O globo, n.30872 , 14/02/2018. PAÍS, p.3

Contra o código de ética

ANDRÉ SOUZA

 

 
 
Declarações de Segovia sobre inquérito dos portos contrariam regimento da PF

As declarações do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Fernando Segovia — apontando a falta de indícios que incriminem o presidente Michel Temer em inquérito aberto para investigar irregularidades no decreto dos portos —, continuam a gerar reações dentro e fora da própria corporação. Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (APDF), Edvandir Felix de Paiva, Segovia pode ter violado o código de ética da PF. Em paralelo, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que faz oposição ao governo federal, avalia entrar com uma ação popular na Justiça Federal de Brasília para pedir o afastamento do delegado do cargo.

O código de ética da PF é de 2015 e veda algumas condutas aos integrantes da instituição. Um policial federal, por exemplo, é proibido de “utilizar-se de informações privilegiadas, de que tenha conhecimento em decorrência do cargo, função ou emprego que exerça, para influenciar decisões que possam vir a favorecer interesses próprios ou de terceiros”.

Um policial também não pode “comentar com terceiros assuntos internos que envolvam informações sigilosas ou que possam vir a antecipar decisão ou ação do Departamento de Polícia Federal ou, ainda, comportamento do mercado”. É proibido ainda de “expor, publicamente, opinião sobre a honorabilidade e o desempenho funcional de outro agente público” e de “conceder entrevista à imprensa, em desacordo com os normativos internos”.

Em entrevista à agência de notícias Reuters, Segovia disse que até o momento não há indício de crime e afirmou que o delegado Cleyber Malta Lopes, à frente do inquérito, poderia até ser punido pela forma como fez 50 perguntas ao presidente, caso a defesa de Temer formalize uma reclamação.

— Em tese, houve, sim, violação do código de ética. Mas a gente está em compasso de espera, numa discussão interna sobre os próximos passos. Tudo isso está sendo avaliado — disse Paiva.

 

COMISSÃO DECIDE CASOS DE PUNIÇÃO

No último sábado, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do inquérito em que Temer é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a intimação de Segovia para prestar esclarecimentos. A audiência será realizada na próxima segunda-feira. No despacho, o ministro disse inclusive que o diretor-geral da PF pode ter cometido infração administrativa e penal, e mandou que ele parasse de falar do assunto. Isso porque o inquérito ainda está em andamento e com diligências pendentes. A ADPF deve esperar primeiro os esclarecimentos do diretor-geral antes de tomar alguma decisão a respeito. Segundo Paiva, qualquer pessoa pode representar contra um policial federal por infração ao código de ética.

— Não estou dizendo que haverá essa representação. Nós estamos avaliando essa, entre outras possibilidades, mas não há consenso a respeito — afirmou Paiva.

Pelo regimento, qualquer representação deve ser analisada pela Comissão de Ética e Disciplina. A punição, porém, caso confirmada, se resume à censura ética, ou seja, uma advertência por escrito. O grupo é presidido pelo corregedor-geral da PF e conta ainda com outros dois integrantes: o diretor de Gestão de Pessoal e o diretor de Inteligência Policial. Os suplentes são o diretor-executivo, o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado e o diretor Técnico-Científico. Entre as atribuições da comissão está justamente a de “convocar ocupantes de cargos de direção e chefia para esclarecimentos sobre situações potencialmente contrárias às normas éticas”.

O senador Randolfe Rodrigues disse que vai tomar três providências: acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR), que faz o controle externo da atividade policial; apresentar requerimento em uma comissão no Senado para que Segovia seja chamado a prestar esclarecimentos; e fazer uma representação na Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Uma quarta iniciativa está em estudo: apresentar uma ação popular na Justiça Federal de Brasília pedindo que ele seja afastado do cargo.

O senador não cogita usar o código de ética da PF para apresentar uma representação contra Segovia na própria corporação. Isso porque se trata do próprio diretor-geral da PF, que, segundo ele, tem influência sobre o órgão. Assim, acha melhor recorrer à PGR, ao Congresso, à Comissão de Ética Pública da Presidência e à Justiça. A ação popular, caso se confirme, será apresentada até a próxima segunda-feira.

— Acho que é uma medida que devemos mover junto às instâncias superiores: o controle externo da atividade policial do Ministério Público, a Comissão de Ética da Presidência da República, a convocação ao Congresso Nacional para dar explicações, e, no Judiciário, a ação popular. A ação popular, eu estou propenso a movê-la. Estou dialogando com a minha assessoria jurídica — afirmou o parlamentar.

O GLOBO procurou a assessoria de imprensa da PF para comentar o assunto, mas não houve retorno até o fechamento da edição.