O Estado de São Paulo, n. 45288, 15/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

Expulsões atingem só 1% dos filiados com mandato

Partidos. Exclusões não têm a ver com casos de corrupção ou investigações, mas com disputas locais pelo controle da máquina partidária em anos próximos à eleição municipal
Por: Marianna Holanda / Daniel Bramatti / Cecilia do Lago

 

Marianna Holanda

Daniel Bramatti

Cecilia do Lago

 

Os partidos políticos brasileiros fazem uma espécie de limpa em seus quadros, com expulsões de centenas e até milhares de filiados, de tempos em tempos. Diferentemente do que se pode pensar, essas ondas de expulsão nada têm a ver com escândalos de corrupção ou investigações criminais. Similares em todas as legendas, o que as explica é algo mais prosaico: disputas locais pelo controle da máquina partidária em anos próximos a eleições municipais.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que todos os partidos existentes e extintos fizeram 64 mil operações de expulsão desde 2007. Segundo análise do Estadão Dados, três em cada quatro dessas expulsões ocorreram em períodos perto de disputas locais – ou no ano da eleição ou no anterior. Em legendas como PMDB, PSDB, DEM, PR, PP e PSB, mais da metade das expulsões registradas em uma década se concentrou em 2015 e 2016. Logo atrás, estão PT, PDT e PTB, que tiveram entre 40% e 49% das suas expulsões nesse período.

Do total de expulsões, só 1% (541) pertence à elite política que conquistou mandatos para cargos municipais, estaduais ou mesmo federais. O levantamento não encontrou nenhum senador, governador ou presidente da República, mas foram localizados 471 vereadores, 59 prefeitos e 11 deputados estaduais que sofreram a mais alta sanção dos partidos pelos quais foram eleitos.

O professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Claudio Couto avalia que é natural que os ciclos acompanhem as disputas municipais. “Primeiro, porque há mais peixes pequenos do que peixes grandes. Os maiores embates acontecem localmente, é onde começam a se formar as lideranças importantes”, disse.

“Segundo, é mais fácil expulsar peixe pequeno do que peixe grande, porque este tem aliado.”

 

Elite. Desde o começo da Operação Lava Jato, os ditos “peixes grandes” ficaram mais em evidência. As listas dos ministros Teori Zavascki, morto neste ano, e Edson Fachin, relatores da força-tarefa, autorizaram a investigação de 49 e 63 parlamentares, respectivamente.

Também pela Lava Jato, encontram-se presos o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDBBA) e o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Enquanto eles continuam no PMDB, em 2013, um pedido de prisão expedido pelo STF levou à expulsão de Natan Donadon. Ele foi condenado a 13 anos em regime fechado pelos crimes de peculato e formação de quadrilha, acusado de desviar recursos da Assembleia Legislativa de Rondônia, quando a presidiu entre 1995 e 1999. Em números, a sigla que mais expulsou foi o próprio PMDB, com 8.350.

Em Brasília, a lógica de excluídos por brigas internas ou infidelidade partidária se sobrepõe a de escândalos. Em novembro do ano passado, o PR desligou Clarissa Garotinho – única parlamentar expulsa nos últimos dez anos – por votar contra a PEC do Teto dos Gastos. Outros três deputados também foram punidos por infidelidade: Rafael Motta (RN), Valtenir Pereira (MT) e Domingos Neto (CE) criticaram o uso do Fundo Partidário pelo Diretório Nacional do PROS e foram expulsos.

Proporcionalmente, o PSB foi o que mais expulsou, atingindo, em 2016, uma taxa de 171 a cada 100 mil filiados. “Em ano eleitoral, você sempre tem disputas com infidelidade, um candidato que comete um ato em discordância com a direção”, diz o secretário nacional, Roberto Casagrande. Apesar de ver com “estranheza” os números do TSE, assim como outras legendas maiores, o PSB não contabiliza os excluídos de seus quadros.

Todos os partidos têm código de ética genérico que tratam de irregularidades. No PT, em 2015, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em um programa de TV que a legenda expulsaria quem fosse condenado. Após dois anos, os ex-ministros José Dirceu, Antonio Palocci e o próprio Lula foram condenados. Nenhum deles integra os 5.359 expulsos desde 2007. Palocci, após criticar Lula, colocou sua desfiliação à disposição. Como o caso ainda está na Direção Nacional, oficialmente ele é filiado. “Nos casos de improbidade, o critério que o partido adota é o da democracia: o respeito ao direito de defesa e a exigência do trânsito em julgado das condenações”, diz Gleide Andrade, secretária nacional de organização do PT.

Alguns partidos questionam os dados do TSE. O Novo não confirmou as sete expulsões registradas em seus dois anos de existência. Conforme o dirigente André Strauss, os casos apresentados como expulsões se tratam de desfiliações. O tribunal computa ao PSTU 69 expulsões desde 2007. O presidente da sigla, Zé Maria, disse não se lembrar de ter excluído filiados. “Não expulsamos ninguém por divergência política. Expulsamos só por falha moral.”

O TSE diz que os dados foram informados pelas próprias legendas. / COLABORARAM BRUNO VIEIRA e RICARDO MAGATTI, ESPECIAIS PARA O ESTADO

 

 

 

 

 

 

‘Expurgos’ crescem antes de eleições

Por: Daniel Bramatti

 

ANÁLISE: Daniel Bramatti

 

Por mais diferentes que sejam entre si, os partidos se parecem muito quando o que se analisa é a expulsão de filiados. Em praticamente todos, os “expurgos” aumentam significativamente em períodos próximos a eleições municipais, segundo cálculos do Estadão Dados com base em números fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As ondas periódicas de expulsões reforçam uma constatação prévia de que as disputas municipais têm papel preponderante no ciclo eleitoral brasileiro. Reportagem publicada pelo Estado em 2014 já havia revelado que um pico de filiações ocorre no ano anterior ao da eleição para prefeito e vereador.

É muito provável que os dois fenômenos – ondas de filiações e de expulsões – este- jam diretamente relacionados. A entrada de novos filiados é promovida por políticos interessados no controle da máquina partidária local. Quem tem mais aliados com “ficha” no partido consegue dominar o diretório municipal, primeiro passo para obter a vaga de candidato a prefeito e para influenciar a formação da chapa dos concorrentes à Câmara.

Quem passa a comandar o diretório também conquista poder para excluir do partido grupos rivais – daí as ondas de expurgos de tempos em tempos.

Por mais localizados que sejam, esses fenômenos acabam tendo influência na política nacional. Partidos que mais ampliam suas listas de filiados têm mais chances de conquistar prefeituras. No poder, os prefeitos se transformam em cabos eleitorais de candidatos a deputado e ajudam suas siglas a obter mais cadeiras em assembleias estaduais e no Congresso. E partidos com mais deputados têm influência maior sobre os Executivos estaduais e o federal.