 2/3 das despesas obrigatórias são gastos com a Previdência (57%). Para ter uma ideia sobre o tamanho dessa generosa aposentadoria, basta lembrar que, na média, nos países da OCDE com uma população de idosos maior do que a nossa, não supera 20%.

Se quisermos continuar a usar a política de salário mínimo para reduzir a desigualdade na distribuição salarial, o que parece razoável, é preciso separá-lo da correção - absoluta e rigorosa - das aposentadorias e da seguridade, que devem manter íntegro apenas o seu poder de compra. Recentemente, demos "ganhos de produtividade" até a pensionistas! Um exercício aritmético elementar mostra a impossibilidade de atender ao controle dos gastos (emenda constitucional nº 95) sem medidas que reduzam o crescimento automático dessas despesas. As reformas que não forem feitas pelo governo Temer terão, necessariamente, de ser realizadas pelo próximo presidente, ou teremos o agravamento da situação fiscal.

É evidente que a atual recuperação do PIB através do estímulo ao consumo é um expediente de curto prazo. Funciona relativamente bem na expansão cíclica, que simplesmente ocupa a capacidade ociosa construída durante a recessão. Mas crescimento mesmo, isto é, crescimento robusto, inclusivo e sustentável, só com a ampliação dos investimentos no setor onde eles são necessários a "olho nu": na infraestrutura!

Isso só pode ser conseguido com uma redução das incertezas, com a insistência em algumas privatizações e com concessões bem feitas em leilões de projetos que integrem uma visão sistêmica do que desejamos que a nossa economia seja em 2040. Temos de decidir se vamos nos acomodar em ser um país com a renda inferior à média do mundo, e à estrutura de colônia a que nos levou a política econômica dos últimos 30 anos, ou se vamos tentar recuperar um crescimento mais robusto, mais estável e mais equânime como tivemos no passado.

O FMI começou agora a preocupar-se com o problema da corrupção no mundo. Um competente economista brasileiro, o professor Carlos Eduardo Gonçalves, ora em seus quadros, estudou o problema. Em entrevista a Luciana Dyniewicz, em "O Estado de S. Paulo", de 13/10, ele afirmou: "O Brasil está no holofote por causa da Lava-Jato, mas está no meio dos países da América Latina. Somos tão corruptos quanto se esperaria... Sempre falando de percepção de corrupção... que é o indicador que temos disponível, porque a corrupção não é observável".

Como a corrupção tende a reduzir a produtividade da economia, a sua redução tende a acelerar o crescimento. Esse é o ponto. A Operação Lava-Jato é um momento de inflexão na história do país. Ela mostrou o profundo desperdício dos investimentos produzidos pela ilusão de grandeza da Olimpíada, cuja taxa de retorno foi praticamente nula. Criaram emprego efêmero e agora têm que ser digeridos aumentando a despesa corrente.

A importância da Lava-Jato será duradoura e acelerará o crescimento futuro, mas o Brasil não é, como a pressão mediática insiste, "o país mais corrupto do mundo e que só uma solução radical poderá resolver". Pelo contrário, é muito melhor corrigi-la respeitando o Estado democrático de direito, como estamos tentando fazer.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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