Correio braziliense, n. 19924, 10/12/2017. Opinião, p. 15

 

A reforma da Previdência

Sacha Calmon 

10/12/2017

 

 

O governo Temer resolveu explicar, em números, ao povo brasileiro, o que é a reforma da Previdência. Rapidamente, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu veiculação de propagandas do governo federal sobre a reforma da Previdência Social em todo o país. A juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília, determinou multa de R$ 50 mil por dia em caso de desobediência. A ação foi apresentada pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Anfip) contra anúncios em tevê, rádio, jornais, revistas, internet e outdoors da campanha “Combate aos Privilégios”.

O governo federal afirma que o corte de privilégios vai gerar mais recursos para saúde, educação e segurança. A entidade alega que as peças publicitárias não têm cunho educativo, como determina a Constituição, e contêm mensagem “inverídica” sobre as novas regras de aposentadoria. A juíza Rosimayre Carvalho ressaltou que o governo faz “desqualificação de parte dos cidadãos brasileiros”, em referência aos “servidores públicos”.

Os auditores-fiscais e a juíza, já se vê, fazem parte da “nomenklatura”, expressão que remete aos privilegiados da ex-URSS, a burocracia sufocante que ganhava bem em atividade e na inatividade para controlar a sociedade e manter seus privilégios. Mas o Valor e demais jornais, entretanto, continuam informando parte da sociedade. Em 2015, o deficit do governo federal com a aposentadoria dos servidores da União foi maior do que todo o registrado com 33 milhões de aposentados da iniciativa privada. A conta dos aposentados da União foi de R$ 90,7 bilhões, ante R$ 85 bilhões da Previdência geral, segundo cálculos do economista André Gamerman, da Opus Investimentos. O deficit foi pago com recursos do Tesouro extraídos da sociedade, que tem nível de renda bem menor que os beneficiários do topo. A conta de Gamernan compara apenas gastos com aposentadoria: exclui tanto a contribuição patronal que a União paga aos servidores públicos quanto benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas).

A reforma da Previdência começa justamente atacando tais privilégios. Em 2016, cada funcionário público federal aposentado recebeu em média R$ 6,3 mil, seis vezes o que recebe um aposentado da iniciativa privada, ganho que os coloca entre os 1% mais ricos do país. Incluindo ativos e inativos, os 2,2 milhões de funcionários federais (1% da população) custaram ao país R$ 257,8 bilhões (20,7% do orçamento).

Entre idas e vindas, os parlamentares tergiversam, menos Rodrigo Maia. Temem perder votos. Temer aceitou amenizar a reforma, sob chantagem parlamentar. O professor da PUC-Rio, José Márcio Camargo, elogiou a nova proposta. “É bastante boa. Se aprovada, será a melhor reforma da Previdência já feita no país”. Camargo afirmou que, se passar no Congresso, serão quebrados dois tabus — a definição de uma idade mínima para a aposentadoria e a equiparação das regras do sistema público e do sistema privado. “Se conseguirem aprovar isso, será um ganho estrutural muito importante”.

A adoção de uma idade mínima melhora a distribuição de renda, porque a maioria dos pobres já se aposenta por idade. Positivas, também, são as medidas que aproximam as regras do setor público do privado, como o fim da aposentadoria integral para homens com menos de 50 anos de idade e para mulheres com menos de 45 anos. Reformar a Previdência dos militares deveria ser prioridade.

Enquanto em 2016 a média do benefício mensal do militar chegou a R$ 9,168 mil, a dos que recebem o benefício do INSS foi de R$ 1,068 mil, sendo R$ 1.195,25, na área urbana, e R$ 786,11, na rural. No caso dos servidores civis, o valor médio pago foi de R$ 6,3 mil. O levantamento foi feito pelo Valor Pro, com base no Relatório Resumido de Execução Financeira e o Boletim de Informações de Previdência Social.

Temer luta, como se fora um novo Getúlio Vargas, pelos que estão na base da pirâmide social. Mas a “nomeklatura” resiste. Não quer pagar previdência privada complementar, quer, sim, que a União (que é de todos) deposite para eles 8% dos seus vencimentos, “a parte do patrão,” e tampouco se importam com a saúde, a educação e a segurança dos seus compatriotas. A Rede Globo também não ajuda. As verbas de publicidade no governo Temer quase desapareceram, como convinha a um país em recessão e deficitário no orçamento. E por causa disso o apoio à reforma da Previdência — vital para as contas públicas — começa só agora a deslanchar. A necessidade de a fazermos é tão grande que pega mal resistir. Somente o PT, PSTU, PSOL bradam: “Abaixo a reforma da Previdência e fora Temer”, toadas desafinadas à medida que a economia cresce e as reformas trabalhista, previdenciária, do serviço público, do ensino médio, do regime de exploração do petróleo.