Título: Cigarro com sabor é banido
Autor: Filizola, Paula; Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2012, Brasil, p. 08

Anvisa proíbe a venda de produtos como os mentolados e com cravo. Fabricantes têm 18 meses para se adequar. Brasil é o primeiro país a adotar a medida

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu ontem, por unanimidade, pela proibição do uso de flavorizantes e aromatizantes nos cigarros comercializados no Brasil. Com isso, o país será o primeiro do mundo a banir a adição do mentol em seus produtos derivados do tabaco.

Dados do setor fumígeno indicam que, atualmente, o cigarro mentolado corresponde a 3% do mercado nacional. A resolução aprovada ontem também proíbe o uso do cravo e de sabores característicos, como baunilha, morango, cereja, chocolate, café, abacaxi e canela, entre outros. Os fabricantes terão 18 meses a partir da publicação da norma no Diário Oficial da União, que deve acontecer nos próximos três dias, para retirar do mercado nacional todos os cigarros com sabor. No caso de outros derivados de tabaco, como fumos para cachimbos, narguilé e cigarrilhas, serão 24 meses.

De acordo com a Anvisa, das 219 marcas de cigarro registradas no sistema da agência, 40 têm sabor. Em manifesto apresentado na semana passada por representantes tabagistas, a indústria se colocou a favor da proibição de aditivos com sabor de frutas ou adocicados, porém, defendeu a manutenção do cravo e do mentol. Segundo os representantes, os dois são ingredientes tradicionais no mercado e não há comprovação científica de que essas substâncias são mais nocivas. Para o diretor da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Carlos Galant, as medidas restritivas afetarão consideravelmente o setor.

A Souza Cruz, responsável por 60% das vendas brasileiras, lamentou a decisão tomada pela diretoria colegiada. "A Anvisa demonstrou não ter levado em conta os argumentos da cadeia produtiva do setor. Acreditamos que as autoridades locais no Brasil devem tratar o assunto com mais profundidade", diz trecho de nota oficial.

O texto de ontem, porém, foi mais brando do que o original, apresentado em dezembro do ano passado, que vetava o uso de açúcar na produção de cigarros. Caso a medida fosse aprovada daquela forma, a indústria de cigarros sofreria um impacto muito grande, pois todas as marcas utilizam uma mistura de folhas de tabaco que precisa da adição do ingrediente. A pressão do setor fumígeno surtiu efeito e a Anvisa recuou nessa proposta. Apesar da proibição da maioria dos aditivos, o açúcar foi mantido na lista de produtos permitidos, porém somente para repor o que a planta do fumo tipo Burley possui naturalmente e perde durante o processo de secagem.

Aditivos A norma da Anvisa ainda enumera oito aditivos permitidos porque não alteram o sabor do cigarro, como, por exemplo, os conservantes. O diretor da Anvisa e relator do texto, José Agenor Álvares da Silva, esclarece que o novo documento reserva espaço para que a lista de ingredientes proibidos seja revista, com base em novas evidências científicas.

Para o pneumologista e consultor da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Celso Rodrigues, a saúde brasileira saiu vitoriosa com a decisão da Anvisa de proibir aditivos, e poderá servir de exemplo para muitos países. "O resultado foi excelente para que os jovens não venham a experimentar o cigarro. O cigarro natural não é uma coisa apetitosa e só serve para quem é dependente e vai atrás de nicotina", afirma o especialista. De acordo com pesquisa realizada pela Escola Nacional de Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 58,2% dos meninos e 52,9% das meninas de 13 a 15 anos que já experimentaram cigarro preferem o produto com sabor.

Há um mês, a Anvisa optou por protelar a apreciação da resolução, embora o tema estivesse em discussão no órgão desde 2009, quando foi incluído na agenda regulatória. Em seguida, o assunto foi amplamente debatido por meio das consultas públicas. Desde então, a Anvisa sofreu pressões da indústria do tabaco, que tinha por objetivo flexibilizar a regra. Nas semanas anteriores à votação de ontem, representantes do setor fumígeno se reuniram para fazer um apelo aos ministros Mendes Ribeiro e Ideli Salvati, da Agricultura e das Relações Institucionais, respectivamente, para que fossem considerados os impactos socioeconômicos das medidas restritivas da Anvisa.

"O resultado foi excelente para que os jovens não venham a experimentar o cigarro. O cigarro natural não é uma coisa apetitosa e só serve para quem é dependente e vai atrás de nicotina"

Celso Rodrigues, pneumologista