O Estado de São Paulo, n. 45285, 12/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

STF decide que Congresso deve dar aval a afastamento

Poderes. Supremo dá ao Legislativo a última palavra sobre medidas determinadas pela Corte que interfiram no mandato parlamentar; voto final de Cármen Lúcia gera confusão

Por: Beatriz Bulla / Breno Pires / Igor Gadelha

 

Beatriz Bulla

Breno Pires

Igor Gadelha / BRASÍLIA

 

O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem à noite, por 6 votos a 5, que o Congresso deve dar aval em casos de afastamento e de outras medidas determinadas pela Corte que interfiram no exercício do mandato parlamentar. Em votação apertada, coube à presidente do STF, Cármen Lúcia, desempatar a análise sobre o endosso do Legislativo. O voto final gerou confusão entre os ministros, que decidiram também (por 10 votos a 1) que é prerrogativa do Judiciário aplicar medidas cautelares a senadores e deputados.

A decisão da Corte abre caminho para que o Senado vote na terça-feira se mantém ou não Aécio Neves (PSDB-MG) afastado das funções parlamentares, como havia determinado a Primeira Turma do Supremo em 26 de setembro. O afastamento do tucano levou a uma crise entre o Senado e o STF.

O julgamento, que durou cerca de 13 horas com três intervalos, foi marcado por divergências entre os ministros e nos últimos 20 minutos houve discussão para que eles ajustassem o voto para chegar a um entendimento mais claro . Neste momento, Cármen Lúcia recuou da proposição que havia feito, de que apenas o afastamento deveria passar pelo crivo do Congresso.

Prevaleceu a proposta de Alexandre de Moraes de que tanto o afastamento quanto outras medidas que afetem “direta ou indiretamente o exercício do mandato de parlamentares” poderiam ser encaminhadas para a análise do Legislativo.

Estava em debate uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) – proposta pelo PP, PSC e Solidariedade – em que os partidos pediam que o Congresso dê a palavra final quando parlamentares fossem alvo de medidas alternativas à prisão, como afastamento do mandato e recolhimento domiciliar noturno.

Segundo a Constituição, deputados e senadores só podem ser presos em flagrante, e a decisão deve ser levada à Câmara ou Senado em 24 horas.

Primeiro a divergir do relator Edson Fachin, Moraes disse que medidas como o recolhi- mento domiciliar noturno, entrega de passaporte e a proibição de contatar investigados trazem limitação na atividade parlamentar e deveriam ser analisadas no Legislativo. Essas são algumas das restrições impostas a Aécio.

Alvo da Operação Patmos, Aécio foi denunciado em junho pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva e de embaraço a investigações. Ele é acusado formalmente de ter aceitado propina de R$ 2 milhões repassados pela J&F a um primo e a um auxiliar parlamentar e de ter tentado obstruir investigações. O tucano nega.

 

Visões. A sessão expôs divergências dentro do Supremo. De um lado, Fachin propôs a rejeição por completo da ação, entendendo que não caberia revisão do Congresso. Foi seguido por Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, decano da Corte.

Dias Toffoli foi o primeiro ministro a propor a possibilidade de aplicação de cautelares, com nova análise no Congresso. Os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, que inicialmente foram contra a aplicação de cautelares sob qualquer hipótese, evoluíram para um entendimento semelhante ao de Toffoli.

Para Fachin, que terminou vencido, a revisão de decisão judicial no Congresso representa uma ofensa à independência do Judiciário. Luís Roberto Barroso defendeu a decisão da Primeira Turma da Corte. “O afastamento de um parlamentar não é uma medida banal, é excepcionalíssima. Como excepcionalíssimo deve ser o fato de um parlamentar usar o cargo para praticar crimes”, disse.

Para Celso de Mello, a mera possibilidade de o Supremo reconhecer como viável o controle político de suas decisões pelo Legislativo seria fator de degradação da independência do Judiciário. Gilmar Mendes criticou a decisão que afastou Aécio. “Veja a ousadia, a arbitrariedade: retirar um senador da bancada de um Estado”, disse o ministro.“Cada vez mais temos que repudiar o direito constitucional da malandragem, que permite que a mesma norma sirva para uma e para outra situações diferentes.”

 

Julgamento. Ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, ao chegar à sessão; coube a ela dar o voto de desempate

 

Alexandre de Moraes

“A Constituição é clara em relação a parlamentares (...) Constituição protege o integral exercício do mandato parlamentar.”

 

Luís Barroso

“A ideia de que o Judiciário não possa exercer seu poder cautelar para impedir um crime que está em curso é a negação do estado de direito.”

 

Gilmar Mendes

“Veja a arbitrariedade: retirar um senador da bancada (...) Cada vez mais temos que repudiar o direito constitucional da malandragem.”

 

 

 

 

 

Corte evita crise com Senado, mas atrai raios e trovôes

Por: Eliane Cantanhêde

 

ANÁLISE: Eliane Cantanhêde

 

O senador Aécio Neves (PSDB -MG) é o grande vitorioso do “voto médio” da presidente Cármen Lúcia e do julgamento confuso do Supremo Tribunal Federal, que põe panos quentes, pelo menos por ora, na crise entre o Senado e a Corte. O grande derrotado foi o relator Edson Fachin, acompanhado por Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e, no final, pelo decano Celso de Mello.

Ao decidir que pode aplicar medidas cautelares contra deputados e senadores, mas admitindo que os plenários da Câmara e do Senado têm de dar o aval quando há ameaça ao mandato, o Supremo deu sobrevida a Aécio. Na próxima terça-feira, o plenário do Senado negará o afastamento do senador e o seu recolhimento noturno, em nome da “independência entre os Poderes”.

Foram dois times em campo no Supremo. O de Fachin, baseado no refrão de que “imunidade não pode significar impunidade”, defendeu que as medidas previstas no artigo 319 do Código do Processo Penal, como as de Aécio, são aplicáveis a parlamentares e dispensam o aval do Congresso.

O outro, que estreou com o voto do ministro Alexandre de Moraes, se pautou no “estado de direito” e no artigo 53 da Constituição, que prevê prisão de políticos só com mandato em caso de flagrante delito de crime inafiançável. Votaram assim Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Toffoli, porém, abriu uma janela para o “voto médio” de Cármen Lúcia, ao propor que não cabem medidas cautelares que interfiram no exercício do mandato... a não ser em casos de “superlativa excepcionalidade”. Essa solução carrega um alto grau de subjetividade, mas foi uma forma de deixar o Supremo bem, pois mantém a aplicação das medidas a Aécio, e o Senado igualmente bem, porque vai votar contra as punições ao tucano sem estar confrontando a alta Corte do País.

O Supremo está dividido exatamente ao meio e a presidente Cármen Lúcia, ao comandar uma solução salomônica, atraiu para si os raios e trovões, tanto de quem apoia o afastamento de Aécio quanto dos que defendem o contrário. Mas ela sabia exatamente