Valor econômico, v. 17, n. 4371, 30/10/2017. Legislação & Tributos, p. E2.

 

 

Castigo e direito autoral

Leo Wojdyslawski

30/10/2017

 

 

Nada mais frustrante para criadores de obras intelectuais do que recorrer ao Judiciário diante de uma violação aos seus direitos autorais. Normalmente, o titular de direitos autorais de uma obra processa um terceiro que usou sua propriedade sem autorização e depois de anos suportando a morosidade da Justiça, recebe apenas o valor que faria jus se tivesse autorizado o uso de sua obra e não sofrido uma violação ilícita.

Esse tem sido o posicionamento do Judiciário em relação às reparações de violações aos direitos patrimoniais de autor. O resultado final é que o Judiciário "legaliza" um ilícito e, na prática, impõe ao seu titular uma licença compulsória que não distingue o lícito do ilícito. Há quem diga que isso premia o contrafator e desestimula o cumprimento da lei, tornando letra morta a obtenção de obrigatória autorização prévia e expressa dos titulares.

Se levarmos em consideração ainda que nem todo titular de direitos autorais tem condições financeiras para contratar um bom advogado para fazer Justiça, que nem todo titular acha que compensa brigar durante anos para receber um valor que muitas vezes não é significativo, ou ainda que o titular pode ganhar a ação mas não receber o dinheiro, o cenário, de um modo geral, é totalmente favorável ao desrespeito aos direitos autorais alheios.

(...)

A boa notícia, no entanto, é que pelo menos o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sinaliza com uma mudança de rumos. Nos últimos meses, duas decisões ganharam destaque ao se posicionarem no sentido de que a indenização por violação de direitos patrimoniais de autor pode exceder o valor que corresponderia ao uso regular de uma obra e conter um caráter punitivo repressivo. A ideia é que o crime não compense.

No processo movido pela EMI Songs do Brasil Edições Musicais contra o deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva (PR-SP), o Tiririca, e o Diretório Regional do Partido da República, que utilizaram sem autorização a música "O Portão", composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, em propaganda política eleitoral, o desembargador Salles Rossi, em decisão de abril deste ano, aplicou multa prevista na própria lei de direitos autorais, correspondente a vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago. O desembargador argumenta: "Se a condenação se resumir ao valor que deveria ser pago pelos réus, caso houvesse a autorização, descaracterizar-se-ia a finalidade da indenização reparar o dano causado". Saberemos nas eleições de 2018 se Tiririca aprendeu a lição.

Em outra decisão, de setembro, o desembargador José Carlos Costa Netto, que inclusive é reconhecido como um dos maiores especialistas em direitos autorais do país, relatou apelação cível na qual a Editora Atheneu foi condenada a pagar de indenização aos herdeiros de Antonio Frederico Branco Lefevre o equivalente a dez vezes o valor dos royalties devidos pela publicação sem autorização da obra "Neurologia Infantil Lefevre", de acordo com o percentual ajustado nos contratos das edições anteriores lícitas. Neste caso, em particular, a editora ainda foi condenada a pagar indenização pela violação de direitos morais de autor em decorrência da alteração da obra e supressão de crédito de autoria.

Os dois casos estão sendo acompanhados com muita atenção por quem atua na área, uma vez que podem mudar significativamente o cenário atual ao reforçar o zelo com que as obras intelectuais devem ser tratadas pelo mercado. As duas decisões são passíveis de recurso e provavelmente serão levadas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para decisão final.

Poucas são as decisões que corroboram tal posicionamento no STJ, mas há exceções importantes que enchem de esperança os que defendem a possibilidade da adoção do caráter sancionatório às indenizações por violação a direitos patrimoniais de autor. Exemplo disso é a decisão de 20 anos atrás, à luz da lei revogada, na qual o ministro Eduardo Ribeiro, do STJ, ponderou que "o ressarcimento devido ao autor haverá de superar o que seria normalmente cobrado pela publicação consentida. A ser de modo diverso, sua aquiescência seria, na prática, dispensável. Cumpre, ao contrário, desestimular o comportamento reprovável de quem se apropria indevidamente da obra alheia".

Se no Tribunal de Justiça de São Paulo, tradicionalmente conservador no tema, ocorreu esta mudança de posicionamento, por que não esperar o mesmo do Superior Tribunal de Justiça?

 

Leo Wojdyslawski é sócio no Cesnik, Quintino e Salinas Advogados

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