O Estado de São Paulo, n. 45285, 12/10/2017. Política, p.A5

 

 

 

 

STF já andou longe pelo caminho da instabilidade e da individualização

Por: Ivar A. Hartmann

 

ANÁLISE: Ivar A. Hartmann

 

A partir da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal pela suspensão de Aécio Neves (PSDBMG) e a reação irresignada do Senado, instaurou-se a enésima crise institucional com o envolvimento do STF. Segundo a leitura mais comum, o problema seria o Supremo interpretar a Constituição para determinar a extensão de seus próprios poderes frente aos membros do Congresso. Embora esse seja o tema da decisão de ontem, não é a causa da preocupação generalizada em Brasília e no Brasil.

A apreensão é menos com o conteúdo da decisão sobre imunidade de agora e mais com o que ela poderia significar em termos dos poderes do Supremo amanhã. É menos sobre o que o Tribunal decide e mais sobre como ele decide. Mesmo negando a suspensão do mandato sem autorização do Congresso agora, a inconstância do Tribunal persiste. Ela é causada pela instabilidade de seus precedentes e a fragmentação de suas decisões, o que sinaliza a alta possibilidade de uma violação da separação de Poderes no futuro próximo.

Afastar parlamentar de seu mandato, pura e simplesmente, não foi considerado arriscado pelo Supremo e pelo Brasil quando o plenário afastou Eduardo Cunha da presidência e de seu mandato na Câmara.

Por outro lado, os brasileiros temeram o excesso quando, por exemplo, veio a decisão solitária de ministro do Supremo afastando Renan Calheiros da presidência do Senado. Da mesma forma, quando o Tribunal enfrentou questão nova e colegiadamente estabeleceu o precedente diante do caso de Cunha, não motivou temor. A própria Câmara cassou depois o mandato.

O medo da invasão das prerrogativas do Legislativo e Executivo é alimentado, isso sim, por inovações feitas individualmente, como a suspensão da posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro. E esse medo se cristaliza quando os ministros, em decisão individual ou coletiva, expressam desdém por suas decisões anteriores. Ou quando insistem sempre que o caso à sua frente é excepcional. Isso aumenta a imprevisibilidade.

O histórico recente justifica o pessimismo generalizado acerca de como uma decisão sobre poderes de afastamento de parlamentares viria a ser utilizada ou gradualmente ampliada no futuro. O Supremo tomou um passo no sentido contrário agora. Mas já andou muito longe pelo caminho da instabilidade e individualização.

A crise institucional não é nova e não será apaziguada de súbito com a decisão de ontem. Cabe ao próprio Supremo estancá-la gradualmente. Um primeiro passo é não desrespeitar individualmente essa mesma decisão amanhã.

 

PROFESSOR DA FGV DIREITO RIO E COORDENADOR DO SUPREMO EM NÚMEROS

 

 

 

 

 

 

Confusão marca voto decisivo de Cármen Lúcia

Por: Beatriz Bulla / Breno Pires / Igor Gadelha

 

BRASÍLIA

 

Ao desempatar o julgamento de ontem, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, acabou reabrindo as discussões entre os ministros justamente no momento em que já poderia encerrar a sessão, por volta das 21h20. Houve divergências no plenário e confusão entre os presentes – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso já tinham deixado o local.

Ao declarar seu voto, Cármen Lúcia disse que concordava praticamente em tudo com o relator Edson Fachin, que se posicionou contra o aval do Congresso, com exceção de um caso – quando houvesse afastamento de parlamentar, a decisão judicial seria submetida ao Legislativo.

“Se decidirmos só sobre afastamento, o impasse continuará sobre outras cautelares”, destacou o ministro Ricardo Lewandowski.

Neste momento, Fachin disse que se declarava voto vencido. “O ponto de divergência de Vossa Excelência é o ponto central do meu voto, portanto sou voto vencido”, afirmou Fachin a Cármen. Mas a presidente do Supremo disse que seria necessário “chegar a um voto médio”. “Não há voto médio”, rebateu Fachin. A partir daí, a discussão foi retomada por cerca de 20 minutos.

Em meio aos debates, Cármen declarou que havia dez votos no sentido de que medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal são aplicáveis a parlamentares. O único que deixou claro o voto contrário nesse caso foi Marco Aurélio Mello.

Em seguida, os ministros discutiram, então, a possibilidade de revisão pelo Congresso de medidas cautelares que impedissem o exercício do mandato, como apreensão do passaporte.

Prevaleceu a proposta de Alexandre de Moraes de que tanto o afastamento quanto outras medidas que afetassem “direta ou indiretamente o exercício do mandato a parlamentares” poderiam ser encaminhadas para a análise do Poder Legislativo. Finalizada a polêmica, Cármen Lúcia encerrou a sessão às 22h02. / BEATRIZ BULLA, BRENO PIRES e IGOR GADELHA