O Estado de São Paulo, n. 45290, 17/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Aliados culpam Supremo por vídeos

Interlocutores do Planalto tentam dissipar nova crise entre presidente e Maia e avaliam que ‘erro original’ foi da Corte por não explicitar sigilo

Por: Isadora Peron / Tânia Monteiro / Breno Pires / Rafael Moraes Moura

 

Isadora Peron

Tânia Monteiro

Breno Pires

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

 

Para tentar dissipar a nova crise entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Michel Temer, interlocutores do governo resolveram creditar na conta do Supremo Tribunal Federal (STF) a divulgação dos vídeos da delação do operador Lúcio Funaro. O material foi colocado no site da Câmara no fim de setembro e gerou um bate-boca entre Maia e o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, no fim de semana.

Nomes próximos a Temer classificaram que o “erro original” foi do Supremo – especialmente do relator Edson Fachin – que teria enviado o material à Câmara sem deixar claro o que deveria ser mantido sob sigilo e o que poderia ser divulgado. Ontem, a presidência do STF atribuiu a Fachin, relator da denúncia contra Temer, a responsabilidade sobre o que foi informado à Câmara em relação a conteúdos sigilosos na denúncia.

Até ontem à noite, Fachin não se pronunciou sobre se informou à Câmara ou não a necessidade de preservar o sigilo da delação de Funaro. Em nota publicada anteontem, Maia afirmou que, no material enviado pelo Supremo não havia nenhuma “determinação de restrição de acesso a qualquer parte da documentação”.

“Como é possível depreender da leitura das decisões que encaminharam a denúncia e as cópias dos inquéritos à Câmara dos Deputados, não há determinação de restrição de acesso a qualquer parte da documentação. A única ressalva incide sobre a Petição N.º 7.099, procedimento que tramita sob segredo de Justiça. Essa informação foi confirmada pelo próprio presidente da Câmara em reunião com o relator, ministro Edson Fachin, e com a ministra Cármen Lúcia, no Supremo”, disse a nota da Câmara.

A reportagem perguntou ao gabinete do ministro Fachin se, nessa reunião, foi feita uma ressalva ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que os conteúdos relacionados a Lúcio Funaro deveriam permanecer sigilosos. Não houve resposta a esse questionamento. Até agora, o único posicionamento formal do gabinete do ministro foi de que nunca houve a retirada do sigilo da delação.

Na noite do domingo, a ministra Carmen Lúcia, por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou uma nota sobre o tema. “O ofício da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ao presidente da Câmara dos Deputados é ato formal de encaminhamento de documentos despachados pelo ministro-relator, Edson Fachin. À presidente não compete, nem ela pode, analisar a decisão do ministro-relator”, informou a nota.

 

Crise. No domingo, o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, jantou com Maia para tentar diminuir o mal-estar entre o presidente da Câmara e o Palácio do Planalto. Ontem, aliados de Temer afirmaram que o assunto sobre a divulgação dos vídeos “estava resolvido”.

O vice-líder do governo na Casa, deputado Beto Mansur (PRB-SP), também minimizou o clima de animosidade e afirmou que, ao dar publicidade aos vídeos de Funaro, Maia agiu com o respaldo do STF. “Não vejo nenhum tipo de problema de relacionamento entre Maia e Temer”, afirmou.

“O Maia tem sido um aliado fundamental para o sucesso do governo, principalmente no avanço das pautas econômicas. Nada desse resultado positivo que a gente está alcançando seria possível sem o apoio de Maia”, afirmou o líder do PMDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP).

 

Vídeos. Os vídeos da delação de Funaro foram divulgados no site da Câmara em 29 de setembro, com outros documentos relacionados à segunda denúncia contra Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). O material foi enviado pela presidente do Supremo, Cármen Lúcia, por meio de ofício expedido em 21 de setembro, uma semana após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar a denúncia. / COLABOROU DAIENE CARDOSO

 

Nota. No domingo, assessoria de Cármen Lúcia informou que não compete a ela analisar decisão do ministro-relator

 

Formal

“O ofício da presidente do STF ao presidente da Câmara dos Deputados é ato formal.”

