Valor econômico, v. 17, n. 4369, 26/10/2017. Política, p. A10.

 

 

Com fim do foro, reversão de decisão do STF poderia beneficiar Temer

Cristian Klein

26/10/2017

 

 

A rejeição pela Câmara dos Deputados da autorização para que a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer prosseguisse no Supremo Tribunal Federal (STF) deu sobrevida ao pemedebista no Palácio do Planalto, mas abriu a contagem regressiva para que o presidente articule saídas que evitem sua prisão quando o mandato terminar em 31 de dezembro de 2018. Escapar da alçada dos juízes de primeira instância, como Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, passa a ser uma prioridade para Temer.

Há, pelo menos, quatro possibilidades no horizonte do presidente para que as denúncias sejam mantidas no âmbito do STF. A primeira hipótese, e menos provável, é que Temer mantenha o foro privilegiado ao conquistar um novo mandato nas eleições do ano que vem. Concorrer a uma vaga de deputado federal seria o mais factível eleitoralmente, mas para isso o pemedebista teria que renunciar ao cargo de presidente da República até o prazo de desincompatibilização, em abril.

A renúncia deixaria Temer, ainda que provisoriamente, sem o cargo que lhe dá a prerrogativa de foro, permitindo que as denúncias da PGR fossem remetidas para a primeira instância. Ou seja, seria, muito provavelmente, um tiro no pé, especialmente considerando a incerteza e o fato de que Temer nunca obteve votações expressivas nas urnas. O único jeito de buscar novo mandato sem renunciar é disputar a reeleição, o que não está em cogitação para o presidente mais impopular desde a redemocratização.

A segunda alternativa, também com grau elevado de incerteza, seria ser nomeado, a partir de 2019, para funções não eletivas com foro privilegiado, como a de ministro ou de secretário estadual. Mas para isso dependeria, primeiramente, da vitória de um aliado à Presidência ou a governador, e, em segundo lugar, da boa vontade destes em chamá-lo para o posto. O terceiro empecilho seria a probabilidade de que algum magistrado barrasse sua nomeação sob a justificativa de haver obstrução de Justiça - como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando o petista foi indicado à Casa Civil pela sucessora Dilma Rousseff.

A terceira saída, já aventada no ápice da crise que veio depois da delação da JBS, é a aprovação, por meio de um amplo acordo entre forças políticas, de uma proposta de emenda constitucional que estendesse o foro privilegiado a ex-presidentes da República. A medida beneficiaria, além de Temer, Lula, Dilma, Fernando Collor e José Sarney. Tal projeto representaria uma bomba sobre o trabalho já realizado por Moro em relação a Lula e daria sinal verde à candidatura presidencial do petista.

É algo improvável, dadas as reações que viriam da opinião pública. O deputado federal Carlos Zaratini (PT-SP) concorda que hoje não há condições para aprovação de uma PEC neste sentido, mas que "ninguém pode prever o clima daqui a três, seis meses".

A saída factível para Temer seria revestir o seu interesse individual de propósitos mais coletivos ou corporativos. E aí a alternativa mais viável recairia sobre a revisão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A reversão da decisão, tomada pelo STF em outubro do ano passado e que será reanalisada em breve pela própria Corte, é de interesse de um amplo grupo de políticos e empresários investigados na Lava-Jato. "A possibilidade de prisão só depois da última instância tem muito mais apoio no Congresso do que o foro especial apenas para os ex-presidentes", diz Zaratini.

Líder da maioria na Câmara, Lelo Coimbra (PMDB-ES) diz que, rejeitada a denúncia pelo plenário da Casa, o governo dará prioridade à agenda de reformas. Afirma que "não há ambiente" para Temer propor a revisão da prisão em segunda instância no Legislativo: "Isso não está na pauta, é especulação".