O Estado de São Paulo, n. 45289, 16/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Vídeos de Funaro abrem nova crise Temer - Maia

 

 

Denúncia. Imagens da delação foram divulgadas no site da Câmara, presidida por aliado, com outros documentos relacionados à segunda denúncia contra o presidente

Por: Tânia Monteiro / Igor Gadelha / Andreza Matais

 

Tânia Monteiro

Igor Gadelha

Andreza Matais / BRASÍLIA

 

A divulgação dos vídeos da delação premiada do operador Lúcio Funaro causou um novo confronto entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Michel Temer. Para interlocutores do Palácio do Planalto, a medida é mais uma ação de Maia para tentar constranger o governo e mostrar descolamento do presidente. O governo avalia que o deputado não tinha a obrigação de colocar os vídeos no site da Câmara.

O episódio levou a um bateboca público entre Maia e a defesa de Temer, justamente na semana em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara vai analisar o relatório da segunda denúncia contra o presidente, por obstrução da Justiça e organização criminosa no caso J&F. Anteontem, o advogado Eduardo Carnelós publicou nota para criticar “vazamentos criminosos”. Maia contraatacou e disse que o defensor é “incompetente”. Carnelós recuou e, também em nota, disse que “jamais” imputou “a prática de ilegalidade” ao deputado.

Os vídeos da delação de Funaro foram divulgados no site da Câmara com documentos relacionados à segunda denúncia contra Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). O material foi enviado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, com ofício expedido em 21 de setembro, uma semana após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar a segunda denúncia contra Temer.

Segundo a presidência da Câmara, no ofício não há menção ao sigilo do material. Ontem, por meio de assessoria, Cármen Lúcia afirmou que apenas oficiou Maia e o relator do inquérito, Edson Fachin, é a autoridade máxima e única no processo. Segundo o gabinete de Fachin, a delação de Funaro não teve o sigilo retirado em nenhum momento.

O secretário-geral da Mesa Diretora, Wagner Soares, que é subordinado a Maia, determinou, porém, que os vídeos fossem divulgados no site da Câmara. O material subiu na íntegra no dia 29 de setembro, uma semana depois de o presidente da Câmara disparar duras críticas a Temer e ao PMDB em razão do assédio dos peemedebistas a parlamentares do PSB com os quais o DEM negociava filiação.

Os vídeos vieram a público somente na sexta-feira, com reportagem do jornal Folha de S.Paulo. A primeira nota de Carnelós com acusação de “vazamento criminoso” irritou Maia, que fez chegar a Temer sua insatisfação. “Não teve vazamento. O advogado é incompetente”, disse o presidente da Câmara à Coluna do Estadão. Em nota, Maia disse ainda ver com “perplexidade muito grande” ter sido tratado de “forma absurda” pelo advogado, “depois de tudo que fiz pelo presidente, da agenda que construí com ele, de toda defesa que fiz na primeira denúncia”.

Embora as imagens de Funaro impressionem o Planalto e tenham impacto no governo, a avaliação é de que essa nova polêmica com Maia pode trazer mais problemas para o presidente do que o conteúdo dos vídeos. No Planalto, o teor da primeira nota de Carnelós foi considerado um “tiro no pé”. Temer, então, mandou seu advogado distribuir a segunda nota, na qual ele negou ter imputado “crime” a Maia, para amenizar a tensão com o deputado.

 

Temperatura. A temperatura entre Temer e Maia já havia subido em razão do episódio do “assédio” a parlamentares do PSB. Maia disse que foi atingido com uma “faca nas costas” pelo PMDB. Desde então, houve mais problemas.

Na semana passada, por exemplo, Maia, em desacordo com o Planalto, abriu a sessão da Câmara para votar a Medida Provisória (MP) sobre acordos de leniência de bancos. A base, porém, não apareceu na votação por articulação do governo, que tinha pressa em votar o relatório pelo arquivamento da segunda denúncia. Maia, então, sentiu-se derrotado na intenção de votar a MP e acusou o Planalto de não ter prioridade em suas pautas.

