Título: TCU investiga jogo duplo
Autor: Amado, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2012, Política, p. 5

Auditoria do Tribunal de Contas da União é aberta para verificar o conflito de interesses de peritos responsáveis pela avaliação dos projetos beneficiados pela Lei Rouanet

» O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma auditoria para analisar os conflitos de interesse no trabalho dos peritos contratados pelo Ministério da Cultura (MinC) para avaliar os projetos beneficiados pela Lei Rouanet. Conforme o Correio mostrou no último dia 22, a falta de filtro da pasta na contratação desses profissionais criou um sistema em que os pareceristas acumulam uma série de vantagens em relação ao resto do mercado. Na sexta-feira, o deputado Stepan Nercessian (PPS-RJ) já havia encaminhado um requerimento à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, pedindo explicações sobre o funcionamento do banco de pareceristas.

Segundo o ministro substituto André Luís de Carvalho, que criticou em auditoria no ano passado a fiscalização de projetos culturais beneficiados pela Lei Rouanet, o trabalho realizado é "no mínimo estranho". "É um fato novo, sobre o qual nossos técnicos ainda não haviam se debruçado. A unidade técnica do TCU vai fazer uma auditoria e acompanhar eventuais desvios de atribuição", explicou.

Na raiz do problema, está a ausência de uma norma que delimite a atuação profissional dos peritos contratados. Com um CNPJ respondendo pela pessoa jurídica e um CPF, pela pessoa física, um mesmo cidadão pode atuar como proponente de um projeto e parecerista. Já houve casos de um perito receber o próprio projeto para analisar. Foi o que ocorreu com o perito Sérgio Mendonça, dono da gravadora Pôr do Som, que afirmou ter se recusado a analisar a sua proposta. Pelas regras em vigor no MinC, fica a cargo da boa-fé dos peritos, que devem informar a pasta quanto estão vinculados à empresa cuja proposta recebem para avaliar.

A norma foi criada porque é comum que os pareceristas atuem nas áreas das empresas incumbidas de lidar com as leis de incentivo. É o caso da produtora executiva do grupo circense Os Parlapatões, Cristiani Zonzini, que é perita e a responsável, no grupo, de formatar as propostas da empresa que pleiteiam enquadramento na Lei Rouanet. Ainda à espera que o MinC envie o primeiro pedido de parecer, a produtora não pretende avaliar projetos dos Parlapatões.

Outra vantagem de que os peritos gozam é a permissão concedida pelo MinC para que eles possam ver quem são os outros pareceristas encarregados de analisar cada proposta. "Se um projeto meu é negado, eu consigo saber quem é, mas o proponente não tem esse acesso", afirmou ao Correio um parecerista que também é proponente.

Renúncia fiscal O ministro André Luís de Carvalho também ressaltou a importância de o MinC ter mecanismos que consigam direcionar melhor os incentivos fiscais, evitando casos como o da empresa Time For Fun (T4F), que no ano passado foi autorizada a captar mais de R$ 30 milhões em projetos como os musicais A família Adams e Bruxas de Eastwick, e os shows Circo da China e Disney on Ice.

Em 2010, o próprio ministro André Luís de Carvalho havia determinado que fosse elaborado um decreto com critérios para evitar a concentração de incentivos fiscais num mesmo beneficiário ou segmento. No início de fevereiro, o MinC elaborou uma instrução normativa com as regras, limitando que cada proponente receba no máximo 3% do montante previsto.

Considerando que em 2012 o valor da renúncia fiscal prevista na Rouanet, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é de R$ 1.192.534.925, uma só empresa poderá este ano ser autorizada a captar R$ 35,7 milhões. As novas regras não impedem, porém, que a Lei Rouanet beneficie projetos como os musicais da Time For Fun, que teriam mais facilidade para captar patrocínio sem precisar de dinheiro público. O Ministério da Cultura informou que não foi comunicado sobre a auditoria e só irá se pronunciar após receber a notificação do TCU.