O Estado de São Paulo, n. 45291, 18/10/2017. Economia, p. B4.

 

'Trabalho escravo' faz fiscal parar atividades

Lu Aiko Otta

18/10/2017

 

 

Auditores de oito Estados alegam falhas técnicas na portaria do governo federal

 

 

Fiscais do Trabalho de pelo menos oito Estados decidiram parar após a edição da portaria que modifica as regras de combate ao trabalho escravo. Eles afirmam não saber que norma aplicar: a que estava em vigor até o início desta semana ou a nova, que consideram insustentável pelas falhas técnicas e jurídicas que contém.

A insegurança jurídica fez parar as fiscalizações em São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, de acordo com informações do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). O Ministério do Trabalho disse não ter recebido “nenhuma informação oficial sobre a paralisação de auditores.”

Um dia após sua edição, era grande a pressão contra a Portaria 1.129. O Ministério Público e o Ministério Público do Trabalho recomendaram ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que revogue a norma. Segundo analisaram os procuradores, ela contraria leis como o Código Penal, duas convenções da Organização Internacional do Trabalho, decisões do Supremo Tribunal Federal e a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Num choque com o comando da Pasta, o secretário substituto de Inspeção do Trabalho, João Paulo Ferreira Machado, orientou os auditores a, na prática, ignorar a portaria e informou que pedirá ao ministro sua revogação, dada a quantidade de falhas técnicas e jurídicas.

Pelo menos dois projetos de decreto legislativo foram apresentados para revogar a portaria: um de autoria do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) e outro do deputado Roberto de Lucena (PV-SP). O senador Paulo Paim (PT-RS) disse que a Comissão de Direitos Humanos do Senado fará requerimento para que o ministro explique a portaria e a revogue.

Apesar da reação, o presidente Michel Temer estava ontem disposto a manter a portaria. Uma eventual revogação da medida poderia indispor Temer com a bancada ruralista, às vésperas da votação da denúncia contra ele na Câmara dos Deputados. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne deputados e senadores ruralistas, já afirmou que a norma vem

ao encontro de pautas da bancada. Apesar disso, auxiliares reconheceram que a norma pode ser revogada, caso a pressão aumente. Recentemente, o presidente recuou da extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca).

Um interlocutor do presidente comentou que a reação negativa decorre da “incompreensão” do que pretende a norma, que é dar mais segurança aos fiscais no exercício de suas funções. Em nota, o Palácio do Planalto afirmou que somente o Ministério do Trabalho se pronuncia sobre o teor da portaria.

 

Retrocesso. A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, afirmou que a portaria não pode passar por cima do Código Penal e da Constituição. “O trabalho escravo é destruidor e quem pratica esse tipo de crime não pode ficar impune”, disse. Afirmou que, se tivesse sido ouvida sobre a decisão, se posicionaria contra. “Não podemos retroceder em nenhuma área, muito menos na escravidão”, ressaltou. Luislinda afirmou que pretende conversar com Temer sobre aportaria.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, divulgou na rede social um ano tadea p oi oà portaria, parabenizando o presidente e o ministro Ronaldo Nogueira. Segundo avaliou, aportaria dá critério às fiscalizações. Também a Câmara Brasileira da Indústria da Construção(Cbic) apoiou aportaria. Segundo a entidade, a norma fecha“brechas que induze mamá aplicação da legislação em vigor ”.

Questionado sobre a recomendação do Ministério Público e da própria área técnica, o Ministério do Trabalho reafirmou sua posição sobre aportaria: que ela aprimora e dá segurança jurídica à ação do Estado no combate ao ilícito. / COLABORARAM LEONENCIO NOSSA, RAFAEL MORAES MOURA, TÂNIA MONTEIRO E CARLA ARAÚJO

 

Regras. Ministra Luislinda disse que se fosse consultada se posicionaria contra portaria

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Entidades vão à ONU para tentar barrar portaria

18/10/2017

 

 

Entidades recorrem à ONU contra a decisão do governo brasileiro de modificar a definição de trabalho escravo e de deixar nas mãos do ministro do Trabalho a inclusão de empresas na chamada “lista suja”, que engloba aqueles que desrespeitam os direitos trabalhistas.

Num apelo urgente enviado ontem a alguns dos principais relatores da ONU, a entidade Conectas e a Comissão Pastoral da Terra solicitam que a ONU peça a revogação imediata da medida. Para as entidades, a portaria “con- traria a Constituição, o Código Penal e instrumentos internacionais dos quais o Brasil é parte”.

Num documento de mais de 20 páginas, as duas organizações condenam veementemente a portaria e argumentam que a decisão do governo representa o “ataque mais violento contra o sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”.

O documento também “alerta para o dano irreparável que a medida pode trazer aos direitos dos trabalhadores e pede a revogação imediata da portaria, a garantia de destinação de recursos para o combate ao trabalho escravo e que o Estado brasileiro se comprometa a não promover mais retrocessos nessa área”./ J.C.