Valor econômico, v. 17, n. 4370, 27/10/2017. Política, p. A8.

 

 

Em bate-boca no STF, Barroso acusa GIlmar de "compadrio"

Luísa Martins

27/10/2017

 

 

Frequentemente em lados opostos em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes protagonizaram discussão acalorada durante a sessão de ontem. Barroso afirmou que o colega "destila ódio" e o acusou de "compadrio" e leniência com crimes do colarinho branco, "mudando a jurisprudência de acordo com o réu".

A presidente da corte, Cármen Lúcia, precisou intervir para lembrá-los de que estavam no plenário, onde insultos não são tolerados. O bate-boca, no entanto, prosseguiu por alguns minutos.

O STF julgava um caso sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM-CE). A faísca surgiu quando Gilmar criticou o Rio de Janeiro, estado natal de Barroso, que rebateu: "No Rio, criminosos estão presos, mas tem gente que solta", disse. Era uma referência aos habeas corpus recentes que Gilmar concedeu a investigados, como os empresários Eike Batista e Jacob Barata Filho, este do setor de transporte. Gilmar respondeu que Barroso soltou o ex-ministro José Dirceu (PT) ao chegar no STF.

"É mentira. Aliás, vossa excelência não trabalha com a verdade", rebateu Barroso, citando que Dirceu foi solto por indulto da Presidência da República. "Vossa excelência está fazendo comício em cima de uma questão que não tem nada a ver com tribunal de contas do Ceará."

O ministro prosseguiu: "Vossa excelência está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando o tempo do plenário com um assunto que não é pertinente, para destilar esse ódio constante que vossa excelência tem". Barroso disse ainda que Gilmar "não julga nem fala coisas racionais", pois "sempre está voltado contra alguém ou com raiva de alguém".

Gilmar riu, em ironia, e voltou a falar de José Dirceu, provocando novamente o colega, que continuou a discussão. Barroso lembrou que o ex-ministro foi solto por decisão da Segunda Turma do STF, da qual Gilmar faz parte. "Portanto, não transfira para mim essa parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco", completou.

A pedido de Cármen, Gilmar concluiu o voto e, mais uma vez, atacou Barroso: "Tenho compromisso com direitos fundamentais. Não sou advogado de bandidos internacionais", disse, referindo-se ao fato de o colega já ter defendido, antes de chegar ao STF, o ex-ativista italiano Cesare Battisti, condenado por homicídios nos anos 70.

Battisti, que nega os crimes, aguarda análise do STF a respeito da possibilidade de o governo reabrir seu caso e extraditá-lo.

"Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, é Estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário", respondeu Barroso.

Cármen interrompeu mais uma vez. "Ministros, eu peço, por gentileza, estamos em um plenário de um Supremo Tribunal. E eu gostaria que... vamos voltar ao caso, por favor", pediu.

O julgamento foi concluído. O plenário decidiu pela extinção do TCM-CE. No placar final, 8 a 2, Barroso e Gilmar, mais uma vez, ficaram em lados opostos. Barroso ficou do lado vencedor.