O Estado de São Paulo, n. 45282, 09/10/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

Doria tenta se afastar de Bolsonaro no Pará

Prefeito afirma não ‘ser um candidato de direita’ e defende estatuto do desarmamento

Por: Pedro Venceslau / Paula Reverbel

 

Pedro Venceslau

ENVIADO ESPECIAL A BELÉM

Paula Reverbel

 

O prefeito João Doria (PSDB) aproveitou a passagem por Belém, no Pará, onde acompanhou as festividades do Círio de Nazaré para testar uma nova estratégia que deve pautar a agenda do tucano nos próximos dias. Se distanciar da imagem de “ser um candidato da direita”. Na avaliação de aliados e auxiliares, ele e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência, disputam um mesmo segmento do eleitorado, que nas últimas eleições apoiou candidatos tucanos.

No evento religioso, o tucano alfinetou Bolsonaro que também visitou a capital paraense. Ao passo que o parlamentar prometeu que “todo brasileiro devia ter uma arma”, Doria afirmou: “Não defendo que todo brasileiro tenha arma em casa. Apoio o direito de quem deseja ter arma, desde que tenha habilitação para possuir uma.”

Doria avalia que a oratória inflamada do deputado assusta o mercado. “Os grandes investidores temem discursos radicais que dificultem a retomada dos programas econômicos”, disse ele anteontem após participar da procissão do Círio.

A análise do prefeito, feita reservadamente a aliados, é que Bolsonaro avançou sobre o eleitorado do PSDB porque está em campanha aberta, mas esse público, que votou em Fernando Henrique Cardoso ou José Serra no passado não tolera posições radicais. “Sou liberal de centro. Não sou nem direita nem esquerda”, disse a jornalistas, após almoço com empresários na Associação Comercial do Pará.

 

Antipetismo. Doria tem avaliado internamente que tanto ele quanto Bolsonaro vão disputar votos do antipetismo – caso sua candidatura seja confirmada pelo PSDB ou ele decida sair candidato por outro partido. Por isso, manteve seus ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, porém, Bolsonaro também virou alvo das provocações do prefeito. “Não permitam que extremistas de esquerda e direita se sobreponham à maioria”, disse ele em Belém.

Bolsonaro evita ataques ao prefeito. Recentemente em sua página no Facebook chegou a fazer elogios ao tucano ao comentar a pesquisa Datafolha, mas alfinetou. “Ele tá até fazendo um bom trabalho enquanto prefeito de São Paulo. Só tem que louvar, né? Agora, tem uma coisa ao meu lado importantíssima: eu tenho o povo.”

Doria e Bolsonaro têm adotado estratégias diferentes em suas viagens pelo Brasil. Os deslocamentos do deputado, sempre em avião de carreira, são pre- cedidos de intensa campanha no local da visita. Em Belém, o deputado Eder Mauro (PSDPA) espalhou 40 outdoors pela cidade convocando as pessoas para receberem Bolsonaro no aeroporto. Já Doria viaja em seu avião particular. Um micro ônibus foi alugado para receber sua comitiva, com pouco mais de dez pessoas. Não havia claque no aeroporto, mas o prefeito atraiu grandes plateias nos eventos. O público mais recorrente, porém, é empresarial.

 

Avaliação. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ontem que todas suas viagens estão mantidas mesmo de- pois de pesquisa Datafolha revelar a alta taxa de reprovação às ausências do tucano e sua possível candidatura à Presidência. “Não muda nada em relação às viagens, nem nacionais e nem internacionais”, afirmou Doria, que na nesta semana viaja para a Itália.

Sempre que questionado publicamente, o prefeito nega estar em campanha e diz que muitas de suas viagens têm como foco a busca de investimentos. Doria têm argumentado que a Prefeitura não tem recursos e que sua administração depende de apoio do setor privado.

A pesquisa mostrou que sua aprovação entre os paulistanos caiu de 41% para 32%. Metade das pessoas ouvidas acredita que o prefeito viaja mais do que deveria. O levantamento também revelou que 49% acha que as viagens trazem mais prejuízos que benefícios à cidade. O levantamento também apontou que 58% dos paulistanos querem que ele permaneça à frente da Prefeitura, em vez de disputar outro cargo.

 

Viajante. João Doria participou do Círio de Nazaré em Belém na semana passada e viaja para a Itália na próxima quarta

 

Fogo Cruzado

“Não sou nem de direita nem de esquerda.”

“Não permitam que extremistas de esquerda e direita se sobreponham à maioria.”

João Doria (PSDB)

PREFEITO DE SÃO PAULO

 

“( Doria) está até fazendo um bom trabalho enquanto prefeito de São Paulo. Só tem que louvar, né? Agora, tem uma coisa ao meu lado importantíssima: o povo.”

