O Estado de São Paulo, n. 45281, 08/10/2017. Política, p. A6.

 

Armados até os dentes

Eliane Cantanhêde

08/10/2017

 

 

O julgamento do Supremo na próxima quarta-feira, dia 11, vai muito além de definir se pode isso ou aquilo contra o senador tucano Aécio Neves porque estabelecerá limites para punições impostas pela alta corte a políticos com mandato e limites para a reação do Congresso. O que está em jogo é, de um lado, a impunidade dos políticos; de outro, o equilíbrio entre Poderes diante da corrupção.

Em três anos e meio, a Lava Jato jogou atrás das grades empreiteiros, executivos da Petrobrás, doleiros, políticos sem mandato e, agora, os maiores produtores de carnes do mundo. Quem falta? Deputados e senadores alvos de inquérito, inclusive os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e o próprio Aécio Neves. Criticase a PGR e a Lava Jato, bloqueiam-se valores e bens de Joesley e Wesley Batista, toma-se partido na crise entre STF e Senado, mas decidir sobre esses processos, nada...

As exceções foram Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral. O Supremo retirou a presidência e o mandato de Cunha por atrapalhar as investigações, e a Câmara ratificou a decisão. Delcídio, primeiro senador preso desde a rede- mocratização, foi gravado acertando R$ 50 mil e rotas de fuga para evitar uma delação e caiu com base na Constituição, que só prevê prisão para senadores por flagrante delito inafiançável.

Ficou nisso. E é assim que a decisão de quarta tem um peso enorme e divide corações, mentes e leituras dos onze ministros do STF, ao definir regras e ritmo para as punições a deputados e senadores. Em pauta, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a possibilidade de o Congresso rever, em até 24 horas, qualquer medida liminar contra congressistas que não seja prisão.

Pela Constituição, os plenários da Câmara e Senado precisam autorizar a prisão de um de seus membros decretada pela Justiça. E as medidas que não sejam prisão, como o afastamento do mandato e o “recolhimento noturno”, que foram aplicados a Aécio pela Primeira Turma do STF, estão previstas no Código do Processo Penal?

O Senado está armado até os dentes, mas adiou o confronto com o Supremo para depois da decisão, enquanto os presidentes Eunício Oliveira e Cármen Lúcia atuam diplomaticamente para evitar a guerra. Prever julgamentos no Supremo é temerário, porque, por trás das lentes que interpretam a letra fria da lei, há homens e mulheres de carne e osso, com suas ideologias, crenças, escolas de Direito, mas vale projetar resultados.

Os três da Primeira Turma que impuseram o afastamento e a prisão domiciliar noturna de Aécio – Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux – votarão, pelo óbvio, contra a Adin e o poder dos plenários da Câmara e do Senado de derrubarem medidas cautelares diversas da prisão. Eles devem ter o reforço de Edson Fachin.

No lado oposto estão Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que já deram declara- ções públicas, e Alexandre de Moraes, que votou contra as penas de Aécio na Primeira Turma. Pelo alinhamento no STF, a eles podem se somar Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Dá quatro a cinco e a expectativa é de que a decisão caia no colo do decano Celso de Mello, um “garantista” que não demonstra preferências ideológicas e tem votos muito técnicos, e de Cármen Lúcia, que agrega ao papel de juíza uma enorme responsabilidade institucional.

Se o STF decidir que pode usar o Código do Processo Penal para afastar e decretar prisão domiciliar de senadores e deputados, o Congresso vai reagir à bala. Se decidir que não, que está mantido princípio de prisão só por crime inafiançável e flagrante delito, o Congresso recolhe as armas, mas a opinião pública vai à luta: até quando os campeões Renan, Jucá e Aécio continuarão impunes? A guerra, portanto, continua.

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Regulamentação do lobby no País volta à discussão

Adriana Ferraz

08/10/2017

 

 

Especialistas defendem tornar claras relações entre parlamentares e empresários para evitar irregularidades e ‘criminalização da política’

 

 

A dificuldade em se comprovar que a íntegra de um ato legislativo foi comprada por determinada empresa ou aprovada por pressão de um setor da economia praticamente inviabiliza a anulação de tais normas na Justiça e leva, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, a um debate mais amplo, que envolve a necessidade de se regulamentar a atividade do lobby no Brasil.

