O Estado de São Paulo, n. 45285, 12/10/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

 

TCU bloqueia bens de Dilma por Pasadena

Decisão alcança Gabrielli e Palocci, ex-integrantes de conselho da Petrobrás; negócio causou prejuízo de US$ 580 milhões, diz tribunal

Por: André Borges

 

André Borges / BRASÍLIA

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou ontem o bloqueio de bens da presidente cassada Dilma Rousseff em razão da atuação da petista na negociação da aquisição da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), pela Petrobrás. O bloqueio, que tem validade de um ano, foi aprovado pelo plenário da corte.

O bloqueio de bens também atinge os ex-integrantes do Conselho de Administração da Petrobrás Antonio Palocci, José Sergio Gabrielli, Claudio Haddad, Fabio Barbosa e Gleuber Vieira. Cabe recurso da decisão do tribunal. O Conselho de Administração da estatal também pode apresentar contestação, o que levaria a uma nova votação para análise do TCU.

Segundo o tribunal, a compra de Pasadena, realizada em 2006, acarretou prejuízo de US$ 580 milhões à estatal “em razão desses gestores terem adotado critérios antieconômicos para definir o preço da refinaria”. Esse é justamente o valor do débito que terá de ser pago solidariamente nesta ação.

O ministro Vital do Rêgo, relator do processo no tribunal de contas, acatou as recomendações de bloqueio feitas por técnicos da corte e pelo Ministério Público no TCU.

Em 2006, quando votou favoravelmente à compra de 50% da refinaria de Pasadena, Dilma era ministra da Casa Civil e comandava o Conselho de Administração da Petrobrás. Todos os demais integrantes do colegiado seguiram seu voto.

Em março de 2014, Dilma afirmou ao Estado que só apoiou a aquisição da primeira metade da refinaria de Pasadena porque recebeu “informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”.

O “resumo executivo” sobre o negócio foi elaborado em 2006 pela Diretoria Internacional da Petrobrás, comandada na época por Nestor Cerveró, que defendia a compra da refinaria como forma de expandir a capacidade de refino da estatal no exterior. Condenado na Operação Lava Jato, Cerveró ocupou o cargo de 2003 a 2008.

 

Integralidade. “A diretoria executiva apreciou a aquisição de Pasadena em um dia e o Conselho de Administração aprovou uma negociação de milhões de dólares exatamente no dia seguinte”, declarou em seu voto o ministro Vital do Rêgo. “Não se tem dúvida de que o conselho contribuiu para a prática de gestão de ato antieconômico no que se refere à aquisição da primeira metade da refinaria.”

Ainda segundo a decisão, “todos aqueles que participaram da valoração da refinaria de Pasadena no momento de aquisição dos 50% iniciais devem ser responsabilizados pelo débito total, pois o próprio contrato se valia daqueles valores para calcular o preço das ações remanescentes”. De acordo com o tribunal, o conselho será responsabilizado “pela integralidade do débito e não apenas pelo dano decorrente da aquisição da primeira metade da refinaria”.

A decisão de ontem do TCU ocorreu após a corte receber e analisar as argumentações e defesas de cada um dos ex-integrantes do conselho da estatal.

 

Ressarcimento. Em agosto deste ano, o TCU condenou Gabrielli e Cerveró a ressarcir US$ 79 milhões (cerca de R$ 250 milhões) por dano ao erário na compra de Pasadena. A corte impôs, ainda, a cada um, multa de R$ 10 milhões, o arresto dos bens para assegurar o ressarcimento. Na prática, no entanto, a quitação dos montantes é considerada improvável, pois o patrimônio já rastreado de ambos não alcança o valor cobrado.

Na ocasião, a defesa de Gabrielli informou que iria recorrer da decisão do tribunal e que Cerveró “extrapolou os poderes que tinha nas negociações de Pasadena”. Já a defesa de Cerveró afirmou que “a condenação imposta pelo TCU” não reflete a “real atuação” do ex-diretor da Petrobrás no processo de aquisição de Pasadena.

 

Cargo. Dilma foi ministra da Casa Civil e presidiu conselho da Petrobrás

 

Relator

“Não se tem dúvida de que o conselho contribuiu para a prática de gestão de ato antieconômico (na aquisição de Pasadena).”

Vital do Rêgo

RELATOR DO CASO NO TCU

 

 

 

 

 

‘Não há prova de qualquer ilícito’, afirma petista

Segundo Dilma, compra da primeira metade da refinaria se baseou em ‘informações jurídicas e financeiras íntegras’
Por: André Borges

 

BRASÍLIA

 

A presidente cassada Dilma Rousseff negou ontem irregularidades por parte do Conselho de Administração da Petrobrás na aquisição da refinaria de Pasadena, em 2006. “Não há prova alguma de qualquer ilícito praticado pelo Conselho Administrativo da Petrobrás. Muitos dos seus integrantes eram empresários do mercado, com experiência em gestão e aquisições”, disse a petista em nota.

Ainda segundo Dilma, nenhum dos integrantes do conselho tinha ligação política com o governo. “Está claro, pelas próprias atas do Conselho de Administração da Petrobrás, que a compra de 50% das ações de Pasadena foi feita com base em avaliações e informações jurídicas e financeiras consideradas íntegras e cabais. Dois anos depois, o conselho foi informado de que tais informações eram parciais e incorretas.”

