O Estado de São Paulo, n.45283 , 10/10/2017. Política, p.A6
Daiene Cardoso / BRASÍLIA
O deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentará hoje à tarde na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara relatório sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da União contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). A expectativa dos governistas é de que o tucano vote pelo arquivamento das acusações de obstrução da Justiça e organização criminosa.
A base aliada se mobilizou na semana passada para manter o tucano na CCJ e na relatoria do caso. “Eu não sei qual será o parecer de Bonifácio, mas espero que seja pelo arquivamento da denúncia. É claro que temos de respeitar a posição dele pelo saber jurídico que tem. Eu tenho certeza de que vai apresentar algo que seja justo para o Brasil”, afirmou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRBSP). “Não vai ter surpresa.”
O vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), disse esperar um relatório “equilibrado”. Para ele, diferentemente da primeira denúncia, por corrupção passiva, a votação será mais tranquila para o governo tanto na CCJ quanto no plenário. “Não teremos trabalho nem lá (na CCJ), nem cá (no plenário).”
Oposição. A sessão do colegiado está marcada para as 10h, mas, como o relator pediu mais tempo para concluir seu parecer, o presidente da comissão, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), abrirá os trabalhos respondendo às duas questões de ordem e aos três requerimentos protocolados pela oposição. Entre os pedidos estão os dos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Alessandro Molon (Rede-RJ) solicitando a votação separada da au- torização para o prosseguimento do processo em relação a cada um dos acusados. Também há um requerimento do deputado Sérgio Zveiter (Pode-RJ) questionando a cessão da vaga de suplente do PSC para Bonifácio continuar na comissão após ser destituído pelo PSDB.
O relator indicou que não pretende separar as acusações no parecer de acordo com o cargo do denunciado e o crime imputado, como quer a oposição. “A denúncia não separa as pessoas”, disse o tucano. Segundo Bonifácio, caberá a Pacheco decidir como fará a votação. O foco do relatório, declarou, será a análise da acusação de organização criminosa. A acusação de obstrução da Justiça deve ficar em segundo plano.
Rito. A sessão de hoje será a primeira da CCJ para analisar a denúncia contra Temer e seus ministros. Respondidas as questões de ordem e definido o destino dos requerimentos, o primeiro a se manifestar será o relator, que apresentará parecer pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia. Depois, os três advogados de defesa poderão fazer a sustentação oral.
Ao término das apresentações do relator e dos defensores, é esperado um pedido de vista. A comissão se reunirá novamente para discutir o tema no dia 17, data destinada aos debates. Só após todos os parlamentares discursarem na comissão é que ocorrerá a votação do parecer. A expectativa é de que o tema siga para o plenário da Câmara entre 23 e 24 de outubro. / COLABOROU IGOR GADELHA
PGR. Raquel Dodge conversou ontem com o procurador Deltan Dallagnol sobre a Lava Jato
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à manutenção da prisão preventiva do dono da J&F, Joesley Batista, e do ex-executivo Ricardo Saud. Em outro revés para o grupo, o Ministério Público Federal no Distrito Federal abriu um procedimento para investigar se a J&F está descumprindo termos do acordo de leniência.
Ontem, Raquel recebeu, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, procuradores da forçatarefa da Lava Jato em Curitiba. O coordenador, Deltan Dallagnol, apresentou um histórico da operação desde 2014.
Luiz Maklouf Carvalho
Nascido em maio de 1930, lá se vão quase nove décadas, Bonifácio José Tamm de Andrada – ou Andradinha, para os mais chegados – é político profissional desde 1954, quando se elegeu vereador da UDN por Barbacena (MG), sua terra natal. Está no 15.º mandato consecutivo – UDN, Arena, PSD, PTB e PSDB – e novamente sob holofotes desde que foi indicado como relator da denúncia contra o presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Conservador de escol, Bonifácio teve participação destacada em vários momentos. Foi, por exemplo, dos que se bateram contra a emenda das Diretas-Já (1984), abstendo-se de votar. Na Constituinte (19871988), foi um importante líder do chamado Centrão, tanto na articulação, quanto, principalmente, na elaboração das emendas substitutivas que abriram o leque de propostas. Leia entrevista concedida em maio de 2014 durante pesquisa para um livro sobre a Constituinte.
PERFIL
1. O sr. é recordista em número de mandatos: um de vereador (1954-1958), quatro de deputado estadual (19591975) e está no décimo de deputado federal (desde 1979). Como é que se consegue uma façanha dessas?
A vida inteira, né? Mas é também uma espécie de obrigação. Porque eu sou a quinta geração que permanentemente está no Congresso. Desde 1821, desde as Cortes de Lisboa, até hoje, nós estamos sempre presentes na representação nacional. Só houve uma pequena interrupção, no fim do século anterior: durante quatro anos faltou um Andrada no Congresso.
2. E o que houve, nesse caso?
Foi quando morreu o último representante nosso no século 19 – o José Bonifácio, o moço. Que tem a estátua na porta da Faculdade de Direito de São Paulo.
3. Qual é o seu parentesco direto com o patriarca – José Bonifácio de Andrada e Silva?
O patriarca é avô do meu avô. É interessante. O patriarca não teve filhos, só filhas. E a filha dele mais velha – a Gabriela – casou-se com o irmão dele, o Martim Francisco. Eram os três: Martim Francisco, José Bonifácio e Antônio Carlos. Cada um com um temperamento diferente.
4. Um momento marcante dessa longa trajetória foi sua participação na Constituinte (fevereiro de 1987 a outubro de 1988), quando integrava o minoritário PDS. Quais foram os momentos marcantes que o sr. viveu ali?
O momento realmente mais grave foi quando surgiu o chamado projeto Frankenstein (como ficou conhecido o primeiro projeto de Constituição), que trouxe um mal-estar muito grande. Depois, com a organização do Centrão, a Constituinte fluiu melhor.
5. Nesse começo da Constituinte a turma conservadora, que o sr. integrava, estava bem desorganizada, não?
Totalmente desorganizada. Por um motivo simples: nós vínhamos de alguns conflitos internos sérios. O primeiro foi a formação do PFL, depois a disputa do Maluf e do Tancredo no Colégio Eleitoral...
6. Do Tancredo e do Sarney, ex-PDS, como vice.
Naquele período eu considerava o Sarney um politiqueiro, que abandonou os compromissos que tinha. Não um traidor, um politiqueiro. Me disseram, então, que já estava acertado que ele é que seria o vice do Maluf. Mas aí o Maluf foi lá no Ceará, fizeram uma manifestação muito grande para ele e pressionaram para que o vice fosse o Flávio Marcílio. Nessa hora o Sarney ficou indignado. E daí para a frente é que começou a manobrar (para sair do PDS e criar o PFL).
7. O sr. apoiou o Maluf...
Eu achava que o Maluf, naquela hora, era a melhor solução para a Brasil.
8. O sr. se arrepende?
Eu preferia o Maluf ao Tancredo. Ele e papai (José Bonifácio Lafayette de Andrada) disputaram eleições em Minas – meu pai pela UDN, o Tancredo pelo PSD. Papai e Tancredo eram amigos, e conversavam muito bem. O Tancredo era um político terrível. E eu conversava muito com ele, ele era muito inteligente, muito agradável.