O Estado de São Paulo, n. 45276, 03/10/2017. Política, p. A8.

 

Senado desafia STF e vota caso Aécio hoje

Thiago Faria / Felipe Frazão

03/10/2017

 

 

Decisão foi tomada mesmo depois de a ministra Cármen Lúcia marcar para a semana que vem o julgamento que pode reverter impasse

 

 

Em um desafio ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), manteve para hoje a votação que deve derrubar o afastamento do mandato e o recolhimento noturno impostos pela Corte ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). A decisão foi tomada mesmo após a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, sinalizar com um acordo para evitar uma crise institucional e marcar para a semana que vem o julgamento de uma ação que pode pacificar o assunto.

A questão, que será julgada no dia 11 pelo plenário do Supremo, é se o Congresso deve ou não dar aval a medidas cautelares contra parlamentares, como as que foram impostas a Aécio. Eunício, que até o fim de semana estava propenso a adiar a votação e esperar o resultado do STF, mudou de ideia e comunicou a decisão a Cármen ontem. Ao final do encontro, voltou a pregar o entendimento. “A presidente Cármen tem pensado parecido com o que eu penso. Que não adianta os Poderes fazerem enfrentamento. Os poderes são independentes, mas têm que ser harmônicos, têm que dialogar”, disse Eunício.

Apesar do discurso conciliatório, Eunício defendeu a prerrogativa do Senado de deliberar sobre o tema. “Os Poderes são independentes entre si. Não existe Poder superior a outro Poder. Nem o Congresso que faz as leis é superior a qualquer outro Poder. Nem qualquer outro poder é superior ao Congresso, que avalia também inclusive impeachment de outras autoridades, como ministro do Supremo, procurador-geral da República, cassação do presidente da República.”

Ontem, o PSDB e a defesa de Aécio ajuizaram ontem um mandado de segurança em que pedem a suspensão do julgamento que determinou as medidas contra o tucano.

O ministro Edson Fachin, que havia sido designado relator do mandado, decidiu encaminhar a Cármen Lúcia o caso para que seja redistribuído. A decisão ocorreu depois que de um questionamento da defesa pelo fato de Fachin ter sido o relator do primeiro afastamento do tucano.

Uma decisão favorável a Aécio evitaria o desgaste de o Senado derrubar as restrições impostas pelo Supremo. Na Corte, a conversa de Cármen com Eunício e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi vista como mais um esforço para encontrar uma saída após a turbulência política provocada pela decisão da Primeira Turma que afastou Aécio Neves das funções parlamentares.

Auxiliares da presidente do STF reconhecem o desconforto com a atual situação e admitem que Cármen Lúcia tem agido para reduzir danos diante de um quadro que “não é o melhor cenário”. Dentro do gabinete de Cármen, a decisão da Primeira Turma foi alvo de críticas.

Além de tentar reverter o agravamento da crise institucional na relação com os outros poderes, a ministra tem tentado apaziguar os ânimos dentro do tribunal. Integrantes do STF, no entanto, acreditam que Cármen deveria ser mais enfática na defesa da própria Corte.

 

Pressão. O líder do PMDB no Senado, Raimundo Lira (PB), afirmou ontem que a sua expectativa era de que o Senado pudesse esperar o Supremo bater o martelo, mas diz que há muitas pressões para que o Senado vote a questão. Segundo ele, a bancada peemedebista, a maior do Senado, com 23 senadores, está dividida sobre a questão.

A bancada tucana, segunda maior com dez parlamentares, pressionou para que a votação ocorra hoje. Numa mudança de postura, até o diretório nacional do PSDB decidiu ingressar com um mandado de segurança em favor de Aécio, presidente licenciado da sigla. Até então, o partido havia atuado de maneira discreta e chegou a demorar um dia para publicar uma nota na qual se manifestou contra as restrições da Justiça ao senador mineiro.

 

Encontro. Eunício  e Maia deixam o STF após reunião com a presidente da Corte, Cármen Lúcia

 

Desconforto

A bancada do PT se reúne hoje para deliberar sobre o tema. Causou desconforto a parte dos senadores que a votação no plenário possa favorecer um adversário.

