O Estado de São Paulo, n. 45286, 13/10/2017. Política, p. A6.

 

Supremo associa cautelares a ‘prisão’

Alexandra Martins / Vítor Marques

13/10/2017

 

 

Para especialistas, ministros ampliam alcance de artigo da Constituição ao determinar que Congresso dê aval para medidas contra parlamentares
 
 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), anteontem, de conferir ao Congresso Nacional aval para afastar deputados e senadores de seus mandatos ampliou o alcance do parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição que trata de prisão. No julgamento, venceu a tese de que o Judiciário tem prerrogativa para aplicar medidas cautelares, estabelecidas pelo Código de Processo Penal, mais brandas do que a prisão, mas Senado ou Câmara precisa avalizá-las.

O artigo constitucional que sustentou os votos vencedores na Corte determina que os membros das duas Casas Legislativas só podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, após autorização do Parlamento. No entendimento dos seis ministros que definiram o resultado da sessão do STF, as cautelares foram interpretadas como punição restritiva de liberdade da prática parlamentar.

“O artigo 53 foi alargado. Para os ministros, as medidas cautelares, previstas no Código de Processo Penal, não podem ser aplicadas porque parlamentares gozam de imunidade parlamentar. Já o 53 recebeu uma interpretação mais ampla, como se medida alternativa fosse prisão”, afirmou Vera Chemim, advogada constitucionalista.

Para o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, a Constituição é clara quando trata de prisão. “A prisão de que trata a Constituição é a prisão de encarceramento. Não é recolhimento domiciliar. A Constituição só fala em prisão, trancafiamento, no sentido de privação de liberdade de locomoção”, afirmou.

Apenas as medidas cautelares que não interfiram no exercício do mandato é que não vão necessitar da palavra final do Congresso Nacional. “A visão vencedora é baseada na interpretação que o STF deu ao vocábulo prisão. Por prisão deve ser entendida todo tipo de medida que, de alguma forma, interfira na esfera de liberdade do parlamentar ao exercício do mandato”, disse Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

 

Divisão. Por 6 votos a 5, STF decidiu que Congresso deve dar aval para afastar parlamentar

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Em votação anteontem, o Supremo tomou decisão que interfere diretamente nos mandatos parlamentares; entenda os principais pontos do julgamento

1. O que o Supremo decidiu?

Decisões tomadas pelo Supremo no sentido de afastar o parlamentar do exercício do mandato dependem de aval do Congresso. Ou seja: um parlamentar só será afastado do exercício do cargo, após decisão do Supremo, se o Senado ou a Câmara aprovar em votação. Além do afastamento, outras medidas cautelares contra parlamentares impostas pelo Supremo também têm de ser aprovadas pelas Casas Legislativas. Caso contrário, não serão cumpridas.

COMENTÁRIO

Eros Grau, ex-ministro do STF

“Quem diz a última palavra de qualquer punição ou restrição de liberdade de parlamentares é o Congresso.”

Pedro Serrano, professor de Direito da PUC-SP

“A decisão preservou um papel do Parlamento, mas reduziu o nível de proteção que a Constituição confere ao mandato popular.”

 

 

2. O que são medidas cautelares?

Medidas cautelares são alternativas à prisão temporária ou preventiva e, com as restrições impostas a investigados, visam a garantir a apuração de supostos crimes e a instrução penal. São institutos jurídicos mais brandos do que a prisão e estão presentes no artigo 319, inseridos na reforma do Código de Processo Penal, em 2011.

COMENTÁRIO

Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF

“Medidas cautelares estão a serviço da eficácia da investigação para que ela não tenha seu objeto distorcido ou prescrito.”

Rafael Mafei, professor de Direito da USP

“Medidas cautelares são poderes que o ordenamento jurídico confere ao Judiciário para que ele possa impedir que um crime continue sendo cometido no decorrer de um processo.”

 

 

3. Quais são as medidas cautelares?

O uso das medidas cautelares e suas diferentes possibilidades estão previstos no artigo 319 do Código de Processo Penal. Entre as cautelares estão: afas- tamento do exercício da função pública; recolhimento domiciliar noturno; uso de tornozeleira eletrônica; entrega de passaporte; proibição de contatar investigados.

COMENTÁRIO

Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF

“O artigo 319 do Código de Processo Penal deixa claro que não está tratando de prisão e sim de medidas diversas da prisão. Já a Constituição trata de prisão no sentido de encarceramento.”

Rafael Mafei, professor de Direito da USP

“No limite, todas as medidas cautelares interferem de alguma maneira no exercício do mandato. Após a decisão do Supremo, a Casa Legislativa tem a permissão para que ela, ao fim e ao cabo, submeta toda e qualquer medida cautelar a uma votação.”

 

 

4. Qual a base legal da decisão do STF sobre o afastamento?

O artigo 319 do Código de Processo Penal trata de medidas cautelares diversas da prisão. Já a prisão de parlamentares é explicitada no artigo 53 da Constituição. Porém, a Carta prevê que um parlamentar só pode ser preso em flagrante e cometendo crime inafiançável. E, mesmo assim, segundo a Constituição, é preciso do aval das Casas Legislativas.

COMENTÁRIO

Vera Chemim, advogada especialista em Constituição

“Para o voto vencedor, parlamentares não podem sofrer medidas cautelares sem aval das Casas porque são imunes civil e penalmente.”

Eros Grau, ex-ministro do STF

“Qualquer lei que seja adversa ao que diz a Constituição não tem sentido. O que prevalece sempre é a Constituição.”

 

 

5. O que é o voto médio dado pela ministra Cármen Lúcia?

Ao desempatar o julgamento, a presidente do STF Cármen Lúcia reabriu as discussões entre os ministros no momento em que já poderia encerrar a sessão. Ela disse que seria necessário “chegar a um voto médio”. O ministro Fachin rebateu: “Não há voto médio”.

COMENTÁRIO

Eros Grau, ex-ministro do STF

“Eles são comuns e se prestam a justificar alguma discordância entre os ministros.”

Vera Chemim, advogada especialista em Constituição

O voto médio, nesse caso, significaria a mediana na Matemática. É um cálculo com base em todos os votos. No final, a ministra Cármen Lúcia cedeu.”