O tema já está colocado há pelo menos dez anos, quando um projeto de lei passou a tramitar na Câmara dos Deputados. De autoria do atual líder do PT na Casa, o deputado Carlos Zarattini (SP), a proposta já foi arquivada, desarquivada, apensada a outro projeto e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, restando agora somente ser apreciada pelo plenário, o que pode ocorrer ainda neste mês, segundo o parlamentar.

Especialista em Direito Público, o advogado Floriano Azevedo Marques afirma que o lobby é legítimo e inerente à democracia. “O problema é a forma como ele se dá no Brasil. Aqui, os representantes dos mais diversos setores econômicos, dos sindicatos, ficam às escondidas nos gabinetes dos parlamentares. Nos Estados Unidos, eles têm crachá e circulam livremente pelo Congresso. Regulamentar essa atividade, torná-la mais transparente pode ajudar a reduzir atos de corrupção”, diz.

Professora de Direito do Estado da Universidade de São Paulo (USP), Paula Dallari ressalta que a criminalização da política é negativa para o País. O problema, segundo a especialista, não está nos ritos legislativos, mas na composição e no funcionamento do Congresso. “O desprestígio da representação política, causado por diversos fatores, torna a Casa mais vulnerável à ‘política de balcão’, pautada pela troca de favores entre Executivo e Legislativo e permeável à pressão de interesses não expressamente identificados, sem falar na prática de crimes, que infelizmente está sendo evidenciada como frequente.”

Paula também afirma que a regulamentação do lobby conferiria mais transparência ao processo legislativo e ressalta que essa medida seria um avanço em relação às disciplinas já em vigor no País neste sentido. Ela cita como exemplo a Lei 12.813, de 2013, que trata sobre conflitos de interesses, indicando parâmetros objetivos sobre os possíveis conflitos de autoridades do Executivo.

 

Efeito. Marques acrescenta que qualquer regulamentação não pode abrir caminho para a proliferação de leis de efeito concreto, ou seja, leis que têm um destinatário certo, beneficiando, por exemplo, apenas uma empresa e não um setor. “Esse tipo de ato, travestido de lei, é que pode ser contestado na Justiça e até anulado. É preciso separar lobby de corrupção e não criminalizar a política de incentivos”, explica.

O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, alerta que a conotação negativa dada à atividade no Brasil difere do que ocorre em outras democracias consolidadas. “Aqui, lobby virou palavrão, quando é, na verdade, uma atividade legítima, que revela quem representa quem, tornando as relações mais claras e mais fáceis de serem fiscalizadas,” diz. “Tornar o lobby legal é indispensável para regular a própria democracia. O que não pode é deixar como está, na penumbra.”

 

Congresso. Proposta sobre a atividade do lobby no Brasil já pode ser apreciada pelo plenário

 

Gratidão

Cinco projetos foram citados por delatores como tendo sido negociados com contrapartida financeira, embora não tenham sido aprovados.

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ANÁLISE

 

Precisamos de regras iguais para todos os brasileiros

Fernando Schuler

08/10/2017

 

 

O Brasil criou, nas últimas três décadas, um bomba de efeito retardado: a combinação perversa de um Estado grande e interventor e um sistema frouxo de financiamento empresarial de campanhas. Ao longo de 17 eleições, desde a redemocratização, foi fato comum assistir aos mesmos empresários que financiavam os partidos, logo após as eleições, negociando subvenções e medidas fiscais especiais.

Os resultados desse modelo eram previsíveis. O Brasil se tornou um exemplo bem acabado de “cronismo”, ou “capitalismo de compadres”. Entre 2004 e 2013, as isenções fiscais (envolvendo incentivos para a indústria automobilística, Zona Franca de Manaus e uma enorme gama de benefícios setoriais) saltaram de R$ 24 bilhões para R$ 218 bilhões. Ainda neste ano, com a aprovação da nova TLP, o País começa a corrigir a lógica de subsídios implícitos e pouco transparentes nos financiamentos do BNDES.

O Brasil sempre foi um país avesso ao que Sérgio Buarque, em seu clássico escrito nos anos 1930, denominava “universalismo de procedimentos”: a ideia simples de que as leis, no limite máximo possível, devem ser iguais para todos. É evidente que a existência de um “mercado político” é uma condição de qualquer democracia, e que o lobby organizado sempre existirá. E é legítimo, sob regras claras. O ponto é que precisamos de um desenho institucional capaz de rotineiramente proteger os interesses difusos do cidadão-contribuinte da ação de minorias organizadas e “capturadores de renda”.

 

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER