Título: Jogo de aparências
Autor: Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2012, Política, p. 2

Maioria dos líderes diz ser favorável à extinção do 14º e do 15º salários no Senado, mas nenhum deles fez qualquer esforço em um ano para tirar da gaveta o projeto que derruba a remuneração adicional dos parlamentares

Contradição é o nome do Senado Federal quando o assunto é recebimento de 14º e 15º salários sem desconto no Imposto de Renda (IR). No discurso, senadores juram de pés juntos quererem o fim da farra paga com o dinheiro do contribuinte. Ontem, justamente um dia depois de a Receita Federal instaurar procedimento investigatório para derrubar a regalia com carimbo oficial, líderes das bancadas partidárias fizeram uma defesa veemente da extinção da benesse. No jogo das aparências, que uniu governo e oposição, os senadores falaram em injustiça com os trabalhadores brasileiros, pregaram humildade, direitos iguais e disseram até que nunca queriam ter recebido o benefício. Na prática, longe dos questionamentos da imprensa e da opinião pública, os parlamentares nunca se mexeram para acabar com os rendimentos extras.

Há um ano, dorme na gaveta do Senado Federal projeto da então senadora e atual chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT-PR), para acabar com as duas remunerações adicionais. Ontem, o relator do projeto, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), comunicou, inclusive, que fez a sua parte e concluiu o relatório em julho do ano passado. "É inexplicável um senador da República receber 14º e 15º. É preciso uma pressão da sociedade." Desde 7 de julho do ano passado, a papelada repousa na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), foi procurado, mas, no entanto, não falou sobre o assunto. Alegou, por meio da assessoria, que o dia estava bastante atribulado. Nos oito anos de mandato dos senadores, o custo com o pagamento dos extras é de R$ 34,6 milhões. Na Câmara, o deputado Reguffe (PDT-DF) também apresentou projeto semelhante que não foi votado.

O senador Álvaro Dias, do PSDB-PR, líder da bancada tucana, chegou a dizer que não fazia questão nem de receber salário durante o ano inteiro. "Não olho nem o meu contracheque. Sou contra até o salário normal. A extinção dos extras tem meu total apoio. Não quero receber isso. Sou contra qualquer benefício", assegurou. Ele também defendeu, se os extras não forem extintos, o desconto no Imposto de Renda.

O líder do PT, senador Walter Pinheiro (BA), seguiu o mesmo caminho. "Por mim, podem acabar com isso." O senador Blairo Maggi (PR-MT) defendeu o fim de qualquer tipo de regalia. "É uma injustiça com os trabalhadores." Acir Gurgacz (PDT-RO), líder do partido, salientou que chegou a hora do Senado oferecer uma contribuição. "Vamos trabalhar para que se tenha uma igualdade." Inácio Arruda (PCdoB-CE) foi irônico. "Votaria pela extinção, mas era bom a gente se preocupar com a taxa de juros do país também."O senador Randolfe Rodrigues (PSol) cobrou celeridade para votação do projeto. "Esses salários extras precisam ser extintos."

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) não se posicionou sobre a questão. Disse que, por ser líder do partido, precisa submeter o tema à bancada. "Essa é uma questão institucional." Demóstenes Torres (DEM-GO), Francisco Dornelles (PP-RJ) e a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) foram procurados, mas não retornaram as ligações telefônicas. Gim Argello (PTB-DF) disse, ontem, que preferia não falar sobre o assunto.

Resposta A assessoria de imprensa do Senado Federal encaminhou nota oficial, no fim da tarde de ontem, defendendo juridicamente o pagamento das duas parcelas adicionais chamada de "ajuda de custo". O documento alega que a natureza jurídica do benefício é indenizatória e, por isso, não cabe tributação. Segundo a nota, o pagamento do benefício está amparado em decretos legislativos que asseguram o caráter indenizatório. Na Câmara, o 14º e 15º salários sofrem descontos normais de 27,5%. O delegado Regional da Receita no Distrito Federal, Joel Miyazaki, informou que hoje o Senado e a Câmara Legislativas vão ser intimados para que toda documentação referente ao assunto seja apresentada.