Cármen Lúcia

EM NOTA DO STF

 

PARA ENTENDER

Material estava em portal

Os depoimentos do operador Lúcio Funaro, que citam o presidente Michel Temer, foram divulgados no site oficial da Câmara dos Deputados, na página reservada à Comissão de Constituição e Justiça, no dia 29 de setembro, mas só foram revelados pela Folha de S.Paulo no dia 13 deste mês. No dia seguinte, o advogado Eduardo Carnelós, responsável pela defesa de Temer, divulgou nota afirmando que o “vazamento criminoso” tem “claro propósito” de constranger membros da CCJ. A declaração causou pronta reação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Não teve vazamento. O advogado é incompetente”, disse Maia, argumentando que o material não estava sob sigilo. Carnelós então recuou e disse que jamais quis imputar a Maia “a prática de ilegalidade, muito menos crime”. E citou ofício no qual a presidente do STF, Cármen Lúcia, “indicou serem sigilosos apenas autos de um dos anexos, sem se referir aos depoimentos do delator”.

Para tentar dissipar a nova crise entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Michel Temer, interlocutores do governo resolveram creditar na conta do Supremo Tribunal Federal (STF) a divulgação dos vídeos da delação do operador Lúcio Funaro. O material foi colocado no site da Câmara no fim de setembro e gerou um bate-boca entre Maia e o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, no fim de semana.

Nomes próximos a Temer classificaram que o “erro original” foi do Supremo – especialmente do relator Edson Fachin – que teria enviado o material à Câmara sem deixar claro o que deveria ser mantido sob sigilo e o que poderia ser divulgado. Ontem, a presidência do STF atribuiu a Fachin, relator da denúncia contra Temer, a responsabilidade sobre o que foi informado à Câmara em relação a conteúdos sigilosos na denúncia.

Até ontem à noite, Fachin não se pronunciou sobre se informou à Câmara ou não a necessidade de preservar o sigilo da delação de Funaro. Em nota publicada anteontem, Maia afirmou que, no material enviado pelo Supremo não havia nenhuma “determinação de restrição de acesso a qualquer parte da documentação”.

“Como é possível depreender da leitura das decisões que encaminharam a denúncia e as cópias dos inquéritos à Câmara dos Deputados, não há determinação de restrição de acesso a qualquer parte da documentação. A única ressalva incide sobre a Petição N.º 7.099, procedimento que tramita sob segredo de Justiça. Essa informação foi confirmada pelo próprio presidente da Câmara em reunião com o relator, ministro Edson Fachin, e com a ministra Cármen Lúcia, no Supremo”, disse a nota da Câmara.

A reportagem perguntou ao gabinete do ministro Fachin se, nessa reunião, foi feita uma ressalva ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que os conteúdos relacionados a Lúcio Funaro deveriam permanecer sigilo-

sos. Não houve resposta a esse questionamento. Até agora, o único posicionamento formal do gabinete do ministro foi de que nunca houve a retirada do sigilo da delação.

Na noite do domingo, a ministra Carmen Lúcia, por meio de sua assessoria de imprensa, di- vulgou uma nota sobre o tema. “O ofício da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ao presidente da Câmara dos Deputados é ato formal de encaminhamento de documentos despachados pelo ministro-relator, Edson Fachin. À presidente não compete, nem ela pode, analisar a decisão do ministro-relator”, informou a nota.

Crise. No domingo, o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, jantou com Maia para tentar diminuir o mal-estar entre o presidente da Câmara e o Palácio do Planalto. Ontem, aliados de Temer afirmaram que o assunto sobre a divulgação dos vídeos “estava resolvido”.

O vice-líder do governo na Casa, deputado Beto Mansur (PRB-SP), também minimizou o clima de animosidade e afirmou que, ao dar publicidade aos vídeos de Funaro, Maia agiu com o respaldo do STF. “Não vejo nenhum tipo de problema de relacionamento entre Maia e Temer”, afirmou.

“O Maia tem sido um aliado fundamental para o sucesso do governo, principalmente no avanço das pautas econômicas. Nada desse resultado positivo que a gente está alcançando seria possível sem o apoio de Maia”, afirmou o líder do PMDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP).

Vídeos. Os vídeos da delação de Funaro foram divulgados no site da Câmara em 29 de setembro, com outros documentos relacionados à segunda denúncia contra Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). O material foi enviado pela presidente do Supremo, Cármen Lúcia, por meio de ofício expedido em 21 de setembro, uma semana após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar a denúncia.

