O Estado de São Paulo, n. 45289, 16/10/2017. Política, p.A8

 

 

 

ENTREVISTA - JOÃO DORIA

Prefeito de São Paulo elogia MBL, rejeita ‘rótulo’ de direita e defende série de viagens que tem feito

Por: Pedro Venceslau

 

Pedro Venceslau

ENVIADO ESPECIAL / MILÃO

 

‘Sou liberal. Centro é a posição mais equilibrada’, diz Doria

João Doria , Prefeito de São Paulo

 

Em um movimento para tentar se diferenciar da direita radical, o prefeito João Doria, disse que “a posição mais ao centro é a mais equilibrada, para um país que precisa de paz e crescimento”. Em entrevista ao Estado, ele afirmou que a migração de partede seu eleitoradopara a pré-candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC) é uma “questão momentânea”. Doria voltou a negar que é pré-candidato, mas declarou que aceitaria o apoio de Bolsonaro num eventual 2º turno.

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), viu na semana passada seu cacife eleitoral abalado após uma pesquisa mostrar um aumento da rejeição dos paulistanos às suas viagens pelo Brasil. “As viagens não são em busca de voto, mas de vantagens para a cidade de São Paulo”, disse o tucano em entrevista ao Estado, em Milão, onde cumpriu mais uma agenda internacional.

Doria abordou os pontos sensíveis de sua pré-candidatura, mas sempre tomando o cuidado de negá-la. Ao mesmo tempo em que elogia o Movimento Brasil Livre (MBL), que se aproxima do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o prefeito rejeita o rótulo de “direita”. “Sou um liberal. A posição mais ao centro é a mais equilibrada”, afirmou.

Quanto aos temas tabus, o prefeito emite sinais trocados: evita se posicionar sobre casamento gay e se coloca contra a legalização da maconha e do aborto. Leia os principais trechos da entrevista:

 

Por que viajar tanto pelo Brasil se o senhor não é candidato à Presidência?

As viagens não são em busca do voto, mas de vantagens pa- ra a cidade de São Paulo. Independentemente das homenagens que recebo, e que educadamente agradeço, temos feito acordos operacionais com várias prefeituras. Sou vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos. Compete a mim fazer programas de integração com outras prefeituras.

 

Como explica essa rejeição às viagens detectada em pesquisa?

Normal. Na medida em que se explica que as viagens são em benefício da cidade, a rejeição gradualmente vai caindo. As pessoas vão entendendo que São Paulo não é uma província, mas uma cidade global. A rejeição tende a cair.

 

A cidade enfrenta problemas de zeladoria, como semáforos quebrados e mato crescendo em praças. São problemas que o Cidade Linda não resolve...

É preciso ter investimentos mais constantes para a zeladoria urbana. No caso dos semáforos, ficamos seis meses presos ou limitados pelas falta de uma licitação que deixou de ser feita na gestão anterior. O TCM (Tribunal de Contas do Município) durante quase três meses segurou esse processo. Nos próximos dias vamos lançar um programa, o “Semáforo Expresso”, que será feito por meio de motocicletas. Técnicos vão usar motos para chegar mais rapidamente aos semáforos com problemas.

 

Há um movimento que defende um controle maior sobre os museus, por causa da exposição do MAM. É a favor de algum tipo de regulamentação sobre o que pode ser exposto em museus?

Não sou. Sou contra a censura de qualquer natureza, mas é preciso ter cuidado e zelo. Naquele episódio de São Paulo, um museu sério como o MAM cometeu um erro de não colocar um monitoramento na porta da sala onde havia a performance do artista. Bastaria ter monitores orientando as pessoas. É preciso ter cuidado para não avançar nos limites da intolerância.

 

Qual sua posição sobre a legalização do aborto?

Sou contra, exceto nos casos em que a Constituição já prevê.

 

E sobre o casamento gay?

Esse é um tema que precisa ser estudado e avaliado. Tema de um debate mais profundo.

