O Estado de São Paulo, n. 45285, 12/10/2017. Política, p.A7

 

 

 

 

 

 

PF monitora italiano no litoral paulista

Battisti estabelece residência na pequena cidade de Cananeia; Temer deve decidir se revoga o decreto de Lula e determina extradição

Por: Ricardo Galhardo

 

Ricardo Galhardo

ENVIADO ESPECIAL / CANANEIA (SP)

 

A Polícia Federal monitora os passos de Cesare Battisti desde que o italiano foi solto após passar dois dias detido na fronteira com a Bolívia, sob acusação de evasão de divisas. No início desta semana a delegacia de Polícia Civil de Cananeia, no litoral paulista, recebeu um pedido da PF para fotografar a casa onde Battisti vive e confirmar que o italiano estabeleceu residência na cidade.

“Isso é a praxe. Como a Polícia Federal não tem representação aqui ela nos pede apoio”, confirmou o delegado Weslley Franklin de Paula. A assessoria da PF foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.

O presidente Michel Temer poderá decidir nos próximos dias se revoga ou não o decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia de seu governo – em 31 de dezembro de 2010 – e extraditar Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos. Na ocasião, Lula não seguiu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela extradição. A defesa do italiano apresentou no fim de setembro um habeas corpus na Corte para evitar uma eventual revogação do decreto presidencial.

Segundo fontes do Planalto, a equipe jurídica do presidente está debruçada sobre um parecer que pode servir como justificativa para a extradição do italiano. Temer tem indicado disposição em revogar a decisão de Lula, mas quer evitar qualquer chance de conflito com o Supremo. A tendência é de que o presidente aguarde a decisão da Corte, cujo relator do caso é o ministro Luiz Fux.

Battisti voltou no domingo à noite para Cananeia, cidade histórica de 12 mil habitantes localizada no litoral sul de São Paulo. Desde que saiu de Embu das Artes, na Grande São Paulo, há mais de um ano, ele divide o tempo entre a cidade litorânea e São José do Rio Preto, no interior, onde moram sua mulher e o filho de 4 anos. Nos documentos enviados à Justiça, o endereço de Battisti é o de São José do Rio Preto.

Na semana passada, ele foi detido com mais dois amigos quando tentava atravessar a fronteira com a Bolívia em Corumbá, em Mato Grosso do Sul, com US$ 6 mil e ¤ 1,3 mil. Ele ficou preso sob a acusação de evasão de divisas. Foi solto depois por ordem do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região.

Em recente entrevista à TV Tribuna, de Santos, o italiano classificou a prisão como uma “armadilha” e disse que, por lei, tem o direito de sair do Brasil quando quiser.

Battisti foi condenado na Itália em 1993 pelo envolvimento no assassinato de quatro pessoas na década de 1970, quando integrava o grupo extremista de esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) e é alvo de pedidos de extradição por parte do governo italiano. Ele nega participação nos crimes.

Para amigos, tanto a prisão em Corumbá quanto o monitoramento da PF são sinais de que Temer pode revogar o decreto assinado por Lula. “Cesare está na típica posição de troféu. É como aqueles filmes de caubói que tinham a figura do caçador de recompensas. É uma obsessão”, disse o historiador italiano Carlos Lungarzo, autor de um livro sobre o caso. Segundo ele, Temer pode ser levado a tomar uma decisão mais política do que jurídica. “Não há um motivo para que ele não possa sair do País. Tudo isso é uma manobra política.”

 

Rotina. Em Cananeia, Battisti desfruta da rotina tranquila de uma cidade pequena. Mora em uma casa simples, com portão de alumínio e uma bandeira do Corinthians perto da entrada. Há três meses constrói sua própria residência no Bairro Carijo, a alguns quarteirões da área central. Segundo os pedreiros que trabalham na obra, é uma casa de dois quartos em um terreno com 10 metros de frente e 30 de fundos.

“Para a Polícia Civil, Battisti é apenas mais um morador da cidade no gozo de seu direito de ir e vir”, afirmou o delegado Franklin de Paula.

Battisti vive de traduções que faz para editoras francesas e dos direitos autorais dos livros que escreve. Atualmente está terminando um romance de ficção histórica que se passa em Cananeia intitulado Quilômetro Zero.

Apesar do aparente anonimato, quase todos na cidade conhecem a história de Battisti. De vez em quando a presença do “terrorista” – como costuma ser chamado – desencadeia ondas de boataria. A última dava conta de que “os italianos” iriam explodir a casa onde Battisti morava para levá-lo de volta à Itália.