O comunicado cita ainda um parecer do Ministério Público Federal, de julho de 2014, segundo o qual “não é possível imputar o cometimento de delitos de nenhuma espécie aos membros do Conselho de Administração da Petrobrás, mormente quando comprovado que todas as etapas e procedimentos referentes ao perfazimento do negócio foram cumpridas”.

A defesa do ex-ministro Antonio Palocci, que integrou o conselho, declarou que só vai se manifestar depois de ser oficialmente informada do processo. O Estado não conseguiu contato com José Sergio Gabrielli, Claudio Haddad, Fabio Colletti Barbosa e Gleuber Vieira. / A.B.

 

 

 

 

 

 

Crítico de pedaladas contesta banca de concurso da USP

Após caso de Janaina Paschoal, autora do impeachment, docente de Direito Financeiro ameaça entrar na Justiça
Por: Marianna Holanda / William Castanho

 

Marianna Holanda

William Castanho

 

Um dos especialistas em direito financeiro responsáveis por apontar a prática de crime de responsabilidade de Dilma Rousseff nas pedaladas fiscais durante o impeachment, José Maurício Conti ameaça entrar na Justiça contra uma banca de concurso de professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Reprovada em disputa na área penal, Janaina Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment da petista, alegou ontem sofrer “perseguição” na instituição.

Questionado se é alvo de per- seguição, Conti disse que “é possível”. “Não é concreto, envolve muita subjetividade. Não tenho dito que isso ocorreu, ou que não ocorreu. Há uma coincidência, mas não gosto de fazer consideração de caráter subjetivo”, afirmou o professor, que é juiz de direito. No Twitter, após publicação de reportagem do Estado, Janaina levantou a suspeição: “Coincidência ou não, o professor Conti foi um dos especialistas ouvidos durante o im- peachment. Ele demonstrou a ocorrência dos crimes!”.

A lista com 18 nomes para a banca examinadora foi apresentada a Conti e a outro concorrente em maio. O Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário selecionou cinco avaliadores. À época, o especialista que deu parecer das pedaladas como crime pediu que cinco nomes fossem vetados, sob alegação de que haviam se manifestado “de forma muito incisiva” contra o impeachment. “Impugnei professores que colocaram palavras como ‘foi um golpe’ e ‘escárnio à Constituição’”, disse Conti. Os professores deixaram voluntariamente a banca.

O departamento apresentou novos nomes e a banca foi aprovada pela Congregação – órgão colegiado que homologa concursos –, em agosto. Até então, nem Conti nem o outro concorrente haviam feito objeção. Um mês depois, Conti apresentou um novo recurso, cujo conteúdo prefere não comentar. “Pessoas que tenham se manifesta- do em favor da Dilma (na segunda banca) têm, mas das pessoas que se manifestaram, como no caso do próprio professor Heleno Torres (presidente da banca), eu não ouvi declarações que considero exageradas. Interpretei como declarações dentro dos limites da atuação acadêmica”, afirmou Conti.

Torres disse ontem que Conti não pode se comparar a Janaina. “Ela foi proponente do impeachment, ele prestou uma opinião legal sobre a matéria, que ninguém deu importância na faculdade. Se o Conti usar isso, vou ficar muito triste. Não há opositores, trabalhamos dentro de um grupo muito coeso.”

O segundo recurso de Conti, segundo Torres, não trata de questões políticas ou ideológicas. O concorrente alegou, de acordo com Torres, que há muitos professores de Direito Tributário na banca, enquanto o concurso é na área de Direito Financeiro. “Há uma ética dos concursos públicos que é: candidato não escolhe banca. Nenhuma área prevalece na banca. E nós não temos no Brasil todo professores titulares habilitados para este exame. São apenas dois, e um sou eu”, afirmou o titular de Direito Financeiro da USP.

O pedido de suspensão foi indeferido e a banca foi marcada para o dia 30, quatro dias depois da análise da impugnação pela Congregação. Conti disse que a decisão do diretor da faculdade, José Rogério Cruz e Tucci, não está de acordo com o regimento. “Vou me insurgir contra isso. É um ato imprudente, porque envolve gastos de recursos públicos”, afirmou. “Decisão incorreta.” Ele prometeu levar o caso ao Judiciário.

Tucci disse que os fatos são “distorcidos” e que não é a diretoria que marca a data do concurso, mas o presidente da banca em consenso com os demais membros. “É a Congregação que é competente para examinar o pedido de efeito suspensivo. A primeira reunião da Congregação, depois da interposição do recurso, é a do dia 26. Que culpa eu tenho?”

 

Comissão especial. Conti (à esq.) apontou pedaladas como crime a senadores em 2016

 

Comparação

“Conti não pode se comparar a Janaina. Ela foi proponente do impeachment, Conti prestou uma opinião legal.”

Heleno Torres

PROFESSOR TITULAR DA USP

 

PARA LEMBRAR

A universidade e o impedimento

Uma das mais conceituadas da América Latina, a Faculdade de Direito da USP ficou dividida no impeachment: de um lado, Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr., autores do pedido; de outro, os juristas que subscreveram manifestos ou assinaram pareceres contrários ao processo contra Dilma. Todos docentes.