O Estado de São Paulo, n. 45286, 13/10/2017. Política, p. A4.

 

Senado articula votação secreta em caso de Aécio

Isadora Peron / Daiene Cardoso / Breno Pires

13/10/2017

 

 

Poderes. Após julgamento do Supremo, Casa vai decidir se senador tucano poderá retomar suas funções como parlamentar; sessão está marcada para a próxima terça-feira

 

 

Senadores intensificaram a articulação por uma votação secreta para deliberar sobre as medidas cautelares e o afastamento impostos ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). O tema está em discussão pela cúpula do Senado e tem como objetivo diminuir o desgaste de senadores que pretendem reverter a suspensão das funções parlamentares do tucano.

A votação no plenário da Casa está marcada para a próxima terça-feira. Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram anteontem que medidas cautelares, como o recolhimento noturno, determinadas a deputados federais e senadores devem ser submetidas ao aval da Câmara ou do Senado.

O regimento interno do Senado prevê votação secreta para deliberação sobre prisão de parlamentar. Na semana passada, a Coluna do Estadão já havia adiantado que senadores debatiam a possibilidade de tornar a votação sigilosa. A Constituição, porém, não diz que modelo deve ser adotado. Até 2001, o artigo 53 estabelecia votação secreta – a expressão foi suprimida pela Emenda Constitucional 35.

Segundo um integrante da Mesa Diretora do Senado, a votação será como determina o regimento – ou seja, fechada. Reservadamente, um ministro do Supremo disse ao Estado que, como a regra interna da Casa determina o modelo de votação, há espaço para tal interpretação.

“Seguir o regimento e a Constituição, e respeitar e proclamar o resultado livre do plenário, que é soberano, é meu dever como presidente (do Senado)”, disse Eunício Oliveira (PMDB-CE) ao comentar a discussão sobre o sigilo da deliberação. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) criticou a articulação na Casa: “Eu espero que não haja nenhuma manobra e o voto seja aberto”.

No caso da prisão do senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS), em novembro de 2015, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou realizar a votação de forma sigilosa. Parlamentares, no entanto, reagiram e entraram com um mandado de segurança contra a iniciativa.

O pedido foi deferido pelo ministro Edson Fachin com base na Emenda Constitucional 35.

“Não havendo menção no art. 53, § 2.º, da Constituição, à natureza secreta da deliberação ali estabelecida, há de prevalecer o princípio democrático que impõe a indicação nominal do voto dos representantes do povo”, escreveu Fachin na decisão. Na ocasião, Aécio apoiou o entendimento do Supremo.

Para o líder do PMDB no Senado, Raimundo Lira (PB), não está claro se o caso de Delcídio definiu uma regra para as próximas votações. “Não posso dizer com absoluta certeza que aquela votação definiu um padrão a ser seguido ou se precisa, em cada caso, ser revertido o voto secreto em voto aberto”, afirmou.

O professor de Direito Constitucional Paulo de Tarso Neri, porém, afirmou que “a regra é a votação aberta”. “Só se permite voto secreto quando o texto expressamente diz que deve ser secreto”, disse. “Já houve votações abertas na Câmara. Por exemplo, a cassação de Eduardo Cunha. Se até a cassação, que é muito mais grave, é aberta, votação menos gravosa também tem de ser transparente.”

 

Oposição. Senadores da oposição – que são minoria e defendem punição a Aécio – dizem que dificilmente a Casa vai manter as medidas cautelares impostas ao senador tucano. Para Randolfe Rodrigues (RedeAP), há um acordo de proteção ao tucano firmado entre PMDB e PSDB. Pelas suas contas, os votos pela manutenção das medidas impostas a Aécio podem chegar a 30 senadores caso o PT feche questão pelo afastamento do tucano.

Após o mal-estar causado pela nota em que o PT criticou a decisão do Supremo em relação a Aécio, o líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE), afirmou que sua bancada deve votar unida para manter o tucano afastado do cargo. “O Senado vai ter de entrar no mérito da discussão. Agora nós vamos discutir se as coisas que têm contra o Aécio justificam ou não essa recomendação do Supremo. Eu vou defender que nós votemos para seguir a recomendação”, disse Costa.

Com nove inquéritos abertos no Supremo, Aécio foi afastado do mandato e submetido ao recolhimento domiciliar noturno por decisão da Primeira Turma do Supremo no dia 26 de setembro com base no relato dos delatores do Grupo J&F.  / COLABORARAM ANDREZA MATAIS e WILLIAM CASTANHO

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

BASTIDOR

 

Casa pretende evitar ‘desagravo’ a tucano

Vera Magalhães

13/10/2017

 

 

Fortalecido com a apertada decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual medidas cautelares determinadas contra parlamentares têm de ser submetidas ao crivo do Legislativo, o Senado quer evitar, na próxima semana, confrontar o Judiciário ou transformar a sessão que discutirá o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) em um ato de desagravo ao tucano.

A ordem nos principais partidos da base do governo, até mesmo na ala do PSDB que tenta se descolar de Aécio, é que a Casa se limite a analisar o caso do senador à luz do entendimento firmado anteontem, sem entrar em considerações em temas que o mineiro gostaria de ver tratados, como a tese de que teria sido “condenado previamente” pela Primeira Turma do STF.

Os líderes do Senado entendem que o STF encarou uma boa dose de desgaste ontem para evitar uma crise institucional. Principalmente a presidente da corte, Cármen Lúcia, que deixou claro que concordava no mérito com o cerne do voto do relator, Edson Fachin, mas votou da forma que causaria menor estrago institucional.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), deve negociar com as bancadas para que a Casa “retribua” a preocupação e faça uma sessão o mais curta e sem adjetivações possível.

É claro que é praticamente impossível assegurar isso num colegiado com personalidades e forças políticas tão diversas, mas o desejo da cúpula política é deixar eventuais excessos para as “figuras de sempre”.

Contribui para essa tentativa de comedimento o fato de que, em maior ou menor escala, todos os principais partidos têm expoentes de peso “pendurados” no STF em inquéritos, denúncias ou ações penais no âmbito da Lava Jato ou de outras investigações.

Neste caso, não interessa a ninguém tripudiar sobre as divisões internas e os recuos do STF, embora nos bastidores haja, sim, um clima de comemoração pluripartidário pelo “reempoderamento” dos políticos a partir de decisões como as de anteontem.