O Planalto já estava atento às ações de Maia e a desconfiança de parte a parte só tem crescido. Para o governo, parlamentares que se dizem indecisos poderão aproveitar o impacto dos vídeos para fazer novas cobranças ao Planalto. A avaliação é de que isso poderia aumentar o impacto dos apoios, mas não inviabilizar o arquivamento da denúncia. / COLABOROU BRENO PIRES

 

‘Assédio’. Temer e Maia já haviam se desentendido em relação a parlamentares do PSB

 

PONTOS-CHAVE DA DELAÇÃO

Caixa retirada por Yunes

O operador Lúcio Funaro relata em seu depoimento à Procuradoria-Geral da República, em 23 de agosto, ter ajudado o ex-ministro Geddel Vieira Lima a levar, em 2014, dinheiro oriundo da Odebrecht a Salvador. Funaro diz ter retirado pessoalmente uma caixa com cerca de R$ 1 milhão do escritório do ex-assessor especial do presidente Michel Temer José Yunes, que, segundo ele, sabia que havia dinheiro na caixa.

 

Papel de Cunha

Segundo Funaro, o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) funcionava como um “banco de corrupção de políticos” e redistribuía o dinheiro recebido do esquema. “Todo mundo que precisava de recursos pedia para ele e ele cedia os recursos, em troca ele mandava no mandato do cara. Era assim que funcionava.”

 

Repasse de propina de Joesley Batista

De acordo com Funaro, o empresário Joesley Batista creditava os valores da propina em uma conta corrente interna dele. O dinheiro era sacado por meio de emissão de notas fiscais das empresas dele, por pagamentos de boletos ou por depósitos feitos pelo empresário. “Mas 95% do que eu recebi do Joesley foi por emissão de notas fiscais.”

 

Campanha do PMDB-RJ

Funaro relata acerto de propina do empresário Jacob Barata Filho com o presidente do PMDBRJ, Jorge Picciani, que seria usada em campanhas de candidatos a deputado estadual e federal da sigla. “Eu fiz o fluxo do dinheiro. Entreguei 99% do dinheiro para o Eduardo Cunha e uma entrega só foi feita para uma pessoa, em nome do Picciani, no meu escritório em São Paulo.”

 

Atuação de Temer na MP dos Portos

O operador fala sobre uma suposta interferência do presidente Michel Temer no Decreto dos Portos, que tratava da reforma do setor portuário e poderia afetar as empresas Rodrimar, Libra, Santos Brasil e Eldorado Celulose. Segundo Funaro, ele soube da suposta atuação de Temer por meio de Cunha. “Todo mundo sabe em São Paulo, quem convive no mundo político, que o Porto de Santos é área de influência do Michel Temer.”

 

Venda de silêncio

Funaro disse que assinou, em 2015, contrato fictício com o empresário Joesley Batista no valor de R$ 100 milhões para esquentar notas frias que ele já havia emitido para a JBS. Com base no contrato, o operador recebia quantias mensais de Joesley depois que foi preso.

 

 

 

 

Colaboração foi ‘encomenda remunerada’, diz ministro

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, criticou ontem pelo Twitter a delação premiada do operador financeiro Lúcio Funaro e o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

Franco disse que a delação foi uma “encomenda remunerada”, após o naufrágio da primeira denúncia da ProcuradoriaGeral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer.

Moreira Franco foi citado por Funaro, ao lado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, como receptor de dinheiro para facilitar a liberação de recursos do FGTS. Ainda segundo o delator, operações envolvendo o FI-FGTS renderam vantagens indevidas a peemedebistas.

“Como o objetivo da dupla Joesley e Janot era derrubar Michel Temer, após a derrota na primeira denúncia, só um fato novo justifica a segunda flecha”, afirmou Franco pelo Twitter sobre as acusações formais apresentadas contra o presidente e seus aliados. “Seria um delivery de matéria-prima: Janot pedia e Joesley pagava”, acrescentou, ao citar as denúncias realizadas em delação premiada pelo dono do Grupo J&F.

Procurada, a PGR informou que não iria se manifestar sobre as declarações do ministro Moreira Franco.