Título: Cobiça sobre assentamentos
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2012, Política, p. 4

Recursos do Incra destinados a produtores familiares viram oásis para lideranças partidárias

O rateio dos R$ 400 milhões que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) investe na modalidade de empréstimos e financiamentos para assentamentos virou um filão de lideranças partidárias nos acampamentos. Com o argumento de desburocratizar a concessão de recursos públicos para que as famílias de agricultores se instalem, o Incra deposita recursos em contas individuais de pessoas físicas, para que o beneficiário decida onde aplicar o dinheiro nos assentamentos.

Graças ao personalismo do modelo de administração, que substitui o repasse a entidades sem fins lucrativos, multiplicam-se pelo país histórias de lideranças partidárias beneficiadas com os recursos do Incra diretamente em seus CPFs, a exemplo de Edmilson Rodrigues de Santana, do PT de Mato Grosso. Militante do movimento sem-terra, Edmilson trocou o PDT pelo PT no mesmo dia (4 de agosto de 2011) em que o Incra depositou R$ 10,9 milhões em sua conta, para aquisição de material e construção de casas para famílias assentadas no Projeto de Assentamento (PA) Bordolândia, no município de Bom Jesus do Araguaia.

A possibilidade de gerir os recursos levou militantes do PT e do PCdoB a uma guerra no Assentamento Presidente Lula, na zona rural de Cristalina (GO). Quando o assentamento foi criado, em 2009, Inácio Pereira Júlio Filho, secretário do PCdoB de Cristalina, foi escolhido pelas famílias como o representante da comunidade. Ele se filiou ao PCdoB em julho de 2011. Em agosto, R$ 566 mil foram depositados pelo Incra em sua conta, para crédito de instalação e habitação no Assentamento Presidente Lula.

Também assentado no acampamento que leva o nome do ex-presidente, o petista José Mário Silva de Souza questionou o comando do comunista e criou uma nova associação, para também receber recursos. Ex-servidor da Presidência da República (de 2003 a 2005) e contratado da Secretaria de Agricultura da Cristalina, José Mário levou a maioria das famílias para seu comando, com o argumento de que seu bom trânsito nos órgãos públicos poderia trazer mais benefícios para o assentamento.

Para medir forças com o outro líder do assentamento, José Mário contratou o Instituto Terra e Trabalho (ITT) — ONG dirigida por ele — para fazer o Projeto de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) e recolheu R$ 72 mil das famílias do PA Presidente Lula para pagar a entidade. Mesmo assim, o projeto não foi feito. De acordo com o Incra, a contratação da empresa para realizar o PDA é feita diretamente pelo governo, e o que foi feito no assentamento é irregular.

Na briga pelo comando do PA Presidente Lula, Inácio acusa José Mário de ser um "turista de assentamento" e de não ter estilo de vida condizente com a rotina de assentado — o petista dirige uma picape nova, tem um imóvel em Samambaia e afirma morar em uma barraca construída com troncos e lona no assentamento. José Mário garante que mora no assentamento. "O apartamento em Samambaia não está no meu nome, está no da minha esposa. Eu trabalho todos os dias na Secretaria de Agricultura de Cristalina, não sou contratado pela prefeitura, presto serviço na área fundiária." José Mário afirma que deixou o salário de R$ 6 mil no serviço público para ganhar R$ 1,4 mil com agricultura familiar e "fazer o que gosta."

Pré-candidatos Enquanto o petista e o comunista brigam, a miséria e a falta de estrutura tomam conta do assentamento. O Correio percorreu o PA Presidente Lula e constatou que, apesar de as famílias terem parcelas de 13 hectares para ganhar a vida, a maior parte da terra continua improdutiva e no enclave de gigantescas plantações de soja há apenas algumas culturas de milho, abóbora e pimenta nos terrenos. Apesar disso, Inácio e José Mário são apontados no assentamento como pré-candidatos a vereador nas eleições destse ano.

O Incra respondeu ao Correio que os depósitos em nome de pessoas físicas são feitos em uma "conta bloqueada" e os recursos são utilizados apenas para o pagamento direto de fornecedores de bens ou serviços e as movimentações são feitas com a autorização do governo. O instituto acrescenta que o nome dos beneficiários é escolha das famílias de trabalhadores rurais e que não tem ingerência sobre a vida partidária dos representantes dos assentamentos. "A decisão dos representantes a figurarem nessas contas é feita livremente pelos assentados. Por intermédio de uma assembleia, as famílias escolhem essa representação, podendo recair em seus pares (pessoas físicas) ou uma associação de assentados do projeto."