 

‘Harmônicos’

“A presidente Cármen tem pensado parecido com o que eu penso. (...) Os Poderes são independentes, mas têm que ser harmônicos, têm que dialogar.”

Eunício Oliveira (PMDB-CE)

PRESIDENTE DO SENADO

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Para Toron, recolhimento noturno é ‘medida do AI-5’

Eduardo Kattah

03/10/2017

 

 

ENTREVISTA - Alberto Zacharias Toron

O advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Aécio Neves (PSDB-MG), disse, em entrevista ao Estado, que a decisão do Supremo Tribunal Federal de determinar o recolhimento noturno do tucano é uma medida comparável ao que se fazia no período do Ato Institucional N.º 5 (AI-5). O quinto decreto, de dezembro de 1968, endureceu o regime militar.

 

 

Qual a sua expectativa sobre a votação no Senado?

A minha expectativa é de que o Senado Federal julgue, delibere sobre a inconstitucionalidade da determinação do afastamento de um lado e, ainda que se admita a possibilidade de um Supremo afastar um parlamentar, me parece que é indeclinável a exigência de se submeter essa decisão ao crivo da Casa a que pertence o parlamentar. Em outras palavras, a inexistência de previsão constitucional para o afastamento cautelar de um parlamentar não deveria autorizar que o Supremo o fizesse. Mas, em se admitindo essa possibilidade em tese, o mínimo que se deveria esperar é que o Supremo submetesse o crivo de sua decisão ao Parlamento. Em primeiro lugar em respeito à própria autoridade do Poder Legislativo. Em segundo lugar, em respei- to ao princípio da representatividade, afinal ele é mandatário. E, como mandatário, os eleitores dele têm o direito de que ele exerça as suas atividades legislativas.

 

A Primeira Turma apontou elementos para a medida...

Neste caso do senador Aécio, as delações feitas por Joesley ( Batista) e Ricardo Saud devem ser tomadas com profundas reservas por tudo aquilo que eles mesmo disseram. Mas no caso do senador Aécio há um aspecto adicional que me parece não pode ser relevado: nós obtivemos agora novas escutas que o Joesley não havia entregue, mas que a perícia desvendou. Uma delas que mostra a irmã do Aécio (Andrea Neves) conversando com o Joesley e oferecendo o apartamento da mãe. É bom lembrar que muito antes de essa fita aparecer o senador dizia que a sua irmã havia oferecido para o Joesley o apartamento da mãe, para vendê-lo. E que o dinheiro ( R$ 2 milhões solicitado pelo senador mineiro ao empresário) havia sido pedido a título de empréstimo e não de corrupção.

 

O que espera do julgamento no plenário do Supremo?

Minha expectativa é de que o plenário da Corte, se entender que o Supremo Tribunal Federal possa afastar um parlamentar, isso deve ser submetido ao crivo da Casa a que pertence o parlamentar. Para não haver uma colidência entre os Poderes da República.

 

O ministro Luiz Fux, no seu voto, disse que Aécio não teve a “grandeza” de se afastar do cargo...

Ouvi as declarações do ministro Fux, no sentido de que o senador deveria abandonar o cargo, com muita perplexidade. Me parece que ele já prejulgou sem que o sena- dor tenha tido direito de defesa. Um grande equívoco, além de ser uma grande injustiça. Fiquei perplexo.

 

E quanto à determinação de recolhimento noturno. Como viu?

O senador está acatando, o senador está cumprindo. Agora, é uma modalidade de prisão. Não podemos esquecer disso.

 

A interpretação é de que há previsão constitucional.

Na verdade, o senador tem imunidade prisional, ele não pode ficar confinado a exemplo do que se fazia no AI-5. Essa medida está prevista no AI-5. Não há essa previsão de se prender, ainda que no período noturno, um senador da República ou um deputado federal. Ao contrário, o que se discute é que esse confinamento noturno não configuraria o caráter de prisão, é uma medida alternativa à prisão. Olha, isso é um eufemismo. 

 

Defesa. Toron diz que crivo da decisão é do Senado