Jair Bolsonaro (PSC-RJ)

DEPUTADO FEDERAL

 

 

 

 

 

ENTREVISTA - Alberto Carlos Almeida

Para cientista político, quem hoje declara voto em Bolsonaro deve migrar para o PSDB durante a campanha
Por: Vítor Marques

 

Vítor Marques

 

‘Eleitor demanda políticos que tenham currículo para mostrar’

Alberto Carlos Almeida, cientista político e sócio-diretor do Instituto Análise

 

Consolidado em segundo lugar nas pesquisas de intenções de votos a presidente da República, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) perderá espaço para um candidato moderado de centro-direita tão logo tenha início a corrida eleitoral de 2018. Esse candidato seria o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ou o prefeito de São Paulo, João Doria – ambos do PSDB. A análise é do cientista político e sócio-diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Eleitor. Abaixo, os principais trecho da entrevista:

 

Neste momento parece que há uma busca pelo novo em parte do eleitorado. Por que?

Primeiro temos de pensar exatamente o que significa novo. Se for o candidato que não seja do PT e do PSDB, então o Bolsonaro é novo. Se for quem não disputou nenhuma eleição presencial, o Bolsonaro é novo. Se o novo for isso, foi encontrado. O eleitorado, no entanto, é reticente a isso. Talvez isso seja mais uma demanda de segmentos da elite do que propriamente do eleitorado. Em situações concretas, o eleitorado demanda políticos que tenham currículo, algo para mostrar e um partido com estrutura capaz de governar.

 

Alguns analistas afirmam que o próximo presidente será do campo da centro-direita. O senhor concorda? Por que?

Acho que temos essa configuração: a região Nordeste é a cidadela eleitoral do PT na eleição presidencial. E a cidadela do PSDB é São Paulo. Vejo que essa cidadela já apareceu no caso do Lula e vai aparecer para o candidato do PSDB, que eu entendo que será o Alckmin.

 

Como ficaria a disputa entre Alckmin e o prefeito João Doria, que também é do PSDB e é apontado como presidenciável?

A questão do PSDB é se o Doria será candidato por outro partido ou não. Trabalho com o cenário de que Alckmin consegue a indicação do partido. Doria vai ter de escolher se fica no partido, se continua na Prefeitura ou se faz um acordo e vira candidato ao governo. Por outro lado, o Doria teria como opção ir para outra sigla. O DEM, talvez. Isso divide os eleitores do PSDB? No início da corrida, sim. Mas o PSDB tem uma megaestrutura que o Alckmin teria a seu favor, e que o Doria não teria.

 

Como o senhor analisa o desempenho de Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenções de voto?

Há discurso de oposição ao governo vindo da direita e da centro-direita. Acredito que ele ( Bolsonaro) irá perder votos para um candidato de centro-direita. Quanto ele vai perder, não sei. Mas quando a campanha começar ele perderá uma fatia importante dos seus votos para um candidato que terá uma agenda similar a dele em vários aspectos. É difícil ele que chegue no segundo turno. Ele está esquentando o lugar de um candidato de centro-direita que se comporte de uma maneira mais equilibrada.

 

O sr. vê similaridade entre eleitores de João Doria e Jair Bolsonaro?

O perfil socioeconômico é o mesmo: eleitor de renda média alta. Por isso digo que eu um candidato que tenha a cabeça no lugar vai tirar voto do Bolsonaro no campo da centro-direita. Hoje o Bolsonaro está tirando voto do Alckmin. Daqui a pouco, será o contrário, o candidato do PSDB tirando voto do Bolsonaro.

 

Para Bolsonaro seria melhor que Doria e Alckmin disputassem em partidos diferentes?

Sim, isso interessa para ele.

 

O ex-presidente Lula lidera as pesquisas mas, ao mesmo tempo, 54% querem vê-lo preso. Como explica?

É importante cruzar os dados dentro da pesquisa. Quantos que votam nele querem vê-lo preso? Qual é a contradição? É alguém que vota nele e quer vê-lo preso. A contradição seria neste segmento do eleitorado, um segmento pequeno do eleitorado.

 

Qual será o papel de Lula nas próximas eleições?

Poderá haver uma eleição sem candidatura Lula, mas não haverá eleição sem o “eleitor Lula”, mesmo que ele seja preso. O candidato do PT vai usar imagens de Lula e o candidato com o apoio dele tende a crescer com votos no Nordeste.

 

Em seu livro, o sr. diz que a avaliação de governo é importante na decisão do eleitor. O governo Temer tem reprovação recorde. Um candidato governista tem chance?

Para efeito de análise, você pode dividir eleições em dois tipos: governista ou oposicionista. Você pode fazer uma retrospectiva de todas as eleições pós democratização e fazer esse tipo de análise. Hoje o que está se configurando é uma eleição de oposição. O candidato que encaixar melhor um discurso de oposição poderá ser considerado favorito.