Valor econômico, v. 18, n. 4368, 25/10/2017. Política, p. A8.

 

 

Ativismo do Judiciário reforça populistas

Cristiane Bonfanti

25/10/2017

 

 

Quanto mais a Operação Lava-Jato e o Judiciário divulgam denúncias de corrupção contra os políticos, mais aumentam o ceticismo da população e as chances eleitorais de uma candidatura populista à Presidência. A análise é da pesquisadora Nara Pavão, professora visitante do departamento de Ciência Política da UFPE, que analisa os impactos do ativismo anti-corrupção do Judiciário na opinião pública e no comportamento político-eleitoral.

Segundo pesquisa Ipsos contratada pela professora, oito em cada dez brasileiros acreditam que só um candidato descolado da política tradicional será capaz de comandar o país e 57,05% avaliam que o melhor postulante deve combater políticos e partidos tradicionais. Quem mais se aproxima desse perfil é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato presidencial.

De acordo com o levantamento, 17,78% dos entrevistados acreditam que a pessoa mais adequada para conduzir o país deveria ser um político de partido tradicional. A maioria aposta nos chamados "outsiders": além dos 57,05% que querem um candidato opositor ao atual sistema político, 25,17% afirmam que o melhor seria alguém de fora da política, mas que saiba governar com políticos e partidos. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), se enquadra nesse perfil, diz Nara Pavão.

A pesquisa, feita em agosto, faz parte de um estudo de Nara em parceria com Ezequiel González Ocantos, da Universidade de Oxford, e foi apresentada ontem no encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG).

Apesar da ideia de que o ativismo anti-corrupção do Judiciário tenta promover uma "limpeza" na política, o impacto da ampla divulgação dos escândalos é negativo, segundo Nara. Com a Lava-Jato, em vez da percepção de que a cultura da impunidade chegou ao fim, predomina o ceticismo e a tolerância à corrupção.

Na pesquisa, a maioria dos entrevistados mostrou-se conformada: 55,33% disseram concordar, de alguma forma, que a corrupção na política é inevitável e que pouco pode ser feito para mudar.

Os entrevistados foram questionados sobre o que sentem em relação à delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, que envolveu o presidente Michel Temer, o presidente afastado do PSDB, senador Aécio Neves (MG) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O impacto positivo da divulgação do escândalo foi pequeno: 6,35% afirmaram estar esperançosos e 1,22% entusiasmado. Ao falar sobre o escândalo de corrupção, 60,31% se mostraram preocupados e 32,11% com raiva.

A raiva, analisa a professora, estimula o voto em uma candidatura populista como a de Bolsonaro. Pessimista com a corrupção generalizada, o eleitor espera uma resposta rápida e simples e delega poder a quem se mostra contra os partidos e os políticos. Nara pondera, no entanto, que o percentual de "preocupados" é maior do que os "raivosos" e diz que essa parcela, com cerca de 60%, não tende a votar em Bolsonaro. "São pessoas que não estão dispostas a delegar tanto poder".

A atuação anti-corrupção do Judiciário dá mais credibilidade às denúncias contra os políticos e tende a reforçar essa raiva, diz a professora. "Há estudos que mostram que quando a acusação de corrupção vem do Judiciário, as pessoas dão peso maior à acusação. Passa a impressão da imparcialidade, de um Poder que está acima dos outros", afirma. "Ao investigar e combater a corrupção, o Judiciário está, na verdade, revelando o quão podre é a política e isso esvazia a política. Faz com que as pessoas procurem os não-políticos".

O Judiciário passa a ter mais poder de controlar a corrupção do sistema político quando a população deixa de punir os corruptos nas urnas. "Quanto maior e mais espalhada é a corrupção, menor é o peso eleitoral que ela tem. Diante dessa constatação, quem vai entrar na jogada? É o Judiciário controlando os políticos", afirma.

Nara, no entanto, diz que o ativismo pode abalar a imagem do próprio Judiciário. "A atuação do Judiciário é avaliada por sua eficácia e se é um poder justo, idôneo ou se é político", diz. "Quanto mais ativo, mais é percebido como político. É uma atuação fadada ao fracasso", afirma. "Esvazia-se do que tem de melhor, que é a credibilidade institucional.

A pesquisa "survey" foi realizada com 1,2 mil pessoas e tem representatividade nacional. O estudo de Nara ainda está em andamento.