O globo, n. 30884, 26/02/2018. ECONOMIA, p.15

NO FUNDO DO POÇO

 BRUNO ROSA

 
 
 
Sem novos leilões, produção de petróleo em terra recua 40% desde o fim do monopólio do setor

A produção de petróleo em terra chegou, literalmente, ao fundo do poço. Os campos terrestres espalhados principalmente pela Região Nordeste fecharam 2017 amargando seu pior desempenho desde o fim do monopólio da Petrobras no setor. De lá para cá, a produção de óleo terrestre caiu de 212 mil barris diários em 1998 para os atuais 127 mil por dia, uma queda de 40%, revelam dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O recuo acentuado começou a ganhar força nos últimos anos, dizem especialistas, com a paralisação das rodadas de licitações no país, a crise na Petrobras e a redução do preço do barril no mercado internacional.

O movimento, no entanto, é o inverso do que ocorreu em outros países, como Estados Unidos, Canadá, Argentina e Colômbia, que, nos últimos anos, tiveram avanço na exploração em terra com o advento de novas técnicas capazes de elevar a produção, mudando a geopolítica internacional do petróleo e afetando a Opep, organização que reúne os maiores exportadores de petróleo do mundo.

 

VENDA PARADA APÓS QUESTIONAMENTO DO TCU

A produção em terra nos EUA utiliza técnicas não convencionais, como o fraturamento hidráulico (fracking). Dessa forma, o petróleo produzido a partir dessa técnica é chamado de tight oil. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a produção subiu de 421,62 mil barris por dia, em 2010, para 4,485 milhões de barris diários no ano passado. Um aumento de quase 1.000%. Esse modelo de produção, porém, é alvo de críticas por seu impacto ambiental.

Assim, a produção em terra no Brasil responde atualmente por cerca de 8% do total extraído, contra 50,6% do pré-sal e 41,4% do pós-sal, diz a ANP. Porém, há uma expectativa de que esses números possam mudar nos próximos anos. Segundo empresários, a Petrobras — dona dos principais campos em terra — já está negociando com o mercado a venda de 69 campos terrestres, em um processo que foi iniciado há três anos e foi paralisado após questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado. Além disso, a própria ANP está desenhando um novo ambiente regulatório para atrair mais investidores, com redução de royalties e o uso das reservas como garantia bancária.

— Uma série de fatores ajuda a explicar o cenário hoje. A Petrobras vem demorando para vender os campos, ficamos muitos anos sem leilões e ainda tivemos a queda no preço do petróleo, que fez a Petrobras direcionar os investimentos para os campos do pré-sal. Por isso, temos um cenário diferente do exterior, em países como Equador, Peru, Canadá e Estados Unidos. Só o investimento vai aumentar a produção — disse Sergio Paez, presidente da Petrosynergy, empresa com 17 campos no Rio Grande do Norte, na Bahia e no Espírito Santo, que consumiram investimentos de R$ 150 milhões nos últimos 18 anos.

 

IMPACTO NA ECONOMIA DO INTERIOR DO PAÍS

Para as empresas, a venda dos campos pela Petrobras será essencial para destravar os investimentos. Isso porque, embora haja 22 companhias privadas extraindo petróleo terrestre no país, a Petrobras domina o setor, respondendo, segundo a ANP, por cerca de 92% do total produzido em terra. Procurada, a estatal não comentou o assunto. Segundo Anabal Santos Junior, secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), a reativação da atividade em terra é importante para gerar empregos e reaquecer a economia do interior do país.

— Como a Petrobras vai investir em um campo que ela está querendo desinvestir? Enquanto isso, o país vê essa queda com a produção em terra. É preciso mudar esse cenário. As produtoras independentes têm uma alta média de 6% na produção ao ano enquanto a Petrobras tem queda de 20% anual — disse Junior.

Para mudar esse cenário e atrair mais investidores, a ANP vem fazendo uma série de mudanças nas regras do setor. Algumas delas envolvem diretamente os ativos que serão vendidos pela Petrobras. Segundo Décio Oddone, diretor-geral da ANP, os novos compradores dos blocos poderão prorrogar a fase de concessão dos contratos, uma demanda das empresas hoje, já que os atuais contratos estão para vencer. Oddone destacou ainda que os custos com o abandono de poços já fora de produção ficarão a cargo do operador original.

— É preciso mais investimento. O Brasil tem 30 mil poços perfurados até hoje. Isso é o que os EUA fazem por ano. Por isso, a concessão vai ser renovada de acordo com o plano de investimento apresentado pelo comprador para recuperar o campo. E com a parcela incremental desse aumento de produção haverá redução da cobrança de royalties. Isso vai aumentar a produtividade e estimular a produção. Outro ponto importante é que estamos regulamentando com os bancos o uso das reservas como garantia de financiamento. Essa mudança, que ficará pronta neste primeiro semestre, vai permitir às companhias acesso a mais recursos — antecipou Oddone.

 

OFERTA PERMANENTE DE BLOCOS

O diretor-geral da ANP lembrou ainda que a agência terá cerca de 1.500 blocos em terra em oferta permanente para as empresas interessadas em comprar novas áreas a partir de maio. Estarão nesse modelo campos das bacias do Espírito Santo, Recôncavo, Sergipe-Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará, além de espaços que não foram contratados em leilões anteriores:

— Vamos começar a receber as primeiras manifestações de interesse em maio. Será algo destinado a pequenas e médias empresas. Assim, a partir da 15ª Rodada, só vão entrar campos das chamadas novas fronteiras, como Parnaíba e Paraná.

Segundo Marcelo Campos Magalhães, presidente da PetroRecôncavo, embora o monopólio tenha acabado há 20 anos, a Petrobras ainda tem um domínio muito grande sobre o setor. É por isso, disse, que uma redução dos investimentos da estatal cria um efeito cascata, afetando até as companhias concorrentes, sobretudo, as de menor porte. Sem a demanda da Petrobras, muitos fornecedores e prestadores de serviços para os campos em terra acabaram fechando as portas.

— Em média, um poço falha a cada 24 meses. Como faz para arrumar se é difícil achar fornecedor? Por isso a produção sofre. Operamos, hoje, 12 campos no Recôncavo, na Bahia. Desde que começamos a atividade nessas áreas, em 2000, dobramos a produção — disse Magalhães, que investiu mais de R$ 450 milhões desde 2010.