Título: A reforma agrária no alvo das negociatas
Autor: Prates, Maria Clara
Fonte: Correio Braziliense, 04/03/2012, Política, p. 3

Em 10 anos, 13% das 790 mil famílias assentadas perderam o direito ao terreno por problemas como abandono da área e revenda ilegal

Belo Horizonte — As negociatas feitas com terras da União destinadas a assentamento de trabalhadores rurais são responsáveis por 35% de todas as exclusões de beneficiários do programa de reforma agrária do país, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Por causa disso, entre 2001 e 2011, 103 mil famílias participantes do programa perderam o direito à terra. O número representa 13% da quantidade total de 790 mil assentadas em todo o país nos últimos 10 anos. Se os índices já impressionam, o número pode ser ainda maior. Tudo porque o próprio Incra admite a existência de subnotificações — o que deve elevar a quantidade de exclusões nos próximos anos.

Para se ter ideia da burocracia, foram consumidos quatro anos entre a fiscalização do Incra, em nove assentamentos do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, na região Oeste de Minas Gerais, até que chegasse à Justiça Federal ação civil pública para punir os irregulares e retomar terrenos. Não bastasse a perda de terrenos pelo comércio irregular das propriedades, o fracasso do modelo de reforma agrária no país está retratado ainda pelo elevado número de abandonos das terras: 44% dos beneficiados desistem do espaço, desestimulados pela falta de recursos e incentivo de plantio.

Em todo o país, o estado que coleciona os piores índices de reforma agrária, proporcionalmente, é Roraima, no extremo Norte do país. Lá, um em cada cinco, ou 19,8% dos beneficiários, foi excluído do programa. No estado, 15.765 famílias foram beneficiadas, mas mais de 3,4 mil desistiram de explorar a terra poucos anos após terem recebido o terreno. Em Minas Gerais, onde o Incra admite ter irregularidades em todos os 266 projetos de assentamento, o índice é de 13%.

O leque de problemas é grande. Vai de abandono do terreno, revenda ilegal, construção de igrejas evangélicas, grilagem da terra por fazendeiros, criadores de gado e cavalos, comerciantes até mesmo a padres. Nos últimos 10 anos, o Incra selecionou, em Minas Gerais, 15,5 mil agricultores familiares para a reforma, mas 2 mil deles abandonaram os terrenos ou repassaram os espaços a terceiros.

Irregularidades Quando se analisam os problemas detectados por distintas regiões brasileiras, a campeã de irregularidades é a Centro-Oeste. Os três estados mais o Distrito Federal, registram índices de 19,8% de exclusões entre os assentados. Os números demonstram o tamanho do problema: dos 149,8 mil agricultores familiares beneficiados, 29,6 mil desistiram do cultivo. Na região, Mato Grosso foi o estado com índices mais elevados de distorções. Das 72,7 mil famílias beneficiadas, houve uma exclusão de 24,5% do total, ou seja, 17,8 mil trabalhadores rurais. Segundo o Incra, a comercialização ilegal de lotes é o segundo maior motivo de retirada de beneficiários da reforma agrária.

O primeiro lugar fica mesmo com o abandono da terra que deveria ser destinada ao cultivado com vista à subsistência. Na última década, 44,4 mil agricultores familiares deixaram o programa de reforma agrária depois de desistirem do cultivo e 36,5 mil negociaram ilegalmente seus terrenos, muitos por desconhecerem as regras do programa de reforma agrária. Outros 12,6 mil largaram o projeto por não cumprimento de cláusulas ou inadaptação às normas. Sindicatos de trabalhadores rurais, em diferentes regiões, estimam que em alguns projetos a porcentagem de problemas pode chegar a 60% dos lotes.