O Estado de São Paulo, n. 45281, 08/10/2017. Política, p. A8.

 

Atuação de Maia intriga Temer de novo

Vera Rosa

08/10/2017

 

 

Presidente da Câmara participa de jantares com parlamentares de oposição e dá declarações que causam estranheza dentro do governo

 

 

Às vésperas da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, as movimentações políticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), intrigam o Palácio do Planalto. Desde setembro, quando o deputado acusou uma ofensiva do PMDB e do governo para “atropelar” o crescimento do DEM e participou de jantares com colegas da oposição, a escalada de atritos entre antigos aliados expôs o desgaste no relacionamento.

Em conversas reservadas, Temer tem dito que não entende o que Maia quer. Mesmo assim, na tentativa de evitar novos problemas, o presidente pediu a auxiliares e a dirigentes do PMDB que “joguem água na fervura”. A prioridade é evitar mais uma crise no momento em que a Câmara vai decidir o futuro de Temer e dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), também denunciados pela Procuradoria-Geral da República.

Quem participou do jantar com Maia na terça-feira, na casa da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), disse que ele não quer se associar à impopularidade de Temer e pretende se descolar aos poucos, por uma questão de sobrevivência política. O presidente tem apenas 3% de aprovação, segundo pesquisa Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Primeiro na linha de sucessão da Presidência da República e no quinto mandato consecutivo, Maia jura que será candidato à reeleição e a uma nova temporada no comando da Câmara. Até a cúpula do DEM, no entanto, admite que, dependendo do cenário, ele pode disputar o Planalto, em 2018.

 

Voo alto. “Rodrigo é um grande articulador e tem condições de dar voos mais altos. Pode compor qualquer chapa majoritária no ano que vem”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). Embora Maia tenha se reunido algumas vezes com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), o DEM assegura que não o convidou para ser candidato à Presidência.

“Quero ver quem vai ficar descolado do governo no ano que vem, quando o Brasil estará retomando o crescimento. Se descolar agora, não cola mais lá na frente”, afirmou o vice-líder na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP).

Maia não esconde a irritação com o que chama de “fogo amigo” palaciano e recentemente escancarou a contrariedade com ações de Padilha e Moreira. “Nem na cadeira de presidente eu sento quando o Michel está fora. Não faço isso de jeito nenhum”, contou o deputado, que já assumiu várias vezes o lugar de Temer, em razão das viagens do peemedebista. “Há muitas intrigas e espero que eles sejam mais respeitosos comigo”, emendou o presidente da Câmara, sempre se referindo ao governo como “eles”.

No encontro que teve Kátia como anfitriã – o segundo em menos de duas semanas –, Maia também fez reparos à atuação de Temer. Diante de senadores críticos ao governo, como Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jorge Viana (PT-AC), apontou erros do Planalto na relação com os aliados e disse ter avisado o presidente, quando a Câmara barrou a primeira denúncia contra ele, em 2 de agosto, que era preciso “reconstruir” o governo, com uma nova cara e uma agenda de desenvolvimento para o País, se não quisesse enfrentar mais turbulências.

Na avaliação de Maia, como nada disso foi feito, o ambiente político de hoje é mais adverso a Temer. Embora calculando que o presidente terá votos para impedir o prosseguimento da segunda denúncia – desta vez por organização criminosa e obstrução da Justiça –, o deputado prevê que a vida do governo não será fácil. Em quase todos os partidos há aliados rebeldes e o PSDB continua cada vez mais dividido.

 

Temperatura. O diagnóstico também está sendo traçado pelo presidente da Câmara em reuniões mantidas com empresários, que vira e mexe o procuram para medir a temperatura da crise. Nem sempre esses encontros constam da agenda oficial. Até mesmo auxiliares de Temer admitem agora que o governo poderá ter menos apoio do que na primeira votação – quando conseguiu 263 votos para arquivar a denúncia por corrupção passiva –, mas não veem riscos para o Planalto. A nova acusação do Ministério Público Federal passará pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) depois do feriado e irá a plenário por volta do dia 24.

O ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, saiu em defesa de Maia e disse que ele mantém uma “conduta exemplar”. Questionado sobre os rumores de que o presidente da Câmara estaria interessado na cadeira de Temer, Imbassahy encerrou o assunto.

“Não identifico qualquer ‘fogo amigo’, até porque jamais alguém faria um comentário contra o Rodrigo na minha presença. Todos sabem da relação de confiança e amizade que temos”, disse o ministro, que é filiado ao PSDB.