Conforme moradores, o italiano, que vive foragido desde 1981, costuma andar a pé, gosta de conversar sobre assuntos diversos, principalmente futebol, mas evita falar sobre o próprio caso. / COLABOROU CARLA ARAÚJO

 

‘Praxe’

“Isso ( o monitoramento de Cesare Battisti) é a praxe. Como a Polícia Federal não tem representação aqui ela nos pede apoio.”

Weslley Franklin de Paula

DELEGADO EM CANANEIA (SP)

 

CRONOLOGIA

Histórico do caso Battisti

1981 Fuga

Battisti é condenado a 12 anos e 10 meses de prisão por “participação em grupo armado” e “ocultamento de armas”. Ele foge da Itália para a França.

 

1993

Prisão perpétua

Italiano é condenado à prisão perpétua pela Justiça de Milão sob a acusação de envolvimento em quatro homicídios nos anos 1970.

 

2004 Brasil

França decide extraditá-lo. Battisti foge para o Brasil.

 

2007

Preso no Rio

Cesare Battisti é preso no Rio de Janeiro por falsificação de documento e uso de passaporte falso. Itália pede sua extradição.

 

Janeiro de 2009

Refugiado

O então ministro da Justiça, Tarso Genro, concede refúgio político a Battisti. Após a medida, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que a decisão relativa ao italiano é “soberana”.

 

Novembro de 2009

Supremo

Supremo Tribunal Federal (STF) decide pela extradição de Battisti, mas deixa para Lula a decisão final.

 

2010

Decisão

Em seu último dia de mandato na Presidência da República, Lula nega a extradição do italiano.

 

2011

Permanência

Supremo Tribunal Federal ordena a soltura do italiano. Já o Conselho Nacional de Imigração autoriza a permanência de Battisti indefinida no País.

 

2015

Deportação

A Justiça Federal determina a deportação de Battisti do Brasil ao considerar irregular a concessão de visto permanente ao italiano.

 

2016

Habeas corpus O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux rejeita pedido habeas corpus preventivo a Battisti.

 

Outubro de 2017

Detido

Battisti é detido pela PF em Corumbá, Mato Grosso do Sul. Ele tentava atravessar a fronteira com a Bolívia levando quantia superior a R$ 10 mil em dinheiro.

 

Prisão preventiva

Um dia após ser detido, o italiano tem a prisão preventiva decretada – juiz aponta “tentativa de fuga”.

 

Soltura

Dois dias após ser pego na fronteira, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) concede liminar para a soltura de Battisti.

 

Defesa

Advogados do italiano pedem a suspensão de extradição enquanto STF não julgar habeas corpus.

 

Decisão

O presidente Michel Temer poderá decidir nos próximos dias se revoga o decreto assinado pelo ex-presidente Lula.

 

 

 

 

 

Defesa não crê em revisão por parte de Temer

Por: Carla Araújo

 

BRASÍLIA

 

A defesa de Cesare Battisti disse confiar que o presidente Michel Temer “vai respeitar as normas brasileiras, mesmo diante de pressões políticas”. “A revisão da decisão presidencial não é mais possível, por causa do decurso do prazo e do fato de não haver qualquer vício na conclusão final, como reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal”, afirmou o advogado Igor Tamasauskas, em nota.

“A prescrição da pretensão punitiva pelos crimes a ele imputados no país de nascimento também impede sua extradição. Confia-se, assim, que o presidente da República, conhecido professor de Direito Constitucional, respeitará as normas brasileiras, mesmo diante de pressões políticas internas e externas.”

O advogado de Battisti afirmou ainda que a defesa entende “ser imprescindível sua manifestação prévia em qualquer procedimento tendente a reabrir a discussão sobre sua extradição”. “E Battisti nem sequer foi intimado para isso.”

‘Em análise’. Também em nota, o Palácio do Planalto informou que “o presidente não tem nenhuma decisão sobre o caso que está em análise na Subchefia de Assuntos Jurídicos”.

Anteontem, a defesa do italiano enviou uma nova manifestação ao Supremo pedindo a suspensão de qualquer procedimento que vise à extradição, à deportação ou à expulsão do País até que seja analisado o pedido de habeas corpus apresentado no fim de setembro.

A alegação da defesa é de que há risco de irreversibilidade no caso, diante da possibilidade de o presidente Michel Temer decidir pela extradição do italiano. O relator do caso no Supremo é o ministro Luiz Fux, que ainda não despachou no habeas corpus. / C.A.