 

O que pensa do “escola sem partido”?

Escola é feita para ensinar, não para fazer política.

 

Descriminalização da maconha, uma bandeira do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

Sou contra, embora respeite muito as posições do ex-presidente. Ele é um sábio, além de respeitável sociólogo.

 

Como seria sua relação com o MST se fosse presidente? E como seria sua tolerância com as invasões?

De diálogo. Invasão é crime. E como tal não pode ocorrer. O governo deve defender a propriedade.

 

O senhor é a favor da autonomia do Banco Central?

Totalmente a favor. É necessário. O Banco Central não pode ser monitorado pelo governo. No governo atual, esse é um bom exemplo de como ter um BC independente, com gestão eficiente.

 

Qual seria a política sobre a taxa de juros?

Temos que ter câmbio flexível e autonomia do BC. Quero aproveitar para fazer um registro positivo em relação ao ministro Henrique Meirelles: a política econômica está sendo feita com zelo e cuidado. Não funciona ter política de juros com viés político.

 

O MBL, que é identificado com a direita radical, se afastou do senhor e se aproximou de Jair Bolsonaro. Começou a criticá-lo, algo que não fazia antes. Como avalia esse movimento?

Essa é uma circunstância momentânea. Esse não é um movimento de todo o MBL, mas de alguns. O MBL cresceu muito. Hoje eles têm algumas frentes e vertentes, mas eu respeito muito o valor, a trajetória e aquilo que eles defendem.

 

Pesquisa também mostrou que parte do eleitorado tradicional do PSDB e seu migrou para Bolsonaro. Como explica isso?

Isso é cíclico. Amanhã pode mudar. Há um certo ciclo. Esses ciclos vão ocorrer várias vezes até outubro do ano que vem.

 

Então esse eleitorado não migrou para a direita mais radical?

Não. É uma circunstância momentânea e que vai mudar, talvez mais de uma vez.

 

A eleição de 2018 é melhor com ou sem o Lula?

Com democracia.

 

Está descartada a possibilidade de o senhor deixar o PSDB?

Não penso em deixar o PSDB. Não há razão concreta para isso. Recebi convites de outros partidos, o que me honrou muito. São partidos aliados e que me ajudam na gestão em São Paulo. A hora da política é no ano que vem.

 

O senhor é pré-candidato à Presidência?

Não.

 

Se Geraldo Alckmin pedir, aceitaria disputar o governo de São Paulo em 2018?

Toda solicitação que venha do governador Alckmin vai merecer meu respeito e atenção. Ele não solicitou. Se tivermos alguma conversa no futuro nesse sentido, qualquer ponderação e diálogo que envolva o governador Geraldo Alckmin terá a minha participação e meu interesse em atendê-lo.

 

Em Belém, o senhor disse que não é de direita, mas de centro. Foi uma maneira de se diferenciar de Bolsonaro?

Eu sou um liberal. A posição mais ao centro é a mais equilibrada para um País que precisa de paz e crescimento econômico.

 

Como enxerga esse discurso extremado do Bolsonaro?

Ele tem suas convicções. É um direito dele.

 

Estaria com ele no segundo turno?

Apoio não se nega, se incorpora.

 

Tabus. Doria evita se posicionar sobre casamento gay e se coloca contra legalizar o aborto

 

'Vertentes'

"O MBL cresceu muito. Hoje eles têm algumas frentes e vertentes , mas eu respeito muito o valor, a trajetória e aquilo que eles defendem

João Doria

PREFEITO DE SÃO PAULO

 

O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA CONFEDERAÇÃO

 

 

 

 

 

 

A eleição da moral e dos bons costumes

Polêmica. Exposições de arte, questões de gênero, aborto e drogas antecipam debates de 2018
Por: Cecília do Lago / Gilberto Amendola / Daniel BramattI

 

Sem a gasolina da política, um debate sobre os limites da arte morreria dentro do seu nicho habitual. Agora, com a aproximação de uma eleição que se insinua polarizada, a repercussão da performance de um bailarino nu interagindo com uma criança e o cancelamento de uma exposição sobre diversidade sexual ganhou ares de pré-estreia. Sim, segundo especialistas de diversas áreas os temas de ordem moral estarão na pauta eleitoral de 2018.