 

 

 

 

 

Oposição espera mudar votos na CCJ com delação

Por: Daiene Cardoso

 

Daiene Cardoso / BRASÍLIA

 

A divulgação dos vídeos da delação premiada do operador Lúcio Funaro e a busca e apreensão no gabinete e na residência do deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) deram novo fôlego à oposição para trabalhar pela admissibilidade da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara.

A estratégia da oposição será explorar os acontecimentos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), incluindo a exibição dos vídeos de Funaro durante a sessão de debates, prevista para começar hoje. A reunião no colegiado, no entanto, corre o risco de não ser realizada se não houver quórum no plenário principal para a segunda sessão do prazo regimental do pedido de vista.

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), articulador da oposição na CCJ, disse contabilizar agora 36 votos pela rejeição da denúncia contra 28 votos pelo prosseguimento do processo. Até a semana passada, os governistas diziam ter entre 38 a 44 votos a favor de Temer. “Esse placar vai se alterar muito mais”, disse Delgado.

 

Otimismo. Para o vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), os últimos acontecimentos não alteram o cenário pró-governo. “Temos um número de votos consolidado”, afirmou. Vice-líder da bancada do PMDB na Câmara, o deputado Mauro Pereira (RS) disse que o impacto dos vídeos de Funaro na base aliada é “zero”.

Dono da quinta bancada na Câmara, com 39 parlamentares, o PSD oficializou a troca de dois dos quatro titulares na CCJ. As mudanças devem ajudar Temer. A primeira troca foi do deputado Delegado Éder Mauro (PA), que era titular e passou a suplente. Na vaga, o PSD indicou Edmar Arruda (PA). A segunda alteração foi passar Expedito Netto (RO) de titular para suplente e colocar Evandro Roman (PR). / COLABOROU IGOR GADELHA

 

 

 

 

 

 

‘Fator Maia’ salvou presidente e pode complicá-lo

Por: Vera Magalhães

 

ANÁLISE: Vera Magalhães

 

A atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na condução da votação da primeira denúncia contra Michel Temer foi o fator preponderante para seu arquivamento.

O reconhecimento desse papel veio do próprio Temer e de seu entorno no Palácio do Planalto. Nos dias que antecederam e se seguiram à votação, era comum ouvir de ministros a avaliação de que houve um momento, logo depois de 17 de maio, que se Maia tivesse querido embarcar num plano para derrubar o presidente ele teria sido efetivo.

Quando tudo apontava que a segunda denúncia seria mais fácil de descartar – a economia se recuperando, Rodrigo Janot fora de jogo, a proximidade das eleições e a lambança da delação dos executivos do Grupo J&F –, o “fator Maia” vai se mostrando de novo crucial, só que ao contrário.

Ainda não está totalmente claro o que move o deputado do DEM em seu confronto com Temer. Apenas a disputa por deputa- dos no supermercado dos partidos não explica a sanha de romper com o governo a menos de um ano das eleições.

Afinal, se ele quisesse apenas assumir a cadeira, melhor seria tê-lo feito no primeiro semestre. Suceder Temer eventualmente tiraria o presidente da Câmara da disputa pela reeleição para a Casa – e consequentemente para o seu comando. Não é esse, portanto, o combustível a inflamar sua retórica.

Também é difícil imaginar que seu cálculo seja de ficar bem com “as bases”. Mais do que em qualquer outra unidade da Federação, no Rio de 2018 valerá a máxima de que quem tiver um olho (como o comando da Câmara) será rei.

Não é inteligente comprar briga com aquele que vai ditar as regras do jogo da votação da denúncia e tem a pauta das votações de interesse do governo nas mãos. Portanto, a reação do advogado de Temer, Eduardo Carnelós, ao esquisito episódio da divulgação dos vídeos da delação de Lúcio Funaro pelo site da Câmara, foi, de fato, de uma incompetência atroz no sentido político.

Assim, Temer, que teve de recorrer a mais uma carta lamuriosa para tentar conter o estrago do fim de semana, vai engolir o orgulho e tentar conter a rebeldia de Maia. Resta saber se é tarde demais.