Valor econômico, v. 17, n. 4364, 19/10/2017. Brasil, p. A2.

 

 

FHC e Dodge atacam portaria do trabalho escravo

Luciano Máximo

19/10/2017

 

 

As críticas à portaria 1.129/2017, publicada nesta semana pelo governo para flexibilizar regras de combate ao trabalho escravo, ganharam força ontem. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defenderam a revogação do documento.

Dodge se reuniu ontem com o ministro da Trabalho, Ronaldo Nogueira, e pediu para que ele revogue a portaria, além de entregar um ofício ao titular da pasta formalizando a demanda. Ela entregou ofício ao ministro. No documento, Dodge avalia que a interpretação sobre trabalho escravo não deve se restringir à proteção da liberdade, mas também da dignidade. É justamente nesse ponto que, para a procuradora-geral, a portaria cria "retrocesso nas garantias básicas".

Em texto postado em seu perfil no Facebook, FHC disse que a medida do governo Michel Temer é inaceitável e que precisa ser revista o "mais brevemente possível". "Espero que o governo corrija o mais brevemente possível esse retrocesso na luta pelos direitos humanos, ensejado pela inaceitável portaria que abranda a definição de trabalho escravo", escreveu FHC.

FHC lembrou que em 1995 seu governo deu início à publicação da chamada lista suja, que cataloga empregadores que explorava o trabalho humano em condições inaceitáveis de superexploração, análogas à escravidão. A portaria em discussão determinou que a lista suja seja divulgada "por determinação expressa" do ministro do Trabalho, o que antes cabia à área técnica. O documento ainda altera conceitos de práticas ligadas ao trabalho análogo à escravidão. Para que sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo, agora terá que haver a restrição de liberdade do trabalhador.

Também nas redes sociais, artistas como Caetano Veloso, Diogo Nogueira e Nelson Sargento criticaram a portaria, afirmando que "Temer passou dos limites".

Em outra direção, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, expressou apoio à medida. "Ela vem organizar um pouco a falta de critério nas fiscalizações". A mesmo opinião é partilhada por alguns advogados. Bruno Freire e Silva, professor Fundação Getulio Vargas (FGV), argumenta que antes da polêmica portaria, as empresas autuadas tendiam a judicializar mais os casos por não terem muitas opções de defesa ainda no âmbito do processo administrativo.

"A portaria é uma reação a algumas injustiças que podem ter ocorrido ao direito de ampla defesa de empresas que tenham tido imputação. Com maior segurança jurídica, a tendência é de menor judicialização. As regras ficaram mais claras sobre inclusão na lista suja", diz Silva.

Antonio Peres, sócio do escritório Robortella Advogados, pondera que o tema da lista suja é polêmico desde sua origem no início dos anos 2000, com pelo menos duas portarias revogadas. "Em resumo, a portaria é feita de escolhas. Qualquer tipo de escolha para definir algo indeterminado vai gerar críticas. O mérito da escolha feita pela portaria é determinar segurança jurídica num tema sujeito a subjetivismos e o fato que assegura a empresa o direito ao contraditório e ampla defesa no processo administrativo, o que na prática não acontecia nos casos concretos."