A mostra Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira em Porto Alegre foi cancelada no último dia 10 de setembro. Frequentadores chegaram a acusá-la de blasfêmia, pedofilia e zoofilia. Dias depois, imagens registradas no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, durante a performance La bête, parte do 35.ª Panorama da Arte Brasileira, também renderam acusações de pedofilia e manifestações pró e contra em frente ao museu.

Políticos com pretensões eleitorais não deixaram passar a oportunidade. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), postou um vídeo dizendo que para “tudo existe limites”; o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) acusou de “canalhas” os responsáveis pela performance e pela exposição; o s e nador Ronaldo Caiado (DEM-GO) chamou de “crime” a exposição de menores à nudez; o pré-candidato Ciro Gomes também entrou no debate: em vídeo, defendeu a exposição de Porto Alegre; já o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), apressou-se em afirmar que na cidade dele a tal exposição não chegaria. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apenas compartilhou um post oficial do governo do Estado informando que o MAM é uma instituição privada. Os pré-candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede) não se manifestaram publicamente sobre o assunto.

O fato é que a polêmica de ordem moral agitou o cenário eleitoral. Em muitos casos, postagens relativas ao tema tornaram-se as mais comentadas e compartilhadas nas páginas dos respectivos políticos . Além disso, projetou um debate eleitoral que, além das filigranas da economia e da necessidade ou não de reformas, vai esbarrar em direito de aborto, descriminalização das drogas, políticas de gênero (como o chamado casamento gay) e o que mais couber no pacote da moralidade. “Será a eleição da moral e dos bons costumes”, disse o cientista político Marco Antônio Teixeira (FGV).

Segundo Teixeira, fenômenos como Bolsonaro e a força da bancada religiosa (não só evangélica) empurram o debate para esse front. “Tem muita gente surfando na onda dessa pauta regressiva, na religião, com viés eleitoral”, disse.

Já o especialista em marketing político Carlos Manhanelli vê uma utilidade prática no ressurgimento desse tipo de pauta. “Em uma eleição polarizada, os temas morais ganham protagonismo porque eles delimitam os campos com mais clareza. Você sabe quem é esquerda ou é direita.”

Para o teólogo Gerson Leite de Moraes (Mackenzie), o embate moral é de ordem terrena. “O eleitor está vivendo esse desencantamento com a política. Tem frustrações acumuladas por situações com a Lava Jato e outras investigações. Muitos pensam: ‘já que a economia está sequestrada eu vou me identificar com um político que fala o que eu penso’”. Moraes afirma que “falar o que penso” está muito conectado com pontos de vista conservadores. “As redes sociais fizeram com que esse conservador perdesse a vergonha de ser conservador e encontrasse pessoas que pensam como ele.”

A filósofa Carol Teixeira (PUC-RS) não tem dúvida de que a moralidade será o carro chefe das próximas eleições. “Mesmo que de forma covarde, como muitas vezes esses assuntos são abordados, certamente são temas atrativos para os eleitores, muitas vezes é aí que se define um voto.”

O psicanalista Jorge Broider argumenta que “uma eleição toma o eleitor como um todo”. “Uma campanha política tenta atingir o consciente e o inconsciente do eleitor. Em um período de incertezas, quem falar mais com um conjunto de valores e com a moral vai se beneficiar.” A ver. / CECÍLIA DO LAGO, GILBERTO AMENDOLA e DANIEL BRAMATTI

 

‘Incertezas’

“Em um período de incertezas, quem falar mais com um conjunto de valores e com a moral vai se beneficiar.”

Jorge Broider

PSICANALISTA

 

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