 

‘Facada nas costas’. As críticas de Maia na direção do governo e do PMDB ganharam corpo depois que o partido de Temer pulou na frente do DEM para filiar parlamentares dissidentes do PSB. Na lista estava o senador Fernando Bezerra Coelho (PE). Furioso, Maia falou em “facada nas costas” e não poupou o Planalto.

“A gente espera que o PMDB, entendendo tudo que o DEM fez pelo governo até agora, tire os pés da nossa porta”, reagiu ele, em 20 de setembro. Conhecido pelo estilo passional, Maia parecia outro homem, 15 dias antes, quando assinou o acordo de recuperação fiscal do Rio com a União. Presidente em exercício, o deputado foi às lágrimas naquela cerimônia. O ajuste nas contas públicas será sua bandeira da campanha, em 2018. Resta saber a que cargo.

 

‘Cadeira de presidente’

“Nem na cadeira de presidente eu sento quando o Michel está fora. Não faço isso de jeito nenhum.”

Rodrigo Maia

PRESIDENTE DA CÂMARA

 

“Quero ver quem vai ficar descolado do governo no ano que vem, quando o Brasil estará retomando o crescimento. Se descolar agora, não cola mais lá na frente.”

Beto Mansur

VICE-LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA

 

“Não identifico qualquer ‘fogo amigo’, até porque jamais alguém faria um comentário contra o Rodrigo na minha presença.”

Antônio Imbasshy

MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

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Lista de pedidos vai além das emendas

Leonencio Nossa

08/10/2017

 

 

'Maratona' / Temer ouviu até deputados com interesses locais

 

 

Na “maratona” que cumpriu na última semana para receber parlamentares, às vésperas da votação da segunda denúncia na Câmara, o presidente Michel Temer ouviu desde pedidos de bancadas tradicionais, como a ruralista e a evangélica, até grupos com interesses locais.

Para atender a bancadas estaduais, ministros do núcleo político do Palácio do Planalto se desdobram em análises de liberação de verbas, mas as audiências concedidas por Temer na terça-feira e na quarta-feira, quando ele ficou em seu gabinete até altas horas da noite, vão além das emendas.

O deputado Simão Sessim (PP-RJ), por exemplo, organizou um grupo que buscava apoio a prefeitos preocupados com o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de uma ação para retroagir a Lei da Ficha Limpa para antes de 2010. “Ele ( Temer) é constitucionalista, então a gente pensou que poderia nos dar alguma sugestão”, disse Sessim. Um dos integrantes da caravana, o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), tentava ajudar o pai, Sebastião Quintão, prefeito de Ipatinga, que governa por meio de liminar porque foi condenado em 2008 pelo TRE por abuso eleitoral.

No encontro, Temer demonstrou interesse em saber sobre as estratégias de defesa dos prefeitos, sem sinalizar nada. “De qualquer forma, Temer foi muito gentil e educado com o grupo”, afirmou Sessim.

O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SDSP), esteve duas vezes no gabinete para integrar grupos de pressão específicos. No primei- ro encontro, ele levou sindicalistas que fazem lobby para garantir interesses no debate da reforma trabalhista. Temer brincou quando o grupo quis tirar fotos com ele. “Isso é sinal que a minha popularidade está melhorando”, disse, segundo relato de Paulinho. Depois, o parlamentar integrou um grupo amplo de deputados, que defende os interesses dos clubes de futebol. A audiência foi marcada pelo ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB-RJ). A bancada da bola prega a flexibilização do Programa de Modernização de Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, que impôs até o rebaixamento em campeonatos dos clubes com problemas nas contas. Por meio de sua assessoria, a pasta destacou que o governo estuda enviar um projeto com caráter de urgência ao Legislativo para atender a demanda do setor.

 

‘Otimismo’. Da tropa de choque de Temer, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) relatou que, em um dos encontros, o presidente manifestou “otimismo” com as conversas com parlamentares. “Diante da situação, não há nenhum absurdo o presidente receber os deputados. Ele é democrático”, disse. Marun calcula que Temer terá na segunda denúncia uma votação parecida com à primeira. Em agosto, 267 deputados votaram a favor dele, e a denúncia foi barrada. Para Marun, a “fragilidade” da atual acusação levará parlamentares que se posicionaram contra Temer na primeira votação a votar a favor.

Procurada pela reportagem, a assessoria do Planalto não comentou sobre as audiências. Na manhã do último dia 3, o próprio Temer usou uma rede social para anunciar a série de encontros e dizer que “o diálogo é fundamental para a harmonia entres os Poderes”.

 

Gabinete. Temer recebeu parlamentares durante dois dias